Danilo Sorato: ‘O fantasma do comunismo
ronda as eleições municipais em 2024’
“Contra o consórcio
comunista!”, esse é um dos slogans políticos mais repetidos no debate eleitoral
na cidade de São Paulo. Um dos candidatos com maior difusão nas redes sociais,
Pablo Marçal, apoiou-se em uma antiga estratégia política brasileira: o anticomunismo.
Embora pareça que o
candidato à cadeira de prefeito traga algo novo para o debate político, na
verdade, ele reproduz diversas falas utilizadas na última década pelos
apoiadores de Jair Bolsonaro. Apesar de haver lançado um livro contra o
Marxismo Cultural em 2021, Marçal pouco atuou com essa bandeira em debates
públicos. A sua estratégia política é recente, mas inspirada no ex-presidente
da República.
Longe de ficar
restrito a São Paulo, em outro polo importante, a cidade do Rio de Janeiro,
encontrou-se pelo menos dois candidatos que bebem dessa mesma tradição
anticomunista: Ramagem e Rodrigo Amorim. Ambos, em horários eleitorais ou no
plano de governo, costumam frisar a luta contra a “esquerda e os marxistas
culturais”.
O fantasma do
comunismo é uma antiga tese que rondou o Brasil em diversos momentos do século
XX. Essa tese difundida por pessoas ligadas à extrema-direita e direita
argumentam que o país está prestes a chegar a uma revolução comunista. Ela
levaria o país à pobreza e à destruição, portanto, as elites conservadoras
deveriam salvar a nação com medidas autoritárias e de exceção.
Na República Velha,
nos anos de 1920, o surgimento do Partido Comunista Brasileiro (PCB) fez com
que o governo brasileiro deportasse estrangeiros suspeitos de revolução. Era
uma embrionária perseguição que ganharia mais força com o surgimento da
Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas.
A partir do
carismático líder gaúcho, o Exército e as Forças Armadas de maneira geral
encamparam a tese do fantasma comunista. Esse movimento foi se repetindo em
dois momentos cruciais. Em 1937, utilizou-se o fantasma comunista para dar um
golpe que garantiu o Estado Novo.
Essa estratégia voltou
a ser usada em 1964, dessa vez em um contexto internacional marcado pela
disputa bipolar da Guerra Fria, quando as Forças Armadas se valeram do fantasma
comunista para garantir o golpe militar. Criou-se uma rede intensa de espionagem
e perseguições contra opositores sob justificativa que eram “revolucionários”.
Entretanto, o fantasma
comunista perdeu força e folego após o fim da Guerra Fria. A nova constituição
e o retorno à democracia diminuíram a importância dessa retórica, exceto em
estratos muito reduzidos da população, como clubes militares ou políticos excêntricos,
como Enéas Carneiro. Mas o que isso tem a ver com as eleições municipais
atuais? E por que a elite conservadora articula esse discurso do fantasma
comunista?
É importante notar que
a estratégia do fantasma comunista não é nova, e atualmente ganhou novos
contornos sob a batuta de Jair Bolsonaro. Os discursos políticos mudaram, mas o
inimigo é o comunista. Agora, utiliza-se termos como esquerda, comunistas, marxistas
culturais, globalistas, como sinônimos. É uma maneira de simplificar o
entendimento dos apoiadores para que lutem contra pessoas que não apoiem as
pautas conservadoras da família, pátria e mercado.
Depois, percebe-se que
os políticos conservadores atuais envolvidos com as Eleições de 2024, de forma
esperta, utilizam-se dos slogans “Contra o consórcio comunista” para conseguir
articular e ganhar aprovação perante os apoiadores do ex-presidente da república.
Vale lembrar que Bolsonaro, diferentemente de Marçal, Amorim ou Ramagem, foi
formado como anticomunista na Escola dos Agulhas Negras (AMAM) no período
militar, e depois como político profissional, utilizou o Congresso Nacional
para falar dessas pautas anticomunistas.
De qualquer forma,
eles se aproximam quando procuram articular a tese do fantasma comunista para
proteger seus interesses financeiros e políticos. Eles buscam manter
privilégios, e evitar que haja maior ascensão social no Brasil. Há um discurso
violento contra programas sociais e políticas públicas inclusivas.
