sábado, 28 de setembro de 2024

Marcelo Zero: Sul do Líbano - ‘Sem razão, sem piedade’

Os grandes bombardeios israelenses no Sul do Líbano, no vale do Bekaa e em bairros meridionais da área metropolitana de Beirute, que deixaram quase 500 mortos, demonstram que o governo Netanyahu parece estar apostando numa guerra aberta com o Hezbollah.

Embora seja uma aposta de risco, dado o preparo e a força do Hezbollah, há alguns fatos que estão motivando o governo Netanyahu a promover essa empreitada bélica.

Em primeiro lugar, há o fator político interno. A sobrevivência política de Netanyahu depende do apoio de partidos ultraconservadores, que são favoráveis a uma “linha dura” com o Hezbollah. Esses setores julgam que é possível derrotar militarmente esse grupo e ameaçam derrubar o governo Netanyahu, caso o primeiro-ministro mantenha-se “cauteloso”. Netanyahu sabe bem, que, caso isso aconteça, terá de enfrentar uma série de processos judiciais que poderão levá-lo à prisão.

É preciso levar em consideração que, logo após o início da guerra em Gaza, Israel retirou cerca de 60 mil cidadãos que viviam próximos à fronteira com o Líbano, por uma questão óbvia de segurança. Há, evidentemente, uma pressão para que essas pessoas possam voltar às suas casas.

Entretanto, os fatores mais importantes são os geopolíticos.

O governo de Netanyahu julga que a escalada do conflito com o Hezbollah poderia levar esse grupo a aceitar um cessar-fogo que não inclua o término das hostilidades em Gaza. Em outras palavras, e segundo esse cálculo, a escalada poderia romper a aliança Hezbollah/Hamas, o que é um pressuposto altamente duvidoso.

Há outros pressupostos dos cálculos estratégicos dos setores mais extremados do governo Netanyahu que também são questionáveis.

O primeiro deles é o que o Irã, mesmo com todas as provocações, evitará um grande e definitivo envolvimento para apoiar seu principal aliado no Oriente-Médio. O Irã está enfraquecido, principalmente do ponto de vista econômico e comercial, devido as sanções draconianas impostas por EUA e aliados. Não gostaria de um conflito aberto, nessas circunstâncias, embora não vá renunciar ao envio de apoio.

Essa possível hesitação do Irã seria estimulada por um provável envolvimento dos EUA, em um eventual conflito franco ente Israel e Hezbollah.

Blinken e Biden não desejam esse cenário, neste momento, mas, em todo caso, já enviaram o porta-aviões nuclear Harry S. Truman para fortalecer as posições dos EUA no Mediterrâneo Oriental.

O outro pressuposto estratégico do governo de Netanyahu é justamente o de que, se houver um conflito aberto com o Irã, os EUA serão “arrastados” para a guerra. Netanyahu sabe bem que, no caso de uma guerra aberta que envolva o Irã, Israel precisará de toda ajuda possível dos EUA e aliados.

Mesmo assim, o resultado do conflito seria duvidoso e, em quaisquer hipóteses, os custos humanos e materiais seriam altíssimos. É preciso considerar que, no caso de uma guerra desse tipo, provavelmente a China, a Rússia e alguns países muçulmanos apoiariam o Irã material e politicamente.

Nas décadas de 60 e 70, Israel acostumou-se (mal) a resolver suas questões de segurança pela via única da força militar. De fato, naqueles tempos, o formidável exército de Israel assegurava vitórias rápidas e decisivas em quaisquer situações.

Mas esse tempo das guerras convencionais no Oriente Médio passou. Além de seus vizinhos árabes estarem bem mais preparados que no passado, os conflitos básicos que hoje Israel enfrenta são assimétricos e não-convencionais. Conflitos que causam grande desgaste, que se estendem no tempo, e que são de difícil definição militar. E que demandariam, na realidade, soluções baseadas em negociações francas e acordos sólidos.

Os EUA passaram duas décadas no Afeganistão apenas para assistir, impotentes, ao retorno triunfal dos Talibãs.

Veja-se o exemplo da atual situação em Gaza. As forças de Israel, mesmo recorrendo a métodos extremos, estão tendo muitas dificuldades em “eliminar” o Hamas, uma força comparativamente frágil e mal equipada, em relação ao Hezbollah.

Israel ocupou e interveio no Líbano de 1982 a 2000. Mas, naquele último ano, acabou se retirando totalmente daquele território, em grande parte por causa da resistência incansável do Hezbollah no Sul do Líbano.

Nada indica que, agora, ocorreria algo diferente.

Observe-se que para, no mínimo, enfraquecer o Hezbollah, Israel teria de fazer uma incursão terrestre no Sul do Líbano, ao contrário do que falou seu embaixador na ONU. Isso significaria ter forças terrestres deslocadas em duas frentes (Gaza e Líbano), algo muito desgastante.

Essa eventualidade traria o problema adicional do recrutamento dos haredim, os judeus ortodoxos (cada vez mais numerosos) que se recusam a servir o exército. Embora a Suprema Corte de Israel tenha acabado recentemente com a isenção de servir para os haredim, esse grupo protesta e pressiona seus partidos, muito influentes no governo Netanyahu, no sentido de manter a isenção, na prática.

