sexta-feira, 27 de setembro de 2024

A imprensa brasileira e o Oriente Médio

 “Impressionante operação”, “Sucesso” e “triunfo tático” são alguns dos títulos que encabeçam as matérias de jornais brasileiros para se referir à ação de Israel que deixou milhares de feridos (muitos perderam a visão ou tiveram membros amputados) e dezenas de mortos — inclusive crianças — no Líbano, no dia 17 de setembro de 2024.

Além desse ar de louvor, o acontecimento é tratado com um toque de curiosidade: “o que são pagers?”; “Como foi a explosão dos pagers?”; “como Israel teria criado empresa de fachada para colocar explosivos nos pagers do Hezbollah?” — não somente militantes desse partido foram mortos e feridos de maneira indiscriminada. As chamadas comportam-se, ainda, como se as explosões fossem meros incidentes: “após pagers, ‘walkie-talkies’ do Hezbollah explodem em Beirute e no sul do Líbano; 20 morrem”.

Daí em diante, os títulos e abordagens só pioram. Verdadeiro vandalismo jornalístico. A ação israelense é, no limite, apresentada como um ataque. As ações do Instituto de Inteligência e Operações Especiais, o Mossad, e de outras divisões são retratadas como aventuras hollywoodianas. Procuramos, em vão, nesses textos e mesmos nas reflexões de colunistas e comentaristas — muitos dos quais se apresentam como campeões da luta pela democracia e contra o terrorismo — uma denúncia ou reprimenda contra tal ato de terrorismo. O termo inexiste na linguagem da grande imprensa brasileira quando se trata de caracterizar as ações de Israel, dos EUA e seus aliados. Na verdade, foi o grupo alvo do ataque o representado como extremista.

Perante milhares de indivíduos mutilados, crianças e mulheres perdendo mãos, braços e mesmo a visão, ambulâncias em alta velocidade, cenas de funerais, pânico social, mortes e ferimentos, jornalistas estão preocupados em falar sobre o uso e funcionamento de pagers e walk talks há algumas décadas. Para que houvesse uma condenação ao terrorismo na imprensa brasileira só se o ataque foi desferido por algum grupo armado do “Mundo Árabe” e se tivesse como alvos Israel, EUA ou a Europa.

Só haveria perplexidade e alarde se o presidente da República se posicionasse, como o fez em fevereiro deste ano, quando comparou, de maneira acertada, as ações de Israel em Gaza à atuação do Terceiro Reich. Lembremos que, já naquela altura, a mídia apresentava o massacre em curso contra o povo palestino como “resposta de Israel” — “Lula compara resposta de Israel em Gaza à ação de Hitler contra judeus”.

Até na imprensa de esquerda temos certa dificuldade em encontrar de forma mais aberta e frequente a justa utilização da categoria terrorismo para se referir a ações como a perpetrada no Líbano esta semana, não obstante os veículos se posicionem de maneira mais crítica e combativa. Eduardo Vasco nos lembra que quando um jovem afegão atacou com uma faca algumas pessoas na Holanda, em 2018, logo a ação foi caracterizada como terrorismo. Um ano antes, também foi apontado como terrorista o atropelo de seis pessoas em Paris.

Trata-se de um fenômeno mais complexo. O filósofo Domenico Losurdo apontou que a linguagem do império buscou apresentar todos os seus inimigos — os quais deveriam ser fisicamente aniquilados — como terroristas. Fala-se em terrorismo “apenas se o ataque for organizado a partir de baixo, apenas se seus perpetradores não tiverem poder”. É desse modo que procura argumentar a linguagem dominante. Essa linguagem, acentua Domenico Losurdo, constituiu-se ao longo do tempo não apenas a partir dos discursos políticos e da abordagem da grande imprensa comercial, mas até por historiadores e outros estudiosos que apresentaram de forma romântica e cheia de omissões as ações dos EUA e dos seus aliados no Ásia, África e América Latina.

