Laboratórios de análises clínicas tentam
emplacar política nacional de diagnóstico laboratorial
Apesar de serem
responsáveis por 95% dos exames diagnósticos do Sistema Único de Saúde (SUS) e
por 70% das decisões médicas, os laboratórios privados de análises clínicas não
são reconhecidos como parte da rede de Atenção Primária à Saúde (APS). Esta é a
visão da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC), que elaborou um
documento para a criação de uma Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial
(PNDL), apresentado neste mês ao Ministério da Saúde e a Organização
Pan-Americana da Saúde (OPAS). A proposta – que você pode ver aqui – tem como
objetivo estabelecer diretrizes para o diagnóstico laboratorial, abrangendo
análises clínicas, toxicológicas e ambientais, de forma a ampliar o acesso,
garantir maior qualidade e eficiência, e promover a integração dos serviços
laboratoriais no SUS.
Para a presidente da
SBAC, Maria Elizabeth Menezes, a política precisa estar na atenção primária,
visto que ela é a porta de entrada do sistema e é o nível mais próximo da
população. A APS foca em ações de prevenção, promoção da saúde e tratamento de
condições agudas e crônicas em um contexto mais comunitário e abrangente. Para
a presidente, atualmente existe uma capacidade ociosa desses laboratórios, que
poderiam ser mais utilizados em benefício dos pacientes. Nesse sentido a PNDL
propõe a aproximação dos pontos de coleta das matrizes laboratoriais e a
aceleração do processo de obtenção de resultados pelos pacientes e médicos, a
partir do aumento da interoperabilidade entre os sistemas.
Para a SBAC, a
interoperabilidade proposta pela PNDL pode diminuir filas e custos
operacionais. A integração dos sistemas diminui a repetição de exames, permite
a busca ativa de pacientes, melhora a conduta clínica e traz economia para o
sistema com a detecção precoce de doenças, o que reduziria os gastos de
internações e hospitalizações.
A política também
busca aumentar a educação em saúde da sociedade e a procura por exames, visto
que os exames laboratoriais além de diagnosticar doenças também atuam na
detecção precoce, na prevenção e no monitoramento de condições crônicas. Além
disso, a PNDL destaca o papel dos laboratórios na vigilância epidemiológica, a
partir do fornecimento de dados para detecção de surtos e monitoramento de
tendências de saúde pública.
Segundo Menezes, os
laboratórios, principalmente os de pequeno e médio porte, são invisíveis para o
sistema, mas são eles que proporcionam informações importantes para o manejo
clínico dos pacientes. “O papel do laboratório é infinitamente maior do que apenas
entregar um resultado e por isso queremos quer fazer parte do sistema de saúde,
da estrutura. Nós queremos ter um lugar no Ministério da Saúde, nos programas
dos ciclos de vida, o reconhecimento do Estado muda significativamente a nossa
atuação e o nosso fortalecimento”, afirma Menezes.
A iniciativa da SBAC
tem o apoio do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Federação Nacional dos
Farmacêuticos (Fenafar), Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL),
Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Federação Brasileira de Laboratórios de
Análises (Febralac). A Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed)
não está entre os formuladores. Procurada pela reportagem, a Abramed não quis
se posicionar.
• Regulação dos laboratórios
A criação da política
começou em 2022, mas se consolidou ainda mais após a publicação da Resolução da
Diretoria Colegiada (RDC) 786/2023 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), que estabelece requisitos técnicos e sanitários para o funcionamento
de laboratórios clínicos e de serviços de análises clínicas. A resolução,
publicada em agosto de 2023, permite a realização de testes rápidos em
estabelecimentos farmacêuticos.
A decisão foi
repudiada por entidades de análises clínicas que defendem a realização de
exames apenas em ambientes laboratoriais com a presença de equipamentos
avançados de medição, laudos assinados por profissionais especializados e sem a
orientação de venda de medicamentos. Isso levou a Anvisa a publicar uma nota de
esclarecimento para reforçar que os exames realizados em laboratórios clínicos
permanecem como o “padrão ouro” para fins de diagnóstico e que os testes em
farmácias tem apenas uma finalidade de triagem.