Teóricos do realismo nas relações internacionais, como John Mearsheimer, afirmam que os países, em geral, se movem, no cenário mundial, por interesses e cálculos racionais. Algumas vezes, no entanto, o que predomina no processo decisório são paixões irracionais, como o ódio e a vingança. Ódio e vingança somados a uma ilusão de invencibilidade.

Todo o mundo diz não desejar o alastramento da guerra no Oriente Médio.

As ações de Netanyahu, tanto em Gaza quanto no Líbano, apontam, porém, para o horror de uma guerra alargada de genocídio. Sem razões e piedade.

 

¨      “Gaza é uma das maiores crises humanitárias da história recente”, disse Lula

No Oriente Médio as bombas continuam a cruzar o espaço, explodindo e matando centenas de pessoas inocentes que nada tem a ver com o conflito entre o Hezbollah e Israel. A questão tem sido pauta de preocupação de outras nações, inclusive constando no discurso feito pelo presidente Lula da Silva que foi foi o primeiro chefe de Estado a discursar na 79ª sessão da Assembleia Geral da ONU.  

Lula abordou os conflitos não só do Oriente Médio, mas também na Ucrânia, criticando o crescente gasto com ativos militares mundialmente. O presidente pontuou que esses recursos poderiam ser utilizados para combate à fome e à mudança climática e que o “uso da força sem amparo no direito internacional está se tornando regra”.

Sobre a guerra no Oriente Médio, Lula ressaltou que, “em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente e que agora se expande perigosamente para o Líbano”.

Nos últimos dias, Israel tem realizado ataques contra o Líbano, que deixaram centenas de mortos e aumentaram a tensão por um conflito regional mais amplo. Além disso, o país continua com a ofensiva na Faixa de Gaza, que deixou mais de 40 mil pessoas mortas, segundo autoridades palestinas.

“O que começou com ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes se tornou uma punição coletiva do povo palestino”, afirmou Lula, adicionando que “o direito de defesa se tornou em direito de vingança”. Já sobre a crise na Europa, o presidente brasileiro destacou que é crucial criar condições para que Ucrânia e Rússia retomem o diálogo direto. Ele pontuou que essa é a “mensagem” da proposta de Brasil e China para o conflito, que foi rejeitada por Volodymyr Zelensky.

“Na Ucrânia, é com pesar que vemos a guerra se estender sem perspectiva de paz. O Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano. Já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar”, comentou.

Lula citou ainda o que chamou de “conflitos esquecidos” no Sudão e no Iêmen.“Em tempos de crescente polarização, expressões como ‘desglobalização’ se tornaram corriqueiras. Mas é impossível ‘desplanetizar’ nossa vida em comum”, observou, tomando com suas palavras um forte posicionamento de condenação dos confrontos que se estendem ao longo do tempo.

 

¨      Israel abre nova frente de guerra e comete crime de lesa-humanidade no Líbano. Por José Reinaldo Carvalho

Israel mais uma vez deixou sua marca indelével no mapa da barbárie. Segundo informação da Reuters nesta terça-feira (24), 569 pessoas foram assassinadas no Líbano em apenas 24 horas, incluindo mulheres e crianças. Tel Aviv alega que o objetivo da operação é eliminar a liderança do Hezbollah, o que não suaviza o caráter de suas ações. Mas, além da perseguição e repressão contra a organização que é a principal força da Resistência, um partido político, um movimento de massas e um exército popular, os militares israelenses atingem a população civil e praticam um massacre de imensas proporções.

Esses ataques, longe de serem incidentes isolados, fazem parte de um padrão consolidado de agressão. Trata-se de uma escalada que atinge em cheio o povo libanês, viola a soberania do país e constitui uma ameaça à paz mundial. Essas ações não podem ser vistas de outra forma, um crime de lesa-humanidade, portanto seus executores têm que ser julgados, punidos e condenados com todo o rigor pela opinião pública e o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ).

A agressão israelense, além de violar flagrantemente os direitos humanos e as normas mais básicas do direito internacional, tem como objetivo claro a desestabilização da região, provocando um conflito de dimensões catastróficas no Oriente Médio. Nesse sentido, Israel compromete a segurança coletiva internacional.

Diante desse cenário, a Resistência Libanesa se ergue como uma força legítima de defesa de seu povo e de sua soberania. A Resistência tem todo o direito de reagir à altura.

A normalização da violência israelense é uma das maiores tragédias políticas do nosso tempo. Enquanto Israel lança bombas, os líderes ocidentais oferecem declarações mornas e evitam qualquer crítica contundente. No entanto, a realidade dos massacres no Líbano e em Gaza exige uma resposta muito mais forte. Tais ações merecem a mais dura condenação dos governos, movimentos de solidariedade, movimentos sociais e movimentos pela paz. É inaceitável que tais ações continuem a ocorrer sem uma resposta contundente. É necessário que as forças amantes da paz se mobilizem de maneira firme e decisiva contra o governo genocida de Benjamin Netanyahu que continua a perpetuar um ciclo de violência e ocupação ilegal. Somente com ações concretas será possível evitar essa escalada bélica e garantir a autodeterminação dos povos da região, especialmente o direito do povo palestino ao seu Estado independente.