Para concluir, é bom
observar que a tese de que o comunismo está chegando não é restrita ao solo
nacional. Ela está presente em outros países, especialmente, nos Estados Unidos
da América com Donald Trump e seus apoiadores políticos utilizando nas Eleições
presidenciais contra os candidatos democratas. O fantasma comunista está a
solta. Corram!
• Masculinidade tóxica como estratégia
política em São Paulo. Por Liliane Rocha
Gostaria que todas as
pessoas de São Paulo, como eu, estivessem conseguindo acompanhar os debates
eleitorais. Ao todo, foram 5 transmissões até o momento, além de algumas
sabatinas individuais. Difícil saber se estamos diante de um show da quinta
série escolar, protagonizado por crianças, que emocionalmente, seguem
realizando bullying e apelidando seus colegas. As ofensas são diversas: Boules,
Tchutchuca do PCC, Comedor de açúcar e por aí vai. Ou se estamos diante de uma
estratégia deliberada. A onda de violência
que começou com uma sucessão de violências verbais, obviamente descarrilhou
para violências físicas.
Qualquer pessoa que
assistiu aos debates já sabia que isso viria a acontecer. O desfecho seria um
só. Após tantas violências verbais, tantas discussões e bate bocas no dia 15 de
setembro, no debate da TV Cultura, José Luíz Datena, após ser acusado de estupro
e ouvir que “não é homem” para reagir, sai do seu púlpito e disfere uma
cadeirada contra Pablo Marçal. Ambos estão fora do debate. Datena expulso e
Marçal para o hospital.
No debate seguinte, na
Rede TV, todas as cadeiras estavam chumbadas no chão. E um tom de tensão no ar.
De certa forma, pareceu que alguma melhora de postura havia ocorrido. No
entanto, foi ontem, dia 23 de setembro que um novo pico das agressões ocorreu. O assessor do Nunes provoca um integrante da
equipe do Marçal, e pelo que aparece no vídeo, tenta tirar o celular da sua mão
e leva um murro na cara. Sangue no estúdio.
Neste momento, a ideia
que vinha se formando em minha cabeça toma corpo. E este corpo é masculino.
Porque os candidatos estão ao longo de todo esse processo eleitoral nos levando
a assistir tamanha escalada de violência. Veja, independentemente de você preferir
a candidata da Direita Marina Helena ou a de Centro a Tabata Amaral, ou ainda
que não goste de nenhuma das duas, sejamos coesos. Quais as chances de uma
desferir apelidos jocosos contra a outra ou contra qualquer um dos candidatos?
Quais as chances de saírem do púlpito e ameaçarem bater uma na outra, ou em
qualquer dos outros candidatos? Ou ainda, se suas equipes nos bastidores se
esmurrarem?
A masculinidade
tóxica, da qual tanto temos falado, sobretudo no contexto de diversidade e
inclusão, se tornou estratégia política dos candidatos, que já não se
envergonham mais de suas ações. E o pior: têm o seu comportamento socialmente
aceito. Afinal, nenhum deles foi retirado até o momento do processo eleitoral e
qualquer um poderá se tornar o próximo prefeito da maior capital econômica da
América Latina.
Neste contexto, a
análise da masculinidade tóxica revela não apenas a dinâmica de poder entre os
candidatos, mas também um reflexo preocupante da sociedade em que vivemos. O
uso de agressões e desqualificações como parte da estratégia eleitoral
evidencia que, para muitos, o debate político se transformou em um campo de
batalha onde a força física e verbal é valorizada, ao invés de propostas
concretas e diálogo construtivo.
É alarmante perceber
que, enquanto figuras femininas na política frequentemente enfrentam ataques de
gênero e deslegitimação, os homens parecem se sentir à vontade para operar
dentro de um espaço tóxico, em que a brutalidade se torna uma norma. As candidatas,
por sua vez, enfrentam um ambiente que as silencia e secundariza.
Ao refletir sobre o
que assistimos, fica a pergunta: o que queremos para a nossa democracia?
Devemos exigir mais do que esse espetáculo lamentável. É hora de exigir que os
debates não sejam apenas uma vitrine de agressões e desrespeito, mas uma
oportunidade genuína de diálogo e de construção de propostas que realmente
interessem à população.
Qual o próximo passo
dessa escalada de agressão, a letalidade? Estamos na beira do abismo esperando
o vendo soprar mais forte para cairmos nele. Por que entre os seis candidatos
que temos visto, os quatro primeiros colocados são homens brancos? O que nos
resta, como cidadãos conscientes, é participar ativamente desse processo,
questionar as narrativas que nos são apresentadas e buscar candidaturas que
realmente representem uma política inclusiva e respeitosa. Se a sua empresa
apoia candidatos, pois lembro-me claramente dos valores destinados a doações em
campanhas nas empresas em que trabalhei, quais são os critérios de apoio?
Precisamos de um
ambiente onde as ideias sejam debatidas de forma saudável, onde a diversidade
de vozes seja valorizada e, acima de tudo, onde a dignidade humana prevaleça
sobre a toxicidade que, até agora, tem marcado esta corrida eleitoral.
• Verdade ou versão? Como campanhas
políticas moldam narrativas. Por Elisama Reis
Você abre a sua rede
social pela manhã e, de um lado, o atual prefeito afirma que vai “mostrar a
verdade”; do outro, a oposição se compromete a “trazer a verdade ao povo”.
Afinal, que verdade é essa? É possível que um mesmo assunto tenha verdades
distintas ou que diferentes candidatos apresentem versões conflitantes sobre os
mesmos fatos?
Hannah Arendt faz uma
distinção importante entre duas formas de verdade: a de fato (ou factual) e a
racional. A primeira é baseada em evidências, verificável por meio de
documentos, dados e investigações. Por exemplo, a quantidade de escolas
construídas ou os índices de segurança pública são verdades que se sustentam em
dados e provas incontestáveis. Em contraste, a verdade racional, que entra no
campo da interpretação e especulação, pode ser moldada à experiência pessoal de
cada um, adaptando-se a interesses particulares e agendas específicas.
Durante o período de
campanha eleitoral, a linha entre essas duas verdades facilmente se desfaz, uma
vez que a verdade factual pode se perder em meio a um emaranhado de opiniões e
emoções. Um candidato pode apresentar dados e propostas e, simultaneamente,
atacar o adversário ao fazer um discurso inflamatório; portanto, a verdade
factual se dilui nesse contexto. Em uma guerra contra os fatos, Matthew
D’Ancona diz que não lidamos apenas com mentiras descaradas, mas sim com
meias-verdades e fatos alternativos.
Na era da pós-verdade,
onde a crença pessoal se torna mais valiosa do que os fatos, Ralph Keyes aponta
que surge uma terceira categoria de afirmações, que não são verdadeiras nem
mentirosas e pode ser chamada de “verdade melhorada”, “neoverdade”, “verdade
suave”, “verdade artificial” ou “verdade light”. Neste cenário, é necessário
defender a verdade factual, tanto que Arendt endossa que a verificação dos
fatos não deve ser conduzida por interesses partidários e de agentes políticos.
Em um ambiente
propício para a desinformação, é fundamental que possamos desenvolver uma
capacidade crítica para analisar a informação que consumimos nas mídias
digitais. Nesse contexto, a educomunicação, que promove uma leitura crítica da
mídia, é uma ferramenta para combater essa maré de desinformação. No espaço
digital, onde os algoritmos criam bolhas de filtro e apresentam aos usuários
conteúdos com os quais já estão familiarizados, essa habilidade se torna ainda
mais vital para identificar o que é um fato.
Restabelecer a
confiança na verdade factual requer um esforço coletivo, partindo da aceitação
que vivemos em uma sociedade plural, onde a verdade muitas vezes desafia nossos
preconceitos e paixões, exigindo mais tolerância para com o que nos parece
estranho ou diferente. Disso, podemos tirar uma lição: é preciso respeitar a
pluralidade de opiniões e rejeitar firmemente qualquer tentativa do poder de
impor uma verdade única e absoluta.
Fonte: Le Monde
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