Praia artificial, árvores e chope: o
“plano” da direita contra o calor extremo em Cuiabá
Desde o início de
agosto, a cidade de Cuiabá (MT) bateu seis vezes o seu recorde de temperatura
máxima em todo o ano de 2024, chegando ao ápice na última quinta (19), com 43°
em toda a cidade – em alguns pontos, os termômetros mostravam temperaturas
superiores. Pesquisadores apontam que a perspectiva futura é de temperaturas
médias iguais ou superiores a essa, com o surgimento na capital mato-grossense
de novas “ilhas de calor” – regiões até dez graus mais quentes que outras, com
o centro histórico local como maior exemplo deste fenômeno em curso.
Para os dois favoritos
nas pesquisas de intenção de voto ao cargo de prefeito nas eleições deste ano,
no entanto, a resposta para o calor extremo que assola Cuiabá é simples:
plantar mais árvores. À Agência Pública, nenhum dos dois candidatos favoritos de
acordo com as pesquisas – um do campo da direita, outro da extrema direita –
mencionou preocupação com a cidade ser uma das 15 capitais brasileiras sem
plano de enfrentamento às mudanças climáticas.
<><> Por
que isso importa?
• A Agência Pública está percorrendo a
BR-163, entre os estados do Mato Grosso e Pará, e o município de Cuiabá é um
dos locais dessa rota onde nossa equipe investiga como o tema das mudanças
climáticas e meio ambiente vem sendo discutido nas eleições municipais.
• A região é extremamente marcada por
calor extremo, com cidades que registram grande adesão ao bolsonarismo.
Líder nas pesquisas
até aqui, o presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Eduardo
Botelho (União), defende o plantio de árvores na capital, mas planeja
capitalizar com o calor extenuante na cidade.
Botelho propõe
“aproveitar do mote que ‘Cuiabá é a cidade mais quente do Brasil’ com ruas e
festivais temáticos com sorveterias, sucos e choperias para atrair parques
aquáticos para a cidade e a construção de uma praia artificial com orlas para
entretenimento”.
Candidato do
governador Mauro Mendes (União) na disputa, Eduardo Botelho sequer menciona o
termo “mudanças climáticas” em seu plano de governo. Por outro lado, ele propõe
a construção de seis novas avenidas na capital, inclusive sobre parte das áreas
verdes restantes em Cuiabá, com trajetos que beneficiarão moradores de
condomínios de alto padrão nos limites da cidade.
Indagado pela Pública
sobre a contradição entre conservar o meio ambiente e construir avenidas sobre
áreas verdes, Botelho disse apenas que quer “plantar 1 milhão de árvores”.
“Vamos trabalhar num sistema diferente, não é entregando a muda, mas entregando
[árvores] com 1 metro de altura, com aplicativo para cuidar disso”, afirmou,
sem dar mais detalhes.
À reportagem, o
candidato afirmou que, além de plantar mais árvores, pretende “cuidar das
nossas nascentes, dos nossos corpos hídricos, dos nossos rios”, novamente sem
entrar em detalhes.
Seu plano de governo
sugere “ações de revitalização das matas ciliares” do rio Cuiabá, mas não
menciona planos para o rio Coxipó – responsável por fornecer grande parte da
água consumida todos os dias pelas mais de 650 mil pessoas que vivem na cidade.
A Pública passou por trechos do rio com nítidos sinais de assoreamento, com
capivaras e peixes nadando em esgoto lançado nas águas sem qualquer tratamento.
O candidato do
governador na disputa em Cuiabá angariou o apoio de clãs influentes na política
estadual, como os Campos, por meio do senador Jayme Campos (União) e seu irmão,
deputado estadual Júlio Campos (União), e os Riva, via deputada estadual Janaína
Riva (MDB). Tanto o senador quanto a deputada estiveram no evento de campanha
de Botelho ao qual a Pública compareceu, no último dia 18 de setembro.
Realizado no salão de
festas da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), o evento
contou com a presença de políticos próximos à gestão Mauro Mendes, com uma
série de falas em prol de Eduardo Botelho e ênfase no apoio do governador à campanha,
além de uma oração coletiva pela vitória do candidato ainda no primeiro turno.
• “Se não plantar, aí é que não cresce
mesmo”
Segundo colocado nas
pesquisas de intenção de voto, o deputado federal Abilio Brunini (PL) também
defendeu a arborização como antídoto para o calor que assola Cuiabá.
Questionado pela
Pública sobre a viabilidade de sua proposta, levando-se em conta o tempo
necessário para o crescimento das árvores até serem capazes de amenizar o calor
extremo, Brunini afirmou: Se não plantar, aí é que não cresce mesmo”.
Candidato do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na disputa pela prefeitura, Brunini admitiu,
porém, que seu plano depende de acordos políticos a longo prazo, com “uma
política de arborização com continuidade não apenas de um prefeito, mas de
várias gestões”.
Especialistas criticam
o avanço de condomínios de alto padrão sobre as áreas remanescentes de Cerrado
em Cuiabá, com impactos negativos sobre a vegetação local. Soma-se a isso a
verticalização da capital, com edifícios cada vez mais altos em regiões vulneráveis
ao aquecimento, com a formação de ilhas de calor dentro da cidade, e a ocupação
irregular de áreas próximas aos rios Coxipó e Cuiabá.
Indagado sobre sua
posição diante da urbanização descontrolada da capital, com a multiplicação de
condomínios de alto padrão em áreas que deveriam ser conservadas e ampliadas,
Brunini disse que “o condomínio fechado, o condomínio vertical ou até os conjuntos
habitacionais não são os grandes vilões”.
“Não plantar árvores,
isso sim é o grande vilão do aquecimento na cidade”, afirmou Brunini, alegando
que “temos diversas cidades com inúmeros condomínios fechados, mas com
políticas públicas diferentes da nossa”.
Já existe um plano
elaborado pela atual gestão, de Emanuel Pinheiro (MDB), de arborização para
Cuiabá, mas ele não foi colocado em prática. Além disso, a Assembleia de Mato
Grosso aprovou uma política estadual de arborização urbana, por sua vez barrada
pelo governador Mauro Mendes em abril passado. A proposta foi resgatada no
último dia 17 de setembro, quando foi aprovada pela Comissão de Constituição,
Justiça e Redação do estado.
O candidato
bolsonarista disse à Pública que tem “conversado com o pessoal do agro”, para
que o setor tome a dianteira em projetos de replantio de árvores na capital,
mas deu a entender que não conseguiu firmar compromissos. “É muito mais fácil
botar isso em prática com as escolas municipais, com os centros comunitários,
com a própria prefeitura”, alegou.
Ao longo da
entrevista, Brunini atacou, genericamente, a poda de árvores na cidade – “não
podemos permitir essa atrocidade” – e defendeu a irrigação em parques
municipais para combater a seca, com uso de recursos do rio Cuiabá. Mas o rio
tem sofrido com o assoreamento e o lançamento de esgoto não tratado,
especialmente na capital.
• Ambientalista, esquerda esbarra no
antipetismo
O candidato da
esquerda na disputa é o único a usar o termo “emergência climática” para se
referir ao calor extremo em Cuiabá. Nome do presidente Lula (PT) na corrida
pela prefeitura, o deputado estadual Lúdio Cabral (PT) defendeu o plantio de
árvores e a recuperação de matas ciliares nos rios Coxipó e Cuiabá e no
ribeirão do Lipa, como forma de combate às mudanças climáticas.
“Vamos recuperar áreas
de preservação permanente nos rios Cuiabá e Coxipó, no ribeirão do Lipa e nos
29 córregos urbanos da cidade, porque há regiões com casas exatamente à margem
dos córregos. Vamos mapear essas áreas de risco e criar um programa habitacional
para as famílias que vivem nessas áreas, porque a seca e o calor de hoje, muito
em breve, podem virar cheias repentinas e enchentes”, disse Cabral à Pública.
“Tem havido uma forte
especulação imobiliária, com loteamentos fechados e parcelamento ilegal de
imóveis urbanos na zona rural. Se não enfrentarmos isso, daqui a pouco não
teremos água em Cuiabá. Se não recuperarmos a mata ciliar, não conseguiremos
captar água. É uma ameaça à cidade”, afirmou.
Mas o candidato de
Lula na corrida pela prefeitura tem tido dificuldades para emplacar seu
discurso junto ao eleitorado. Seu principal desafio é superar o antipetismo na
capital: em 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro teve 61,5% dos votos válidos
em Cuiabá.
Nas últimas pesquisas,
Cabral ainda aparece, dentro da margem de erro, muito próximo ao segundo
colocado nas intenções de voto, o bolsonarista Abilio Brunini. A equipe do
petista evitou o tom vermelho na estética da campanha, além de veicular
inserções na propaganda eleitoral gratuita com pessoas ditas “bolsonaristas”
declarando seu apoio a Cabral.
Ainda de acordo com as
pesquisas, estima-se que metade do eleitorado ainda não decidiu em quem votará
no próximo dia 6 de outubro. Trata-se de algo em torno de 222 mil eleitores,
com base nas estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Essa parte significativa
da população cuiabana será o diferencial na eleição – seja para definir uma
disputa em segundo turno, seja para encerrar o pleito ainda no primeiro.
• A cortina de fumaça da Política
Ambiental do Brasil. Por Marco Antonio Chagas
A Política Nacional do
Meio Ambiente (PNMA), criada em 1981, estabeleceu os instrumentos da política
ambiental, com destaque para os padrões de qualidade ambiental. Estes padrões
são limites toleráveis das condições do meio ambiente, sendo que ultrapassados
colocam em risco a saúde da população.
A qualidade do ar e da
água deve ser monitorada e informada à população, principalmente diante de
situações de poluição ambiental, como acontece com a fumaça das queimadas e
despejo de poluentes e contaminantes nos cursos d’água. O monitoramento
ambiental é essencial para prevenir doenças e permitir que o poder público tome
as providências cabíveis para evitar ou mitigar os impactos ambientais das
atividades humanas.
A rede de
monitoramento da qualidade do ar e da água é restrita a estados da região
Sudeste e inexiste nos estados da Amazônia. Os estados da Amazônia não
monitoram a qualidade do ar e da água, mesmo em casos de reincidência de
impactos ambientais, como acontece com as queimadas e com a poluição química
dos cursos d’água. Esta situação se agrava pelos efeitos das mudanças
climáticas, que têm alterado o ciclo hidrológico e a sazonalidade do clima na
região, potencializando os efeitos sobre o meio ambiente.
O monitoramento da
qualidade do ar e da água é questão de saúde pública e não é admissível que,
passados mais de 40 anos da PNMA, o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA)
não consiga colocar em prática um dos mais importantes instrumentos da política
ambiental. Esta condição é inerente ao retrocesso da política ambiental no
Brasil, que não pode ser depositada somente na conta do governo Bolsonaro e de
sua boiada.
A PNMA e seus
instrumentos não funcionam como um sistema nacional integrado. Os biomas estão
queimando em todo o país e o governo Federal convoca os estados e municípios
apenas para combater o fogo, negligenciando ações para o fortalecimento do
SISNAMA ou mesmo a possível condição de calamidade climática pública pela
dimensão dos impactos das queimadas ao meio ambiente e à saúde da população. A
responsabilidade compartilhada é um dos princípios da política ambiental.
Na quase totalidade do
território brasileiro, o ar que respiramos se encontra em condições de não
conformidade, com fumaça e material particulado muito acima dos padrões de
qualidade ambiental estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Na maioria das cidades,
sobretudo na Amazônia, não existem redes de monitoramento que possam informar a
população sobre os níveis de poluição do ar decorrente da fumaça das queimadas
e os consequentes riscos à saúde.
O verão amazônico
acontece de julho a dezembro e as projeções de cientistas indicam que a região
apresenta alta vulnerabilidade as mudanças climáticas. As fumaças das queimadas
se acentuarão e tornarão o clima da região amazônica incompatível com a sadia
qualidade de vida humana, implicando no comprometimento da saúde mental e do
trabalho, no agravamento das doenças respiratórias, oculares, entre outras. O
monitoramento do ar é questão de saúde pública e não se faz necessária série
histórica de monitoramento para se ter evidências da gravidade da situação.
A rede de
monitoramento da água também é inexistente na Amazônia. Para citar um exemplo
de um caso negligenciado pela política ambiental, o arquipélago do Bailique,
localizado na região costeira do estado do Amapá, onde vivem cerca de 13 mil
pessoas, passa por uma condição de tragédia ambiental anunciada pela percepção
de seus moradores e denunciada pelo ex-governador do Amapá, João Alberto
Capiberibe. “O Bailique está desaparecendo pelos impactos ambientais
cumulativos e pelas mudanças climáticas. A erosão é intensa e o avanço do mar
sobre a zona costeira estuarina tem provocado o aumento da salinidade da água,
com previsão de extensão acelerada deste efeito para Macapá, onde está
instalada a principal estação de captação de água que abastece a cidade”, alerta
Capiberibe.
Por que a qualidade do
ar das cidades da Amazônia impactadas com as queimadas não é monitorada e
comunicada em tempo real a população? Por que a erosão e a salinidade do
Bailique não são monitoradas ou não é dada a devida atenção à percepção
ambiental dos moradores? Por que não se cumpre a PNMA? Algumas hipóteses são
aqui anunciadas.
A primeira é que os
Órgãos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente se tornaram cartórios de
licenças ambientais negociadas politicamente e o monitoramento ambiental passou
a “condicionante não cumpridos” das licenças emitidas. Uma segunda hipótese é
que estes órgãos ambientais são inoperantes, sem servidores efetivos e sem
dotação orçamentária adequada para o monitoramento ambiental, que requer
equipamentos e pessoal altamente qualificado. Uma terceira hipótese está
relacionada ao academicismo das evidências, que desqualifica as percepções dos
saberes da população para validar somente aquilo que é publicável em artigos
científicos.
O monitoramento da
qualidade do ar e da água deve ser prioridade para as políticas ambientais dos
estados e municípios em tempos de mudanças climáticas. Fortalecer o Sistema
Nacional de Meio Ambiente é determinante para o selo “desenvolvimento
sustentável” e acima de tudo para cumprir o que determina o artigo 225 da
Constituição Federal: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as
presentes e futuras gerações”.
Fonte: Por Caio de
Freitas, da Agencia Pública/Outras Palavras
Nenhum comentário:
Postar um comentário