Prefeitos do NE ficam milionários e
aumentam patrimônio em até 36 vezes nos últimos quatro anos
Com uma população de
menos de 14 mil habitantes, o município de Mogeiro, no interior da Paraíba, se
destaca entre as cidades do Nordeste quando o assunto é a evolução patrimonial
do prefeito. É nesta cidade que Antonio Ferreira, do PL, que concorre à reeleição,
aumentou em 36 vezes o seu patrimônio durante seu último mandato.
Enquanto em 2020 ele
declarou R$ 202,6 mil à Justiça Eleitoral, em 2024 informou ter R$ 7,4 milhões
em bens. Um aumento de 3.555,15%.
Esse é um dos casos
encontrados por um levantamento feito pela Agência Tatu, em parceria com o
Intercept Brasil, que mostra a enorme evolução no patrimônio de alguns
prefeitos nordestinos. A maioria governa cidades pequenas, com PIB abaixo da
média nacional. O prefeito de Recife, João Campos, do PSB, é o único que
governa uma capital a figurar na lista. Ele atribui o aumento a uma herança de
seu pai, Eduardo Campos, morto em um acidente de avião em 2014. Leia abaixo.
A reportagem analisou
o patrimônio dos prefeitos de todas as cidades do Nordeste, comparando os dados
de 2020 com os de 2024. Foram considerados aqueles que, em 2020, possuíam menos
de R$ 999 mil em bens e, em 2024, ultrapassaram a marca de R$ 1 milhão. Todos
foram procurados pela reportagem, mas só Dona Ana, de Mucugê, na Bahia,
respondeu.
• De R$ 150 mil a R$ 4,5 milhões: Antonio
Ferreira, do PL, de Mogeiro (PB)
Quando concorreu pela
primeira vez ao cargo e foi eleito, em 2008, Antonio Ferreira não declarou bens
ou sua ocupação. Já na reeleição de 2012 informou apenas ter uma caminhonete
avaliada em R$ 50 mil.
Em 2020, quando voltou
a concorrer ao cargo, Antonio já declarou ser sócio e ter R$ 150 mil de capital
social da empresa CEI Editora e Distribuidora, que tem CNPJ ativo desde 2005 e
atua com comércio varejista de livros, jornais, revistas e papelaria, com sede
no Centro de Campina Grande.
Agora, o candidato
declarou que o capital dessa mesma empresa soma R$ 4,9 milhões, mas há registro
na Receita Federal de que chega a R$ 7 milhões.
Antonio Ferreira
também é representante legal de sua filha Maria Eduarda Almeida de Melo
Ferreira, que aparece como sócia da AJF Representações. A empresa está ativa
desde 2020 e tem um capital social estimado em R$ 2,3 milhões. O empreendimento
está endereçado na capital paraibana, com atividades de intermediação e
agenciamento de serviços e negócios.
Outra empresa ativa no
nome de Antonio Ferreira é denominada AJF Participações, que não consta na
declaração de bens do candidato. Essa foi aberta em maio de 2022, tem capital
social estimado em R$ 1 milhão e atividade descrita como holdings de instituições
não-financeiras.
A cidade de Mogeiro
fica a 88 km de João Pessoa e possui um Produto Interno Bruto per capita de R$
12.416,64, valor bem abaixo da média brasileira:R$ 42.247,52.
De acordo com o IBGE,
apenas 10,25% da população tem emprego formal e o salário médio mensal dos
trabalhadores é de 1,5 salário mínimo (R$ 2.118). O último salário do prefeito
registrado, de 2021, era de R$ 17 mil, segundo o Portal da Transparência do município.
Além de Antonio, mais
seis candidatos figuram na lista de prefeitos que concorrem à reeleição e que,
em quatro anos, se tornaram milionários, conforme aponta o levantamento feito
pela Agência Tatu em parceria com o Intercept Brasil.