Ao longo do século XX as tentativas da CIA de eliminar os rivais dos Estados Unidos, como Stalin, Lumumba, Sukarno e, repetidas vezes, Fidel Castro, nunca foram denunciadas como ações terroristas, mesmo quando se entendia “terrorismo individual” como o ataque a determinada autoridade política. Do mesmo modo, ao falar-se em “terrorismo de massa” só entra em cena o morticínio de 11 de setembro. Ignora-se a história. Mesmo compreendemos “terrorismo de massa” pelo desencadeamento da violência contra a população civil para atingir determinados objetivos políticos e militares, a aniquilação nuclear de Hiroshima e Nagasaki não é apresentada como tal.

A categoria “terrorismo” tem sido utilizada — inclusive, com muita veemência nos nossos dias — para justificar a legitimar massacres de milhares de indivíduos no Oriente Médio. Ao recorrer a tal terminologia, tenta-se desumanizar não só os grupos armados em combate, mas toda a população vitimizada pelos bombardeios. Na verdade, as mortes de civis apresentam-se como algo aceitável, se se tratar de uma consequência de uma “caça aos terroristas”.

Não esqueçamos da fala de Jorge Pontual: “atacar terroristas do Hamas é um direito que Israel tem. Se eles estavam em uma ambulância, infelizmente era isso que Israel tinha que fazer: alvejar esses seus inimigos”.

Há ainda outro problema em cena. Não é lúcido apontar os jornais como órgãos homogêneos. Em certa medida, há polifonias mesmo dentro de um mesmo veículo. Vê-se contrapontos, debates, etc. Contudo, quando os assuntos são economia (sobretudo quando as medidas liberais estão em pauta) e geopolítica, o nível de heterogeneidade das discussões diminui de maneira assustadora. Nesse sentido, desde que o conflito em Gaza voltou a tomar conta dos noticiários, após a ação militar do Hamas em solo israelense, há, com efeito, uma série de críticas à “maneira como Israel age” na guerra. Fala-se, inclusive, “violações” e “crimes de guerra”.

No entanto, o alvo das críticas, na maioria das vezes, é a posição de “extrema direita” de Benjamin Netanyahu. É como se fosse esse indivíduo uma mutação no tempo-espaço na história de Israel e no modo como esse Estado vem agindo em relação aos palestinos e a outros grupos no Oriente Médio.

Voltemos, portanto, a Domenico Losurdo: “o uso terrorista da categoria terrorismo atinge seu pico na Palestina”. É justamente no conflito israelo-palestino que são caracterizadas como “ataques terroristas hostis” as ações de garotos que atiram pedras nos tanques, o que leva o filósofo italiano a provocar: “mas se o menino palestino que protesta contra a ocupação atirando pedras é o ‘terrorista’, devemos considerar o soldado israelense que o elimina como campeão da luta contra o terrorismo?”.

Ainda nos últimos dias, Danny Danon, o embaixador israelense da ONU, chamou de “Terrorismo Diplomático” a resolução da Assembleia Gral, elaborada pelos palestinos e assinada por 124 países, a qual exige que Israel ponha fim à “sua presença ilegal no Território Palestino Ocupado” em 12 meses.

Tudo o que não convergir com os interesses imperialistas de Israel parece ser terrorismo. Qualquer denúncia a massacres, violações, e outras atrocidades cometidas pelas tropas e governo israelenses é apresentada como apoio ao terrorismo, quando não antissemitas. Assim foi quando o chefe do Poder Executivo brasileiro denunciou as atuações de Israel em Gaza, assemelhando-as às do hitlerismo. Naquela ocasião, o genocídio contra o povo judeus — de fato, um grande trauma — foi apresentado como algo único, singular e incomparável a qualquer outro fenômeno, sem paralelo na História. Isso num país — num continente! — no qual houve a aniquilação de milhares e milhares de povos nativos e séculos de escravidão de africanos e afrodescendentes.

Ao chamar atenção para os “interesses manipuladores que podem muito bem ter um papel na formação de conceitos ou na utilização da memória”, Dominick LaCapra aponta para o Oriente Médio, no conflito israelo-palestino. O historiador reflete como Benjamin Netanyahu tem tentado traçar um paralelo direto entre a ameaça representada pelo Terceiro Reich aos judeus no período que antecedeu o Holocausto e a “ameaça contemporânea” representada pelo Irã a Israel. Além disso, em seu discurso numa conferência sionista de 2015, Benjamin Netanyahu culpou os palestinos por iniciarem o genocídio durante o Holocausto, afirmando que “Hitler não queria exterminar os judeus na época, ele queria expulsar os judeus”.