O silêncio do mundo e a inação dos organismos multilaterais expressam a impotência e a pusilanimidade, em alguns casos a cumplicidade diante de um Estado bandido, um pária internacional, que só merece a repulsa da humanidade e o ostracismo político e diplomático. Nenhum país que desrespeite de forma tão aberta as convenções internacionais deveria continuar a receber apoio financeiro e militar das potências imperialistas ocidentais.

Se nada for feito, o ciclo de violência e sofrimento será perpetuado, com mais vidas inocentes sendo perdidas em nome dos interesses expansionistas do Estado sionista, que, como se tornou evidente com as ações terroristas em Gaza e no Líbano, não se detém diante dos mais hediondos crimes. O futuro do Oriente Médio depende da capacidade do mundo de se unir contra a barbárie e a injustiça. É preciso quebrar o silêncio e dizer: chega de massacres, chega de impunidade. De outra maneira, cumprir-se-ia o plano genocida anunciado por Netanyahu no mesmo dia em que a Resistência palestina decidiu com as ações de 7 de outubro, avançar na luta contra a ocupação de sua pátria. Segundo tal plano, Israel pretende reconfigurar toda a geopolítica do Oriente Médio e exercer hegemonia em cumplicidade com o imperialismo estadunidense.

A Resistência é a força que pode impedir a concretização de tais planos.

¨      Ofensiva de Israel contra Hezbollah eleva o risco de extensão da guerra

A ofensiva de Israel contra o Hezbollah eleva o risco não só da expansão do conflito no Oriente Médio, mas de uma possível guerra em escala mundial. As estratégias de permanência no poder de governantes de países-chave, combinadas com a rede de alinhamentos e a interdependência entre contestadores da ordem mundial, levam a essa sombria constatação.

O Hezbollah intensificou os ataques em resposta à campanha de Israel contra a Faixa de Gaza, por sua vez uma reação aos atentados terroristas do Hamas de 7 de outubro. A milícia xiita afirma que não voltará ao status quo anterior de guerra de atrito enquanto não houver um cessar-fogo no território palestino.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, não pode firmar um cessar-fogo com o Hamas. Seus ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, e da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, ambos líderes dos colonos judeus na Cisjordânia ocupada, rejeitam qualquer acordo com o Hamas e defendem a expulsão dos palestinos e anexação dos dois territórios.

O impopular Netanyahu depende do apoio desses dois ministros. Seus partidos reúnem 13 das 64 cadeiras que apoiam o governo no Parlamento, do total de 120. Sem esse apoio, Netanyahu não só iria para a oposição, mas potencialmente para a prisão. Tramitam na Corte Suprema processos contra ele por corrupção, razão pela qual o primeiro-ministro tentava antes da guerra aprovar uma reforma que retirava a autonomia do tribunal.

Essa reforma provocou os maiores protestos da história de Israel, só comparáveis aos que ocorreram há duas semanas, contra a prioridade que Netanyahu tem dado à destruição do Hamas, em detrimento de um acordo para libertar os cerca de 100 reféns israelenses. Outra fonte de frustração é o deslocamento de mais de 60 mil israelenses do norte de Israel, por causa dos ataques do Hezbollah com mísseis e foguetes.

A ofensiva contra a milícia xiita atende a dois objetivos de Netanyahu: recuperar o apoio da população e prolongar o conflito que, enquanto durar, protegerá o primeiro-ministro de um movimento parlamentar ou judicial para retirá-lo do cargo.

A igualmente impopular teocracia iraniana também depende das tensões com Israel para justificar sua manutenção no poder, aparato repressivo e programa nuclear. O Irã demonstra que uma guerra total com Israel não lhe interessa neste momento.

O país não cumpriu as ameaças de retaliar Israel de forma contundente por humilhações recentes, como o ataque ao seu consulado em Damasco e o assassinato do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, no dia da posse do presidente iraniano em Teerã.

Com as 36 mortes nos últimos dias causadas pelas explosões de pagers e walkie-talkies, e o assassinato de Ibrahim Akil, comandante das forças especiais do Hezbollah, junto com mais 13 pessoas, as humilhações vão se acumulando. Humilhações têm limite no Oriente Médio, cuja cultura associa poder e violência.

O Hezbollah, com seus estimados 150 mil mísseis e foguetes e 100 mil combatentes, também não reagiu à altura. O assassinato de Fuad Shukri, comandante militar do grupo, em Beirute, no dia 30 de julho, parece não ter provocado uma sanha de vingança.

Uma eventual escalada envolvendo o Irã arrastaria de forma direta ou indireta a Rússia, que depende dos mísseis e drones iranianos para conduzir sua guerra contra a Ucrânia. Assim como depende de mísseis e munição de artilharia da Coreia do Norte, que também contesta a ordem internacional. Diante de todo esse cenário, o risco de uma conflagração em maior escala é crescente.

 

Fonte: Brasil 247/Tribuna da Internet

 

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