Outro caso é o da
prefeita da cidade baiana de Nova Viçosa, Luciana Machado, do União Brasil. Ela
aumentou seu patrimônio em mais de 18 vezes, saindo de R$ 622 mil em 2020 para
R$ 11,5 milhões em 2024, um crescimento de 1.758,19%.
Pecuarista, Machado
disputou o cargo de prefeita pela primeira vez em 2016 pelo PP, quando declarou
R$ 321 mil em bens ao TSE. Naquele ano, ela não se elegeu.
Entre as declarações à
Justiça Eleitoral de 2016 e 2020, seu patrimônio aumentou 93,74%, ou seja,
praticamente dobrou. Já enquanto prefeita do interior baiano, essa evolução foi
muito maior. O salário da gestora é de R$ 19,5 mil, de acordo com o Portal da
Transparência da cidade.
Durante todo esse
período, Luciana manteve as mesmas informações na declaração: pecuarista, com
ensino médio completo e casada. O aumento mais expressivo foi com os 45,98% da
participação do capital social na empresa Patrimonial Futuro, do segmento de produção
rural, o equivalente a R$ 10 milhões. A empresa foi criada em 15 de julho de
2022 tendo como sócio-administrador o marido da prefeita, o deputado estadual
Robinho, também do União da Bahia. A sede fica na Avenida Luís Viana, uma das
principais de Salvador.
O nome da prefeita
também esteve ligado a outro CNPJ. A empresa, que também era chamada
Patrimonial Futuro, iniciou as atividades em março de 2022, mas foi encerrada
quatro meses depois, em 1º de julho, 15 dias antes da abertura da atual
Patrimonial Futuro, que segue ativa.
Nova Viçosa está
localizada no extremo sul baiano, a 800 km de Salvador, e tem 39.509
habitantes. O PIB per capita de 2021, o mais recente disponível segundo o IBGE,
foi de R$ 13.040,80, ocupando o 4.146º lugar entre 5.570 municípios
brasileiros.
Ainda de acordo com o
IBGE, o salário médio dos trabalhadores formais em Nova Viçosa é 1,7 salário
mínimo (R$ 2.400,40).
• De R$ 242 mil a R$ 2,6 milhões: João
Campos, do PSB, prefeito de Recife (PE)
O prefeito do Recife,
João Campos, do PSB, também ficou milionário entre 2021 e 2024. Na campanha
anterior, o filho de Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco morto em 2014,
declarou patrimônio de mais de R$ 242 mil e, agora, informou R$ 2,6 milhões. O
aumento é de 975,62%%
Em 2020, João disse
ter um imóvel de R$ 40 mil, um veículo de R$ 32 mil, R$ 15 mil em espécie e R$
154 mil em “outros bens e direitos”. Nesta eleição de 2024, o prefeito declarou
ter R$ 100 mil em “quotas ou quinhões de capital”, R$ 40 mil em imóveis e R$
2,5 milhões em “outros bens e direitos”.
O recifense entrou na
política em 2018, aos 24 anos, quando se candidatou e foi eleito deputado estadual.
Formado em engenharia civil, ele declarou ter na época R$ 123 mil. Como
prefeito, o salário bruto de Campos é R$ 25 mil.
Entre os prefeitos
nordestinos que se tornaram milionários nos últimos quatro anos, João Campos é
o único de uma capital. Recife tem 1,4 milhão de habitantes e o segundo maior
PIB per capita entre os demais municípios citados na reportagem, com R$ 33.094,37,
ocupando o 1.889º lugar no ranking nacional. A cidade tem mais de 52% da
população ocupada em trabalho formal, com renda média de 3,2 salários mínimos
(R$ 4.518,40).
O prefeito explicou
que o crescimento patrimonial se refere à indenização por seguro em razão da
morte do pai, que morreu em um acidente aéreo em 2014, quando disputava a
presidência do Brasil.
• De R$ 382 mil a R$ 3,3 milhões: João
Carlos, do PP, prefeito de Buriticupu (MA)
Com R$ 382 mil
declarados em bens, João Carlos foi eleito em 2020 pelo Patriota no município
de Buriticupu, no Maranhão. Na época, informou ser solteiro e empresário.
Em quatro anos, o
patrimônio aumentou R$ 3,3 milhões, o que representa 869,89% de crescimento.
Entre os bens declarados em 2020, o candidato informou R$ 180 mil em
participação na empresa Cross Construções e R$ 90 mil na empresa G Muniz
Construtora.
Em 2024, essas
empresas não aparecem na declaração de João Carlos, hoje do PP. De acordo com a
Receita Federal, a Cross Construções, com capital estimado em R$ 200 mil, está
inapta desde agosto de 2024. Esta classificação é dada para a empresas com
alguma pendência com a Receita Federal, como, por exemplo, a não apresentação
de declarações e demonstrativos obrigatórios por dois anos consecutivos. Há,
ainda, um histórico de dívida ativa na União de R$ 1.080.029,49, de acordo com
o programa Regularize da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Já a G Muniz
Construtora continua ativa.
Apesar de não terem
sido declaradas em 2024, as empresas contam com João Carlos como
sócio-administrador.
A lista de bens de
João Carlos cita um imóvel na capital São Luís, a 411 km da cidade onde ele é
prefeito, no valor de R$ 1,5 milhão, e outro em Buriticupu avaliado em R$ 950
mil. Ele ainda declarou R$ 675 mil em 450 cabeças de gado nelore, R$ 300 mil em
dinheiro em espécie e um veículo de R$ 280 mil.
O prefeito, que tem o
salário bruto de mais de R$ 27 mil, é casado com a deputada estadual Edna
Silva, do Patriota, eleita em 2022, quando informou ser empresária e ter bens
avaliados em R$ 2,8 milhões.
Buriticupu tem 55.499
habitantes com 5.915 pessoas ocupadas, com
renda mensal média de 2 salários mínimos (R$ 2.824). O PIB de 2021 foi
R$ 10.165,53, colocando o município na posição
4.850ª entre as cidades brasileiras.
• De R$ 329 mil a R$ 2,6 milhões: Artur,
do PP, prefeito de Barra (BA)
Os bens declarados
pelo prefeito Artur, do município da Barra, são avaliados em R$ 2,6 milhões, o
que representa um aumento patrimonial de
717,67% em comparação com o que o candidato tinha em 2020, que era R$ 329 mil.
O prefeito informou ao
TSE neste ano que possui uma propriedade rural denominada Fazenda Vale Verde
avaliada em R$ 1,5 milhão. Segundo ele, na declaração ao TSE, a propriedade foi
adquirida em 2000, mas Artur não a declarou ao TSE quando concorreu em 2008,
2012 e 2020. O candidato à reeleição também acumula outras fazendas, imóveis e
herança dos pais.
Artur disputa o seu
quarto mandato — já foi prefeito entre 2009 e 2016. Em 2008, ele declarou
patrimônio de R$ 120 mil. A informação sobre
a remuneração do gestor não está disponível no Portal da Transparência
do município.
Barra está a 675 km da
capital baiana, no semiárido, e tem 51.092 habitantes. O PIB per capita,
de R$ 7.941,89, é um dos menores do
Brasil, ocupando o 5.453º lugar entre os 5.570 municípios. Apenas 7% da
população tem emprego formal.
• R$ 579 mil a R$ 4,1 milhões: Dona Ana,
do PSB, prefeita de Mucugê (BA)
A 470 km de Salvador,
o município de Mucugê é administrado há quatro anos por Ana Medrado, conhecida
como Dona Ana, do PSB. Em 2020, quando se candidatou pelo DEM, ela declarou R$
579 mil reais em bens e informou ser servidora pública civil aposentada, viúva
e ter ensino superior incompleto. Já em 2024, os bens informados por ela ao TSE
cresceram para R$ 4,1 milhões, um aumento de 621,49%.