A grande imprensa brasileira, apenas para a surpresa dos incautos, não obstante critique “o líder da extrema-direita israelense” — como se o problema se resumisse a isso —, tem ratificado as suas perspectivas, legitimados as suas ações. Isso se evidencia nos títulos de reportagens que romantizam e banalizam milhares de mortes no Líbano, nos analistas de política internacional convidados para os programas, sempre com visões pró-Israel, e ao demonizar grupos e países que não se alinham aos Estados Unidos.

Hoje, com os bombardeios se intensificando e a carnificina se ampliando com quase 500 mortos num único dia, o teor das reportagens começam a mudar um pouco. Mas ainda sem nenhuma condenação a Israel — muito menos ao terrorismo.

 

¨      Ausência do que fazer com Netanyahu expõe fraqueza dos EUA e debandada do Ocidente, dizem analistas

A relação do Ocidente com Benjamin Netanyahu não anda das melhores, em um cenário no qual as partes têm uma relação antiga de cooperação para o mesmo interesse: manter-se no poderio mundial. Algo que, segundo analistas, está por um triz.

Com a aproximação das eleições israelenses de 2026, fica cada vez mais visível a linha tênue na qual a gestão Netanyahu se encontra, apontam especialistas no assunto.

Ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o doutor em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e analista internacional Eden Pereira Lopes sintetizou que "a ausência do que fazer com Netanyahu" é um dos principais problemas do Ocidente, em especial dos Estados Unidos.

"O Ocidente, sobretudo os Estados Unidos, não sabe como resolver a situação. Eles não têm uma fórmula para resolver a situação envolvendo as agressões de Israel contra a Palestina. Ao mesmo tempo, eles não conseguiram construir e não têm aliados internos de Israel no país que possam ser capazes de substituir a figura do Netanyahu, que habilmente se coloca em uma posição de ser o principal aliado e a figura que pode, em alguma medida, representar os interesses dos Estados Unidos naquela região", detalhou.

Ele continuou, dizendo que ao mesmo tempo que, "de uma maneira geral, o Ocidente, a Europa, principalmente os países europeus, têm um grande desconforto com a figura do Netanyahu, eles sabem que não podem fazer muita coisa, porque a capacidade de influenciarem a política de Israel é menor ainda do que a que têm, por exemplo, os Estados Unidos hoje".

<><> Países aliados sofrem com custos políticos

O analista internacional pontuou à Sputnik que Netanyahu é rejeitado publicamente por vários líderes, mas os países que são aliados de Israel não conseguem reverter o curso da política israelense.

"Eles [os países ocidentais] não têm essa capacidade, e isso faz com que o Netanyahu tenha a capacidade de fazer o que ele está fazendo hoje, que é ligar o piloto automático, no sentido das agressões e da violência […]. […] o Ocidente, ele se encontra em uma posição onde ele tenta, o máximo possível, enfraquecer a figura do Netanyahu, sem necessariamente abandonar Israel", arrematou o especialista.

Segundo Eden, o recente discurso do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, expressando desconforto com as ações de Benjamin Netanyahu, reflete um momento crítico nas relações entre o Ocidente e Israel. Ele afirmou que "a grande questão que está posta para o Netanyahu hoje é que os atuais governos na Europa e nos Estados Unidos estão completamente desconfortáveis com o que está acontecendo na Palestina".

Lopes destaca que a pressão crescente da opinião pública nos países ocidentais não pode mais ignorar as atrocidades documentadas: "As pessoas literalmente recebem nos seus celulares, recebem nas suas TVs todos os dias, nas redes sociais, imagens de massacres que acontecem na Palestina".

Ele observa que os cortes de armamentos pelo Reino Unido, "temendo que essas armas fossem usadas contra a população civil", são uma resposta a essa pressão, e outros países ainda buscam mitigar sua responsabilidade histórica na situação.

O analista compara as ações do governo Netanyahu a um genocídio, afirmando que "o que nós vemos por parte das autoridades israelenses é um amplo e largo apoio a essas práticas violentas de genocídio que estão acontecendo no território palestino".