No entanto, o setor
laboratorial viu a RDC como uma fragilização da área e por isso acelerou a
criação da PNDL. Segundo o documento da política, ela surge a partir da
necessidade de fortalecimento do setor como uma “resposta às vulnerabilidades
que tais mudanças possam causar à sociedade”. Conforme a SBAC, o apoio do CFF
foi crucial para consolidar a importância dos laboratórios no sistema de saúde.
“Mais do que uma
questão de reconhecimento, essa iniciativa busca uma regulação mais adequada ao
setor, garantindo aos laboratórios um ambiente mais seguro para investimento em
inovação tecnológica, profissionais altamente capacitados, educação científica
continuada e melhor gestão”, pontua Menezes.
A presidente destaca
que outro ponto de preocupação da RDC é a falta de padronização das normas
regulatórias para os laboratórios. Segundo ela, a resolução dá margem para
diferentes interpretações que prejudicam o processo de vistoria e o
funcionamento dos laboratórios. “A regulamentação da Anvisa é um bom
instrumento, não os desqualificamos. Mas a falta de padronização da cobrança e
com cada um interpretando a regulamentação de uma forma diferente fragiliza o
sistema”, diz Menezes.
• Diagnóstico laboratorial e inovação
O diagnóstico
laboratorial está incluído na saúde quando se fala em Produtos para a Saúde e
Dispositivos Médicos. Ele pode ser definido como a combinação de diagnósticos
feitos com o auxílio de exames de imagem e exames laboratoriais. Segundo o
presidente executivo da CBDL, Carlos Eduardo Gouvêa, atualmente estão
registrados na Anvisa mais de 90 mil dispositivos médicos e muitos deles são de
diagnóstico laboratorial, no entanto nem todas as pessoas têm acesso a eles.
Conforme Gouvêa, os
grandes centros urbanos já possuem uma quantidade suficiente de laboratórios,
no entanto o interior do país ainda sofre com grandes vazios de atenção à
saúde. “Não tem explicação do porquê não temos uma política de diagnóstico até
hoje. É algo tão importante e que sofre com uma falta de atenção e uma falta de
preocupação. Precisamos ter o teste certo, para a pessoa certa, no ambiente
certo e no momento certo para tratar melhor a população”, destaca o presidente.
Além disso, para a
CBDL a estruturação de uma política de diagnóstico laboratorial e o
reconhecimento do setor no SUS permite que a área colabore para o fomento do
Complexo Econômico Industrial da Saúde. Os laboratórios utilizam diversas
tecnologias, realizam pesquisas e estão alinhados com a inovação. Para Gouvêa,
a interoperabilidade dos sistemas integrando o diagnóstico laboratorial com o
prontuário do paciente permite um avanço em tecnologia da informação.
“Com a integração e o
fortalecimento do setor podemos mitigar os riscos das dependências de produção
externa. O acesso a mais informações permite a busca de novas soluções e o
desenvolvimento de novos produtos. A política vem também para estruturar um pouco
mais essa fomentação em tecnologia e a inserção de mais novidades dentro do
Brasil”, explica o presidente.
• Próximos passos
A PNDL já recebeu
apoio da deputada Alice Portugal (PCdoB/BA), líder da frente parlamentar da
Assistência Farmacêutica do Congresso Nacional, onde foi realizada uma mesa
redonda para discutir os desafios e as perspectivas para a inclusão de ações de
diagnóstico laboratorial como política de saúde. Segundo Menezes, o Ministério
da Saúde também já demonstrou interesse na política e agora a SBAC busca
estreitar os laços com o órgão e outras entidades. O documento também deve ser
aperfeiçoado para que possa ser apresentado à ministra da saúde Nísia Trindade.
Segundo a SBAC, a
política chamou atenção da OPAS, que em reunião com a entidade afirmou que os
países em desenvolvimento têm que ter uma política de diagnóstico laboratorial.
No encontro também foi explorado como a PNDL pode ser alinhada com as diretrizes
internacionais para ter o potencial de ser disseminada para outros países da
região das Américas.
Fonte: Futuro da Saúde
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