Wagner Sousa: ‘As raízes históricas do Sul
Global’
As sanções impostas
pelos Estados Unidos e seus aliados à Rússia, após a invasão da Ucrânia,
visavam isolar o país e provocar uma crise econômica sem precedentes, que
inviabilizasse o esforço de guerra. Como se sabe, as sanções fracassaram em seu
intento. A Rússia vem conseguindo driblar estas restrições em cooperação com
outros países, fora da órbita de aliados mais próximos dos Estados Unidos. Isto
permite a continuidade de suas ações na Ucrânia. Após um declínio inicial,
fruto das sanções, a economia russa voltou a crescer. Muitos países têm mantido
relações econômicas importantes com a Rússia, comprando petróleo e gás, caso de
China e Índia, vendendo armamentos, caso do Irã, e atuando em “triangulações”,
importando bens do Ocidente, como chips, que depois clandestinamente são
revendidos aos russos, como já o fizeram países como Cazaquistão, Quirguistão,
Turcomenistão, Armênia, Chipre, Emirados Árabes Unidos, Turquia e outros.
O Brasil é um
importante importador de óleo diesel do país. Outro aspecto a se destacar é que
também fracassou a tentativa dos Estados Unidos e seus aliados europeus da OTAN
de isolar politicamente a Rússia em nível mundial. O chamado “Sul Global” não
aderiu às sanções, não apoia o esforço de guerra ucraniano, bancado basicamente
pela OTAN e, mesmo que muitos tenham votado em sessões da ONU condenando a
invasão russa, não têm manifestado, em suas posições como países
individualmente, discursos frequentes de condenação à invasão, o que representa
uma leitura geopolítica que perpassa esses países, de que se trata de uma proxy
war, e que a Ucrânia, mesmo que tenha seus interesses nacionais em jogo, atua
como peão do Ocidente em uma guerra contra a Rússia.
O que se entende como
“Sul Global” não obedece exatamente à geografia, pois abarca países do sul e do
norte do planeta, abrangendo América Latina, África, Ásia e países insulares
assim como “Norte Global” abrange também Austrália e Nova Zelândia. Contudo,
ambos são conceitos válidos para o campo da Geopolítica. A ideia de Sul Global
deriva do chamado Movimento dos Não-Alinhados e do G-77 das Nações Unidas,
grupos que advogavam não seguir nem o bloco dos países capitalistas
desenvolvidos, o “Primeiro Mundo”, liderado pelos EUA, nem o bloco socialista,
liderado pela URSS, o “Segundo Mundo”.
Sarang Shidore,
Diretor do Programa de Sul Global do Quincy Institute for Responible Statecraft
e membro adjunto da George Washington University lembra, no artigo “The Return
of the Global South”, publicado em 2023, em Foreign Affairs, que estas nações, a
vasta maioria da humanidade, foram denominadas como “Terceiro Mundo” como
consequência do aumento, com o processo de descolonização, do número de países,
no imediato pós-II Guerra Mundial, que chegaram a 70, já nos anos 1940. Esta
nomenclatura específica começou a ser utilizada propriamente a partir de um
artigo publicado pelo cientista social francês, Alfred Sauvy, que cunhou este
termo para se referir a estes países. Sauvy fez um paralelo entre as exploradas
colônias recém independentes e o “Terceiro Estado” da França
pré-revolucionária.
Explica Shidore que,
com o tempo, “Terceiro Mundo” foi ganhando conotação pejorativa para os países
pobres; “países em desenvolvimento”, termo em destaque por décadas, foi sendo
criticado pela ideia linear de “um caminho para se tornar desenvolvido.” O
autor, no artigo supracitado, diz que Sul Global “(…) tem suas origens no
século vinte. O termo foi usado no conhecido relatório de 1980 North-South: A
Programee for Survival criado pelo comitê independente liderado pelo
Ex-Chanceler alemão Willy Brandt e pelo relatório de 1990 The Challenge to the
South: the Report of the South Comission produzido por painel das Nações Unidas
liderado por Julius Nyerere, o então presidente da Tanzânia. O prefixo ‘global’
foi adicionado nos anos 1990, depois do fim da Guerra Fria, possivelmente um
subproduto da crescente popularidade de outro termo, ‘globalização’, que entrou
em voga na época.”