"As manifestações contra o governo do primeiro-ministro Netanyahu não expõem que a sociedade israelense, em alguma medida, tem apoiado algumas das operações que são conduzidas dentro da Faixa de Gaza", critica o analista sobre a desumanização dos palestinos, sustentada por uma sociedade que, em parte, valida essas práticas.

<><> Preocupações? EUA são 'ponto-chave para manutenção de Netanyahu'

Questionado sobre quais adversários deveriam despertar a preocupação de Netanyahu, André Frota, professor dos cursos de relações internacionais, ciência política e geografia no Centro Universitário Internacional Uninter, afirmou: "Toda decisão de política externa envolve sempre dois cenários, o nível externo e o nível doméstico".

Ele destaca que tanto o Hamas quanto o Hezbollah representam problemas externos, enquanto a opinião pública israelense se configura como uma questão interna crucial. "A sobrevivência política dele depende em grande medida da manutenção do conflito."

O cientista político também ressaltou a importância da busca pelos reféns mantidos pelo Hamas, afirmando que isso é "extremamente sensível" para a política interna de Israel.

"Boa parte das conquistas que ele detém se relaciona também com a manutenção da busca pelos reféns." Além disso, ele observa que "enquanto não houver uma solução para a situação individual do Netanyahu, o status quo para ele é manter o que está acontecendo".

Em relação ao apoio internacional, Frota afirmou que "do ponto de vista do poder bélico, sim", os Estados Unidos são fundamentais para a manutenção de Israel. Ele lembrou que a maioria das armas vem dos EUA, e "isso não vai deixar de existir, não existe nenhuma possibilidade de a aliança estratégica Estados Unidos-Israel deixar de acontecer".

Sobre a possibilidade de sanções a Israel, Frota destacou as limitações do sistema das Nações Unidas, afirmando que "nenhuma resolução do Conselho de Segurança que vai querer impor um pacote de sanções vai passar pelo veto norte-americano".

Isso, segundo ele, resulta em um "isolamento de Netanyahu com relação ao restante do mundo ocidental".

¨      EUA alertam Israel que ataques ao Hezbollah podem levar a uma guerra regional, diz mídia

Os Estados Unidos alertaram Israel que ataques ao movimento libanês Hezbollah podem atrapalhar os esforços diplomáticos para resolver o conflito e levar a região a uma guerra, informou a mídia norte-americana nesta quarta-feira (25), citando autoridades dos EUA.

De acordo com a AP, nos dias que antecederam os ataques aéreos de Israel ao Hezbollah, autoridades dos EUA alertaram o governo israelense de que tal estratégia levaria provavelmente a região à guerra. Conforme as fontes, as autoridades dos EUA indicaram a Israel que uma solução diplomática ainda era possível e que uma campanha militar poderia atrapalhar esses esforços.

Autoridades israelenses adotaram uma abordagem diferente para alcançar a paz e disseram aos representantes dos EUA que era hora de "escalar para desescalar", sugerindo que atacar o Hezbollah obrigaria o movimento a participar de negociações para encerrar o conflito.

Mais cedo hoje (25), o movimento xiita libanês Hezbollah disse que atingiu um centro de comando do Mossad perto de Tel Aviv, acrescentando que o movimento o responsabiliza pela eliminação de vários de seus líderes e pelas explosões de pagers no Líbano.

"Os combatentes da Resistência Islâmica alvejaram nesta quarta-feira, 25 de setembro de 2024 às 06h30 da manhã [00h30, horário de Brasília], a sede do Mossad nos subúrbios de Tel Aviv com um míssil balístico Qader-1. Esta sede é responsável por assassinar líderes e explodir pagers, bem como dispositivos sem fio", escreveu o movimento no Telegram.

Um correspondente da Sputnik relatou que sirenes de ataque aéreo soaram pela primeira vez desde a atual escalada com o movimento libanês Hezbollah em muitas cidades no centro de Israel, incluindo Tel Aviv e Netanya.

As Forças de Defesa de Israel (FDI), por sua vez, relataram que interceptaram um míssil terra-terra lançado do Líbano.

"Após as sirenes que soaram nas áreas de Tel Aviv e Netanya, um míssil terra-terra foi identificado cruzando o Líbano e foi interceptado pelas Forças de Defesa Aérea das FDI", disseram os militares no Telegram.

 

Fonte: Por Osnan Sousa, em A Terra é Redonda

 

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