O principal fator para
o aumento patrimonial, de acordo com a declaração da candidata, foi o
surgimento de um valor destinado a um empréstimo de R$ 3,5 milhões concedido ao
filho Antônio Carlos Hora Medrado. No entanto, de acordo com a assessoria de
imprensa da candidata, o valor faz parte da venda de uma fazenda, que é herança
deixada pelo marido e teve trânsito em julgado em 2009. Questionada por não ter
declarado a herança nas eleições anteriores, a assessoria da candidata informou
que a fazenda foi vendida recentemente e que ainda há bens a serem vendidos.
A informação sobre a
remuneração da prefeita não está disponível no Portal da Transparência do
município e nem foi respondida pela assessoria da candidata.
Ana Medrado já foi
eleita prefeita de Mucugê em 2004 pelo PFL (atual DEM) – na época, não declarou
bens – e também em 2012, pelo PP, quando informou ao TSE ter patrimônio de R$
284 mil.
Mucugê tem 12.137
habitantes e o PIB per capita em 2021 foi de R$ 88.818,38, o maior entre os
municípios citados nesta reportagem, ocupando o 265º lugar entre todas as
cidades brasileiras, acima da média nacional. O Censo 2022 contabilizou 3.447
pessoas com emprego formal no município, com remuneração média mensal de 1,8
salário mínimo (R$ 2.541,60).
• De R$ 945 mil a R$ 3,6 milhões: Ronaldo
Lopes, do MDB, de – Penedo (AL)
Entre os prefeitos do
Nordeste que tentam a reeleição em 2024 e se tornaram milionários durante o
mandato, ainda há o gestor de Penedo, em Alagoas, o engenheiro Ronaldo Lopes,
do MDB.
Ronaldo declarou em
2020 ter R$ 945,4 mil ao concorrer ao cargo de prefeito de Penedo (AL),
incluindo parte de um apartamento em Maceió, um terreno em Penedo, participação
nas empresas Penedo Comunicações, responsável pela Rádio Penedo FM, R$ 100 mil
em espécie, dois veículos e saldos bancários.
O candidato afirmou,
ainda, ter participação na empresa Enkos Engenharia, mas Ronaldo não figura no
quadro societário, conforme pesquisas realizadas. Os administradores e sócios
são os seus três filhos: Marcela, Guilherme e Gustavo Ressurreição Lopes.
Passados quatro anos
como prefeito, o patrimônio do engenheiro saltou para R$ 3,6 milhões, um
aumento de 280,98%. O salário do gestor municipal é R$ 20 mil, de acordo com o
Portal da Transparência.
Na Penedo
Comunicações, Ronaldo mantém sociedade com a esposa, Maria de Fátima
Ressurreição Lopes. Na Rádio Penedo FM, a mãe dele, Maria Pereira Lopes
(falecida em 2022), também aparece como sócia.
Além dos bens que
haviam sido apresentados em 2020, Lopes declarou, para as eleições deste ano, a
totalidade de um apartamento que antes só tinha a posse de 50%, doação no valor
de R$25 mil, R$200 mil em um cofre domiciliar, veículo avaliado em preço superior
ao que possuía antes, além da cota em seis terrenos deixados de herança.
Lopes já exerceu o
cargo de vice-prefeito de Penedo entre 2013 e 2020 durante a gestão de Marcius
Beltrão, do PDT, hoje seu concorrente na disputa pela Prefeitura da cidade. Na
época também integrante do PDT, Lopes declarou R$ 470 mil em bens em 2012 e, quatro
anos depois, informou R$ 765 mil ao TSE.
Penedo tem 58.650
habitantes, com o PIB per capita de R$ 15.371,47, o 3.735º entre os municípios
brasileiros. A renda média entre os trabalhadores formalizados é de 2,2
salários mínimos (R$ 3.106,40) — 15% da população tem emprego formal.
Fonte: Por Graziela
França e Thiago Aquino, em The Intercept
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