quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Danilo Sorato: ‘O fantasma do comunismo ronda as eleições municipais em 2024’

“Contra o consórcio comunista!”, esse é um dos slogans políticos mais repetidos no debate eleitoral na cidade de São Paulo. Um dos candidatos com maior difusão nas redes sociais, Pablo Marçal, apoiou-se em uma antiga estratégia política brasileira: o anticomunismo.

Embora pareça que o candidato à cadeira de prefeito traga algo novo para o debate político, na verdade, ele reproduz diversas falas utilizadas na última década pelos apoiadores de Jair Bolsonaro. Apesar de haver lançado um livro contra o Marxismo Cultural em 2021, Marçal pouco atuou com essa bandeira em debates públicos. A sua estratégia política é recente, mas inspirada no ex-presidente da República.

Longe de ficar restrito a São Paulo, em outro polo importante, a cidade do Rio de Janeiro, encontrou-se pelo menos dois candidatos que bebem dessa mesma tradição anticomunista: Ramagem e Rodrigo Amorim. Ambos, em horários eleitorais ou no plano de governo, costumam frisar a luta contra a “esquerda e os marxistas culturais”.

O fantasma do comunismo é uma antiga tese que rondou o Brasil em diversos momentos do século XX. Essa tese difundida por pessoas ligadas à extrema-direita e direita argumentam que o país está prestes a chegar a uma revolução comunista. Ela levaria o país à pobreza e à destruição, portanto, as elites conservadoras deveriam salvar a nação com medidas autoritárias e de exceção.

Na República Velha, nos anos de 1920, o surgimento do Partido Comunista Brasileiro (PCB) fez com que o governo brasileiro deportasse estrangeiros suspeitos de revolução. Era uma embrionária perseguição que ganharia mais força com o surgimento da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas.

A partir do carismático líder gaúcho, o Exército e as Forças Armadas de maneira geral encamparam a tese do fantasma comunista. Esse movimento foi se repetindo em dois momentos cruciais. Em 1937, utilizou-se o fantasma comunista para dar um golpe que garantiu o Estado Novo.

Essa estratégia voltou a ser usada em 1964, dessa vez em um contexto internacional marcado pela disputa bipolar da Guerra Fria, quando as Forças Armadas se valeram do fantasma comunista para garantir o golpe militar. Criou-se uma rede intensa de espionagem e perseguições contra opositores sob justificativa que eram “revolucionários”.

Entretanto, o fantasma comunista perdeu força e folego após o fim da Guerra Fria. A nova constituição e o retorno à democracia diminuíram a importância dessa retórica, exceto em estratos muito reduzidos da população, como clubes militares ou políticos excêntricos, como Enéas Carneiro. Mas o que isso tem a ver com as eleições municipais atuais? E por que a elite conservadora articula esse discurso do fantasma comunista?

É importante notar que a estratégia do fantasma comunista não é nova, e atualmente ganhou novos contornos sob a batuta de Jair Bolsonaro. Os discursos políticos mudaram, mas o inimigo é o comunista. Agora, utiliza-se termos como esquerda, comunistas, marxistas culturais, globalistas, como sinônimos. É uma maneira de simplificar o entendimento dos apoiadores para que lutem contra pessoas que não apoiem as pautas conservadoras da família, pátria e mercado.

Depois, percebe-se que os políticos conservadores atuais envolvidos com as Eleições de 2024, de forma esperta, utilizam-se dos slogans “Contra o consórcio comunista” para conseguir articular e ganhar aprovação perante os apoiadores do ex-presidente da república. Vale lembrar que Bolsonaro, diferentemente de Marçal, Amorim ou Ramagem, foi formado como anticomunista na Escola dos Agulhas Negras (AMAM) no período militar, e depois como político profissional, utilizou o Congresso Nacional para falar dessas pautas anticomunistas.

De qualquer forma, eles se aproximam quando procuram articular a tese do fantasma comunista para proteger seus interesses financeiros e políticos. Eles buscam manter privilégios, e evitar que haja maior ascensão social no Brasil. Há um discurso violento contra programas sociais e políticas públicas inclusivas.

