Almir Felitte: Por que a vitória de Boulos
em SP é crucial para o futuro do Brasil
A disputa pela
Prefeitura de São Paulo não começou em agosto. É claro que o debate se
intensificou com o início oficial da propaganda eleitoral, mas a disputa real
vem sendo travada há mais de um ano. Um longo caminho, que dividiremos aqui em
três partes, já foi percorrido até esta reta final de 1º turno, e será
procedido pela quarta e decisiva etapa: o 2º turno.
A menos visível, mas
mais árdua parte deste caminho, já foi atravessada com sucesso pela candidatura
de Guilherme Boulos: a da pré-campanha. Mais árdua porque faz cerca de um ano
que Ricardo Nunes começou a injetar o dinheiro que ele guardou às custas do
abandono da cidade nos outros 3 anos em que esteve à frente da Prefeitura.
Tentou enganar o paulistano com infinitos canteiros de obra que mais atrapalham
do que ajudam o povo. O desespero foi tanto que até inauguração de obra sem
licitação ele chegou a fazer para mostrar algum serviço.
Mas o abuso da máquina
pública e o empréstimo da máquina de fake news de seus maiores aliados, a
família Bolsonaro, não surtiram todo o efeito que esperava. Nunes não só não
conseguiu chegar ao início de campanha com uma boa aprovação, como, nas 2
primeiras semanas ainda sem o tempo de TV, viu sua desaprovação como prefeito
crescer e o surgimento de um bolsonarista mais desavergonhado lhe tomar votos
que pareciam mais garantidos.
Este, aliás, o outro
motivo que mostra a dificuldade do período pré-eleitoral. Já faz quase 5 meses
que a rede de mentiras de Pablo Marçal, maior que a rede de qualquer outro
candidato, começou a atacar Boulos da forma mais baixa possível, tentando transformar
a eleição em um circo.
Com tudo isso, Boulos
passou por esse período na liderança da disputa (oscilando nas duas primeiras
posições), sem qualquer queda na sua média e com uma margem bastante alta de
eleitores consolidados. Mesmo sem ter as (suspeitas) redes sociais de Marçal nem
as (suspeitas) canetadas públicas de Ricardo Nunes, Boulos se consolidou, para
uma boa parte da população, como o nome mais preparado para barrar o
bolsonarismo na cidade de SP.
• Fake news oficial
Eis que chegamos a um
segundo e inesperado momento destas eleições: o que se deu entre o início da
campanha oficial até a última semana, já com os efeitos da propaganda
televisiva. Era de se esperar que este fosse o momento em que Nunes, com seu
tempo de TV, reverteria a desaprovação de sua gestão, pintando em suas
propagandas uma São Paulo que simplesmente não existe.
Ocorre que o momento
acabou marcado por uma briga feia dentro da própria direita paulistana na
disputa pelo afago de Bolsonaro. Marçal se tornou uma espécie de “Padre Kelmon”
sem controle. Difícil saber qual foi a sua real intenção ao entrar na disputa. Talvez
seu nome tenha forçado Nunes a aceitar um vice puramente bolsonarista, como o
Coronel Mello Araújo, que diz abertamente que a PM tem que tratar ricos e
pobres de maneiras diferentes. Talvez Marçal tenha sido colocado como estepe
para um possível fracasso de um desanimador Ricardo Nunes. Ou talvez seja só o
ego de alguém que diz lutar com tubarões.
Não sabemos as
intenções, mas sabemos as consequências: Nunes se viu obrigado a travar uma
disputa interna com Marçal para ver quem merece os votos bolsonaristas entre os
dois. Nesse meio tempo, até o velho negacionismo antivacina Nunes já abraçou.
Ao lado disso, suas propagandas enganosas sobre uma São Paulo irreal tiveram um
efeito efêmero, e a desaprovação a sua gestão já parece voltar a subir.
“No Datafolha, o
psolista lidera com 23% das intenções de voto na pesquisa espontânea e 81% de
eleitores totalmente decididos.”
Boulos acertadamente
aproveitou o momento para deixar claro que Nunes e Marçal são duas faces da
mesma moeda bolsonarista, se afastar do lamaçal criado pelo “coach” e colocar
em cena figuras políticas (como Lula e Marta) e propostas (como o Poupatempo da
Saúde) que dialogam diretamente com um eleitorado numeroso ainda dividido e
indeciso. Isto em um momento no qual a baixaria, entre cadeiradas, apelidos e
agressões, pareciam saturar um eleitor já há muito saturado.
• Reta final do primeiro turno
É aí que entramos em
um terceiro momento crucial das eleições: as duas últimas semanas do 1º turno,
quando grande parte do eleitorado se debruça sobre as eleições e escolhe seu
candidato. Outras discussões são colocadas em debate também, como o voto útil –
e, nesse ponto, é preciso saber respeitar a escolha de possíveis futuros
aliados. As campanhas se intensificam, padrinhos políticos entram em evidência,
candidaturas desidratam.
O importante é que,
neste momento crucial, apesar das desigualdades, a candidatura de Boulos chega
com uma solidez que nenhuma outra parece ter em SP. Além do contínuo
crescimento geral, no Datafolha, o psolista lidera com 23% das intenções de
voto na pesquisa espontânea e 81% de eleitores totalmente decididos. Só Marçal,
em queda franca, tem um número próximo de eleitores tão decididos quanto os de
Boulos e, ainda assim, está abaixo.
“Vale lembrar que o
Datafolha de 2020 errou em 8 pontos para mais a vantagem que Covas teria sobre
Boulos no 1º turno.”
Já Ricardo Nunes, vale
dizer: por incrível que pareça, mesmo sendo o atual prefeito, ele era um
desconhecido para o povo paulistano. Mas isso já não é mais desculpa: Nunes
agora é conhecido por 92% dos entrevistados (só perde para o apresentador
Datena nesse quesito). Sua campanha de TV é ostensiva, como nenhuma outra, mas
surtiu efeito por pouco tempo. Seu nome chegou nas pessoas e não causou o furor
que um atual prefeito poderia causar. Sua gestão é um teto de vidro e sua
desaprovação já voltou a subir, como era de se esperar. Só 65% do seu
eleitorado está convicto do voto e muitos estão abertos a mudar de ideia.
É claro que todos
estes números não nos dizem tudo. Não existe metodologia perfeita para se fazer
uma pesquisa de opinião. Toda pesquisa tem “sujeitos ocultos”, como pessoas que
preferem não responder, por exemplo, apesar de terem uma opinião sobre o assunto.
Também são números que captam apenas o atual momento, e não exatamente o
futuro.
Vale lembrar que o
Datafolha de 2020 errou em 8 pontos para mais a vantagem que Covas teria sobre
Boulos no 1º turno. Na apuração, Covas pontuou 5 pontos a menos do que se
esperava, enquanto Boulos pontuou 3 a mais do que o previsto.
Com a campanha
principal focada na periferia, contando com a presença de Lula e Marta, Boulos
tem tudo para ampliar um já grande eleitorado nessas últimas 2 semanas e
terminar o 1° turno como o candidato mais votado, com uma base eleitoral talvez
próxima ou superior aos 30% dos votos válidos, gerando um sentimento de onda
que será crucial para o 2º turno.
Nada disso, porém,
acontecerá de forma automática. Aliás, tudo que foi conquistado até aqui é
fruto de um longo trabalho que passa pelo crescimento e pela reorganização do
PSOL na cidade, pela elevação de um líder de movimento social à condição de
postulante a um cargo institucional de tamanha importância, pelo combate diário
a fake news e pelo trabalho de formiguinha de uma multidão de pessoas que
acreditam que um projeto para uma nova SP é possível.
“Se havia dúvidas de
quem seria o seu real representante, não dá para dizer que é uma surpresa que o
adversário do campo democrático nessas eleições seja, mais uma vez, aquilo que
chamamos de ‘bolsonarismo’.”
Com tanto trabalho,
não é à toa que, ao contrário de 2020, quando reuniu em torno de si apenas 3
pequenos partidos e mesmo assim surpreendeu, para este ano, Boulos tenha
conseguido, desde o início, formar a maior coligação progressista da história
de São Paulo.
Ao lado disso, é
ingenuidade pensar que, apenas 2 anos após a derrota de Bolsonaro nas eleições
presidenciais, o nosso país já estaria em uma situação política tão diferente.
Se havia dúvidas de quem seria o seu real representante, não dá para dizer que é
uma surpresa que o adversário do campo democrático nessas eleições seja, mais
uma vez, aquilo que chamamos de “bolsonarismo”. Igualmente ingênuo seria pensar
que o “bolsonarismo” não tem mais a mesma força de outrora.
Será uma eleição
difícil, que exigirá o esforço de cada um, dentro de suas possibilidades, para
que a democracia tenha um novo respiro e para que São Paulo, com Boulos, possa
mostrar para o resto do país, nos próximos 4 anos, que é possível vivermos em um
Brasil que não deixe ninguém para trás. Uma vitória com potencial para
contagiar todo o país. Um desafio difícil, mas que nunca foi tão possível de
vencer quanto será no próximo mês de outubro.
Fonte: Jacobin Brasil
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