A partir do início dos
anos 1990, com a reunificação da Alemanha e o fim da URSS, com o fim, portanto,
do bloco socialista, o “Segundo Mundo” deixou de existir e se afirmou, nesta
década, a hegemonia “unipolar” dos EUA. Como consequência, o liberalismo econômico
voltou com força, as fronteiras (para o capital, essencialmente) deveriam ser
abertas e esta integração deveria (pela propaganda, ao menos) reduzir as
assimetrias entre as nações. Isto não ocorreu para a maioria dos países do Sul
Global.
As consequências das
crises desencadeadas por este liberalismo na década de 1990, especialmente, e o
deslocamento crescente do eixo econômico mundial para a Ásia, com a China se
tornando o principal parceiro comercial da maior parte dos países e o mundo vivendo
um ciclo crescimento generalizado na década de 2000 (até o estouro da crise
imobiliária americana, em 2008) mudaram as políticas de muitos países que
passaram a adotar, em muitos casos, uma espécie de “protecionismo seletivo” e
incentivo a certos setores, como citado por Shidore “(…) nos últimos anos
Indonésia e Zimbabwe passaram a restringir as exportações de níquel e lítio,
respectivamente, com o intuito de atrair maiores investimentos do exterior. A
nova política para o lítio do Chile inclui um papel muito maior para o Estado
na mineração e industrialização. Algo similar ocorre na iniciativa saudita para
criação de uma indústria de hidrogênio verde e no objetivo da Índia de atrair
indústrias de manufaturados eletrônicos. A ideologia cedeu lugar a uma
experimentação com modelos econômicos híbridos.”
É importante destacar
que especialmente a ascensão chinesa, puxando o crescimento de grande parte do
Sul Global (e de países do Norte Global, como a exportadora Alemanha) diminuiu
a dependência econômica em relação aos Estados Unidos e à Europa, reduzindo,
portanto, a capacidade de pressão em temas como a Guerra da Ucrânia. Essa maior
“autonomia relativa” alimenta também as demandas por reformas nas instituições
internacionais, as quais mantém uma distribuição de poder que pouco mudou desde
sua criação, fator de grande insatisfação para a maioria dos Estados.
Embora não estejam no
núcleo de poder do sistema internacional, os países do Sul Global, organizados
em fóruns como o BRICS e a Organização para a Cooperação de Xangai ou
organizações como a União Africana e numa miríade de pactos e tratos
bilaterais, como, por exemplo, os acordos de comércio em moeda local, para
escapar ao predomínio do dólar, se colocam, em toda a sua heterogeneidade de
médias potências e países pobres, numa posição de contestação da ordem
internacional liderada pelos EUA e seus aliados próximos. E o fazem, com
postura realista, operando com os recursos que possuem, num contexto em que são
beneficiados pelas mudanças na arquitetura de poder internacional.
¨ e economia globais estão
em mudança, o Sul Global está assumindo sua liderança, diz Putin
A contribuição dos
países integrantes do BRICS para a economia global já excede a dos integrantes
do G7 e continua crescendo, afirmou o presidente da Rússia Vladimir Putin
durante a reunião do Presidium do Conselho de Estado russo, nesta quarta-feira
(25).
Falando sobre economia
e desenvolvimento das exportações não primárias e não energéticas da Rússia,
Vladimir Putin informou que foi identificado um aumento de 5% nos primeiros
sete meses deste ano, o equivalente a US$ 89,8 bilhões (cerca de R$ 491,1 bilhões).
"Nos primeiros
sete meses deste ano, as exportações não primárias e não energéticas
continuaram a crescer e aumentaram outros 5% para US$ 89,8 bilhões", disse
Putin durante a reunião, indicando que as taxas de crescimento atuais das
exportações não primárias e não energéticas não são o limite para a Rússia.
Putin salientou ainda
que a Rússia é uma participante ativa no comércio internacional, apesar dos
desafios enfrentados pelas empresas.
"A Rússia, como
vocês sabem, eé participante ativa do comércio internacional, apesar das
dificuldades evidentes que o negócio nacional enfrenta hoje. Estamos
desenvolvendo relações comerciais externas, estamos ampliando sua geografia,
estamos fortalecendo a cooperação com parceiros previsíveis e confiáveis que,
como a Rússia, entendem seus interesses nacionais, apreciam os laços de
benefício mútuo no comércio, na produção e na cooperação", disse Putin.
"O comércio
mundial e a economia global estão passando por mudanças significativas. Este é
um tópico que frequentemente discutimos, e todos estão bem cientes disso. Um
novo sistema de relações está sendo formado, no qual, ao primeiro plano estão
chegando países do chamado Sul Global, os países em crescimento dinâmico,
participantes de integrações perspectivas, como o BRICS, por exemplo",
disse Putin.