Para concluir, é bom observar que a tese de que o comunismo está chegando não é restrita ao solo nacional. Ela está presente em outros países, especialmente, nos Estados Unidos da América com Donald Trump e seus apoiadores políticos utilizando nas Eleições presidenciais contra os candidatos democratas. O fantasma comunista está a solta. Corram!

 

•        Masculinidade tóxica como estratégia política em São Paulo. Por Liliane Rocha

Gostaria que todas as pessoas de São Paulo, como eu, estivessem conseguindo acompanhar os debates eleitorais. Ao todo, foram 5 transmissões até o momento, além de algumas sabatinas individuais. Difícil saber se estamos diante de um show da quinta série escolar, protagonizado por crianças, que emocionalmente, seguem realizando bullying e apelidando seus colegas. As ofensas são diversas: Boules, Tchutchuca do PCC, Comedor de açúcar e por aí vai. Ou se estamos diante de uma estratégia deliberada.  A onda de violência que começou com uma sucessão de violências verbais, obviamente descarrilhou para violências físicas.

Qualquer pessoa que assistiu aos debates já sabia que isso viria a acontecer. O desfecho seria um só. Após tantas violências verbais, tantas discussões e bate bocas no dia 15 de setembro, no debate da TV Cultura, José Luíz Datena, após ser acusado de estupro e ouvir que “não é homem” para reagir, sai do seu púlpito e disfere uma cadeirada contra Pablo Marçal. Ambos estão fora do debate. Datena expulso e Marçal para o hospital.

No debate seguinte, na Rede TV, todas as cadeiras estavam chumbadas no chão. E um tom de tensão no ar. De certa forma, pareceu que alguma melhora de postura havia ocorrido. No entanto, foi ontem, dia 23 de setembro que um novo pico das agressões ocorreu.  O assessor do Nunes provoca um integrante da equipe do Marçal, e pelo que aparece no vídeo, tenta tirar o celular da sua mão e leva um murro na cara. Sangue no estúdio.

Neste momento, a ideia que vinha se formando em minha cabeça toma corpo. E este corpo é masculino. Porque os candidatos estão ao longo de todo esse processo eleitoral nos levando a assistir tamanha escalada de violência. Veja, independentemente de você preferir a candidata da Direita Marina Helena ou a de Centro a Tabata Amaral, ou ainda que não goste de nenhuma das duas, sejamos coesos. Quais as chances de uma desferir apelidos jocosos contra a outra ou contra qualquer um dos candidatos? Quais as chances de saírem do púlpito e ameaçarem bater uma na outra, ou em qualquer dos outros candidatos? Ou ainda, se suas equipes nos bastidores se esmurrarem?

A masculinidade tóxica, da qual tanto temos falado, sobretudo no contexto de diversidade e inclusão, se tornou estratégia política dos candidatos, que já não se envergonham mais de suas ações. E o pior: têm o seu comportamento socialmente aceito. Afinal, nenhum deles foi retirado até o momento do processo eleitoral e qualquer um poderá se tornar o próximo prefeito da maior capital econômica da América Latina.

Neste contexto, a análise da masculinidade tóxica revela não apenas a dinâmica de poder entre os candidatos, mas também um reflexo preocupante da sociedade em que vivemos. O uso de agressões e desqualificações como parte da estratégia eleitoral evidencia que, para muitos, o debate político se transformou em um campo de batalha onde a força física e verbal é valorizada, ao invés de propostas concretas e diálogo construtivo.

É alarmante perceber que, enquanto figuras femininas na política frequentemente enfrentam ataques de gênero e deslegitimação, os homens parecem se sentir à vontade para operar dentro de um espaço tóxico, em que a brutalidade se torna uma norma. As candidatas, por sua vez, enfrentam um ambiente que as silencia e secundariza.