Na esteira dos
resultados positivos, Putin afirmou que a contribuição dos países do BRICS para
a economia global excede os indicadores do G7 (grupo composto por Alemanha,
Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido).
"A contribuição
dos países do BRICS para a economia global já excede a participação do chamado
G7 e continua aumentando. A tendência está crescendo, não muda", afirmou
ele.
Os acordos em rublos
para exportações russas estão se aproximando de 40%, e o país continua
trabalhando nessa direção, disse o presidente russo.
"No ano passado,
a parcela de pagamentos para exportações russas em moedas ocidentais 'tóxicas'
caiu pela metade. Ao mesmo tempo, a parcela de acordos em rublos em transações
de comércio exterior está se aproximando de 40%. Continuamos trabalhando nessa
direção", assegurou o presidente, afirmando que Moscou conseguiu resolver
o problema de realizar acordos até certo ponto, mas que estas questões exigem
tempo.
"Ações
absolutamente hostis foram tomadas contra instituições financeiras e sistemas
de pagamento russos por algumas elites ocidentais", disse Putin.
Segundo Putin, países
em todo o mundo estão trabalhando para criar uma infraestrutura de pagamento
supranacional, incluindo o uso de moedas digitais, o trabalho está em andamento
não apenas na Rússia.
"Em todo o mundo,
questões de criação de uma chamada infraestrutura de pagamento supranacional
estão sendo trabalhadas — quero enfatizar isso, muitos países e regiões do
mundo estão fazendo isso — com a possibilidade de usar moedas digitais dos bancos
centrais e ativos financeiros digitais", disse o líder russo.
Ainda de acordo com
Putin, tal sistema operaria suave e independentemente de terceiros países.
"Quero enfatizar
— não somos os únicos a fazer isso em conexão com eventos bem conhecidos. Está
em todo o mundo, é uma tendência geral em todas as regiões — tanto no Oriente
Médio quanto na Ásia, todos estão pensando sobre isso, todos estão pensando e
surgindo com opções diferentes", acrescentou.
¨ EUA obstruirão adesão da Turquia ao BRICS a portas fechadas,
acredita analista político
Os Estados Unidos vão
tentar impedir a adesão da Turquia ao BRICS a portas fechadas, mas não vão
chegar a uma tentativa de golpe, disse o analista político turco Umur Tugay
Yucel à Sputnik.
Recentemente, o
assessor presidencial russo Yuri Ushakov confirmou que a Turquia havia se
candidatado a membro pleno do BRICS e que o pedido está sendo analisado.
De acordo com ele, o
presidente turco Recep Tayyip Erdogan aceitou um convite para a cúpula do BRICS
a ser realizada em Kazan de 22 a 24 de outubro.
"Há uma forte
possibilidade de que os EUA façam algum tipo de tentativa, a portas fechadas,
sobre a adesão da Turquia ao BRICS. É claro que não será um golpe", disse
Yucel.
Ele destacou que os
EUA falharam em organizar uma mudança na Turquia usando o Movimento Hizmet do
dissidente turco Fethullah Gulen que vive há muitos anos nos Estados Unidos.
De acordo com o
especialista, "há sempre os jogos norte-americanos e britânicos".
"Vão tentar esses
jogos com a Turquia diplomática e economicamente. Mas a Turquia não é um país
fraco e dependente da economia e dos equipamentos militares norte-americanos,
como era na década de 1980. Muita coisa mudou na Turquia e no sistema mundial,
portanto, o tradicional apoio norte-americano a golpes e seus planos não vão
funcionar mais na Turquia", disse ele.
Uma tentativa de golpe
de Estado ocorreu na Turquia em julho de 2016. As autoridades acusaram a
organização de Fethullah Gulen de envolvimento.
Em seguida, mais de 80
mil pessoas foram presas e cerca de 150 mil funcionários públicos, incluindo
militares, foram demitidos ou suspensos.
O próprio Gulen
condenou a tentativa de golpe e negou as acusações.
A Rússia assumiu a
presidência do BRICS em 1º de janeiro deste ano. Nessa data, além da Rússia,
Brasil, Índia, China e África do Sul, entraram no bloco novos países-membros: o
Egito, a Etiópia, o Irã, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita.
Em junho, o
primeiro-ministro da Malásia Anwar bin Ibrahim confirmou a Lula da Silva a
intenção da Malásia de participar do BRICS.
No dia 20 de agosto, o
Azerbaijão solicitou oficialmente sua adesão ao BRICS.
Fonte: Le Monde/Sputnik
Brasil
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