Ao refletir sobre o que assistimos, fica a pergunta: o que queremos para a nossa democracia? Devemos exigir mais do que esse espetáculo lamentável. É hora de exigir que os debates não sejam apenas uma vitrine de agressões e desrespeito, mas uma oportunidade genuína de diálogo e de construção de propostas que realmente interessem à população.

Qual o próximo passo dessa escalada de agressão, a letalidade? Estamos na beira do abismo esperando o vendo soprar mais forte para cairmos nele. Por que entre os seis candidatos que temos visto, os quatro primeiros colocados são homens brancos? O que nos resta, como cidadãos conscientes, é participar ativamente desse processo, questionar as narrativas que nos são apresentadas e buscar candidaturas que realmente representem uma política inclusiva e respeitosa. Se a sua empresa apoia candidatos, pois lembro-me claramente dos valores destinados a doações em campanhas nas empresas em que trabalhei, quais são os critérios de apoio?

Precisamos de um ambiente onde as ideias sejam debatidas de forma saudável, onde a diversidade de vozes seja valorizada e, acima de tudo, onde a dignidade humana prevaleça sobre a toxicidade que, até agora, tem marcado esta corrida eleitoral.

 

•        Verdade ou versão? Como campanhas políticas moldam narrativas. Por Elisama Reis

Você abre a sua rede social pela manhã e, de um lado, o atual prefeito afirma que vai “mostrar a verdade”; do outro, a oposição se compromete a “trazer a verdade ao povo”. Afinal, que verdade é essa? É possível que um mesmo assunto tenha verdades distintas ou que diferentes candidatos apresentem versões conflitantes sobre os mesmos fatos?

Hannah Arendt faz uma distinção importante entre duas formas de verdade: a de fato (ou factual) e a racional. A primeira é baseada em evidências, verificável por meio de documentos, dados e investigações. Por exemplo, a quantidade de escolas construídas ou os índices de segurança pública são verdades que se sustentam em dados e provas incontestáveis. Em contraste, a verdade racional, que entra no campo da interpretação e especulação, pode ser moldada à experiência pessoal de cada um, adaptando-se a interesses particulares e agendas específicas.

Durante o período de campanha eleitoral, a linha entre essas duas verdades facilmente se desfaz, uma vez que a verdade factual pode se perder em meio a um emaranhado de opiniões e emoções. Um candidato pode apresentar dados e propostas e, simultaneamente, atacar o adversário ao fazer um discurso inflamatório; portanto, a verdade factual se dilui nesse contexto. Em uma guerra contra os fatos, Matthew D’Ancona diz que não lidamos apenas com mentiras descaradas, mas sim com meias-verdades e fatos alternativos.

Na era da pós-verdade, onde a crença pessoal se torna mais valiosa do que os fatos, Ralph Keyes aponta que surge uma terceira categoria de afirmações, que não são verdadeiras nem mentirosas e pode ser chamada de “verdade melhorada”, “neoverdade”, “verdade suave”, “verdade artificial” ou “verdade light”. Neste cenário, é necessário defender a verdade factual, tanto que Arendt endossa que a verificação dos fatos não deve ser conduzida por interesses partidários e de agentes políticos.

Em um ambiente propício para a desinformação, é fundamental que possamos desenvolver uma capacidade crítica para analisar a informação que consumimos nas mídias digitais. Nesse contexto, a educomunicação, que promove uma leitura crítica da mídia, é uma ferramenta para combater essa maré de desinformação. No espaço digital, onde os algoritmos criam bolhas de filtro e apresentam aos usuários conteúdos com os quais já estão familiarizados, essa habilidade se torna ainda mais vital para identificar o que é um fato.

Restabelecer a confiança na verdade factual requer um esforço coletivo, partindo da aceitação que vivemos em uma sociedade plural, onde a verdade muitas vezes desafia nossos preconceitos e paixões, exigindo mais tolerância para com o que nos parece estranho ou diferente. Disso, podemos tirar uma lição: é preciso respeitar a pluralidade de opiniões e rejeitar firmemente qualquer tentativa do poder de impor uma verdade única e absoluta.

 

Fonte: Le Monde      

 

Nenhum comentário: