Mais de 3 mil toxinas usadas na fabricação
de alimentos contaminam corpo humano
Mais de 3.600
substâncias químicas que se infiltram nos alimentos durante a fabricação,
processamento, embalagem e armazenamento do suprimento mundial de alimentos
acabam no corpo humano — e algumas estão relacionadas a graves danos à saúde.
As descobertas são de novo estudo publicado na segunda-feira (16) no Journal of
Exposure Science & Environmental Epidemiology.
“Este é um número
impressionante e mostra que os materiais de contato com alimentos são uma fonte
significativa de produtos químicos nos humanos”, diz Martin Wagner, professor
de biologia na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia em Trondheim, em
um e-mail.
“Este estudo é o
primeiro a vincular sistematicamente os produtos químicos que usamos em
materiais para embalar e processar alimentos à exposição humana”, acrescenta
Wagner, que não esteve envolvido na pesquisa.
Setenta e nove dos
produtos químicos de processamento de alimentos encontrados no corpo são
conhecidos por causar câncer, mutações genéticas, problemas endócrinos e
reprodutivos, e outras preocupações de saúde, de acordo com o estudo.
Muitos outros produtos
químicos podem ser prejudiciais de maneiras que a ciência ainda não conhece,
segundo Jane Muncke, autora principal do estudo e diretora científica do Food
Packaging Forum, uma fundação sem fins lucrativos sediada em Zurique, Suíça,
que se concentra na comunicação científica e pesquisa.
“Estamos medindo não
apenas os produtos químicos que sabíamos que eram usados no processo de
fabricação de alimentos, mas também todas as impurezas e subprodutos, que
chamamos de substâncias adicionadas não intencionalmente”, diz Muncke.
“Essas substâncias
estão sempre presentes em plásticos, revestimentos de latas e embalagens,
tintas de impressão e assim por diante. Elas podem não ter uma função técnica
no processamento de alimentos, mas estão lá de qualquer forma, migrando para as
pessoas, e nós as medimos.”
O American Chemistry
Council, uma associação da indústria, disse à CNN que seus membros são
dedicados à segurança alimentar.
“É essencial, no
entanto, ao avaliar os riscos potenciais, considerar um contexto mais amplo,
incluindo os marcos regulatórios existentes, as evidências científicas e os
níveis e grau reais de exposição que podem existir”, diz um porta-voz do
conselho via e-mail.
“Qualquer ação
proposta que falte esse contexto, especialmente quando a causalidade não foi
definitivamente estabelecida, é inconsistente com as leis de regulamentação
química baseadas em risco dos EUA.”
No entanto, embora os
materiais de contato com alimentos possam cumprir as regulamentações
governamentais atuais, o estudo destaca que esses produtos químicos podem não
ser totalmente seguros, segundo Muncke.
“Não sabemos
exatamente qual é a quantidade que está sendo usada em embalagens de alimentos
ou outros materiais de contato com alimentos, em comparação com a quantidade
usada em cosméticos, produtos de cuidados pessoais, têxteis e assim por diante,
certo? Eu gostaria de ter essa informação”, afirmou ela.
“Acho que seria
fantástico tornar obrigatório para as empresas declarar quanto e que tipo de
produtos químicos estão colocando no meu alimento ou garrafa de água de
plástico.”
• Produtos químicos tóxicos bem estudados
encontrados nos alimentos
Um produto químico que
o estudo detectou tanto nos alimentos quanto no corpo humano é o bisfenol A, ou
BPA, que era usado para fabricar mamadeiras, copos de treinamento e recipientes
de fórmula infantil até que pais preocupados boicotaram esses produtos há mais
de uma década.
O BPA é um
desregulador endócrino que tem sido associado a anomalias fetais, baixo peso ao
nascer e distúrbios cerebrais e comportamentais em bebês e crianças. Em
adultos, o produto químico foi associado ao desenvolvimento de diabetes,
doenças cardíacas, disfunção erétil, câncer e um risco 49% maior de morte
precoce dentro de 10 anos.
O bisfenol A pode
infiltrar nos alimentos a partir dos revestimentos de alimentos enlatados,
utensílios de policarbonato, recipientes de armazenamento de alimentos e
garrafas de água, de acordo com o Instituto Nacional de Ciências da Saúde
Ambiental dos EUA.
“O estudo também
mostra que os materiais de contato com alimentos podem conter produtos químicos
mutagênicos que prejudicam nosso DNA, como metais pesados”, disse Wagner. “Há
fortes evidências de que os humanos estão expostos a PFAS, os chamados ‘produtos
químicos eternos’, presentes em embalagens de alimentos que são muito
persistentes, se acumulam no organismo e causam toxicidade aos órgãos.”
As substâncias per- e
polifluoroalquil (PFAS) estão presentes no sangue de cerca de 98% dos
americanos, segundo as Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina.
Esses produtos químicos disruptores hormonais são tão preocupantes que, em
julho de 2022, as Academias estabeleceram níveis de preocupação em “nanogramas”
e chamaram para testes em indivíduos de alto risco, incluindo bebês e idosos.
(Um nanograma equivale a um bilionésimo de grama.)
Outro grupo de
produtos químicos em embalagens de alimentos que migrou para as pessoas são os
ftalatos, revelou a pesquisa. Encontrados em xampus, maquiagens, perfumes e
brinquedos infantis, bem como em recipientes de alimentos, os ftalatos têm sido
associados a malformações genitais e testículos não descidos em meninos e a
contagens baixas de espermatozoides e níveis de testosterona em homens adultos.
Estudos anteriores
também associaram os ftalatos à obesidade infantil, asma, problemas
cardiovasculares, câncer e morte prematura em pessoas com idades entre 55 e 64
anos.
• Apenas alguns produtos químicos
alimentares são monitorados em humanos
No novo estudo, os
pesquisadores compararam 14.000 produtos químicos conhecidos por entrar em
contato com alimentos durante o processo de embalagem com bancos de dados
mundiais que monitoram a exposição humana a potenciais toxinas químicas. Todos
os dados da pesquisa foram carregados em um banco de dados aberto para uso
científico.
“Temos, digamos, 60
anos de pesquisa sobre a migração de produtos químicos para os alimentos a
partir de equipamentos de processamento e embalagem de alimentos. Isso tem sido
amplamente estudado”, diz Muncke.
“E, ao mesmo tempo, há
estudos cada vez mais robustos surgindo sobre o bisfenol A, os ftalatos, os
PFAS, retardadores de chama bromados e outros, que estão associados a doenças
nas pessoas.”
O que faltava na
literatura era uma comparação entre o que foi encontrado nas pessoas e os
produtos químicos conhecidos por migrar durante o processamento de alimentos.
Para conectar os pontos, Muncke e seus colegas examinaram bancos de dados de
biomonitoramento nacionais e regionais que rastreiam produtos químicos no
sangue humano, urina, leite materno, amostras de tecido e outros biomarcadores.
Para o estudo, os
pesquisadores usaram dados da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição dos EUA
(NHANES), que coleta anualmente dados de saúde e nutrição de americanos. Outros
bancos de dados incluíam a Pesquisa de Medidas de Saúde do Canadá, o
Biomonitoramento Humano para a Europa, a Pesquisa Nacional de Saúde Ambiental
da Coreia e o Biomonitoramento da Califórnia, um banco de dados estadual.
Dos 14.000 produtos
químicos conhecidos por migrar para os alimentos durante o processamento e
embalagem, apenas algumas centenas são medidos em humanos por esses programas,
de acordo com o estudo. Por exemplo, apenas 172 produtos químicos detectados em
materiais de contato com alimentos
são monitorados nos
Estados Unidos pela Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (NHANES) — 144 desses
produtos químicos foram detectados em algumas populações, disse Muncke.
“Dado que existem
dezenas de milhares de produtos químicos de contato com alimentos, os programas
de biomonitoramento não têm capacidade para testar todos os produtos químicos
aos quais estamos potencialmente expostos”, afirmou Wagner. “Isso cria uma tendência
em direção a substâncias muito bem estudadas e deixa uma grande lacuna em nosso
conhecimento sobre todos os outros produtos químicos que potencialmente temos
em nossos corpos.”
Claro, ter um produto
químico no corpo não significa necessariamente que ele seja prejudicial, disse
Melanie Benesh, vice-presidente de assuntos governamentais do Environmental
Working Group (EWG), uma organização de consumidores que monitora a exposição a
PFAS e outros produtos químicos perigosos.
“Porém, você não
deveria nascer com nenhum produto químico dentro de você”, afirmou Benesh. “A
grande questão é: realmente precisamos desses produtos químicos para processar
nossos alimentos? Quando há produtos químicos em nossos corpos que sabemos que
têm o potencial de nos causar danos, devemos eliminar todas as rotas de
exposição possíveis.”
• “Reconhecido como seguro”
Desde 2000, quase 99%
de quaisquer novos produtos químicos de contato com alimentos foram aprovados
para uso pela indústria alimentícia e química, e não pela Administração de
Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA), segundo uma análise de 2022 do EWG.
Nesse período de 22
anos, os fabricantes de alimentos pediram permissão à FDA para introduzir um
produto químico 10 vezes, diz a análise. Em vez disso, “as empresas exploraram
uma brecha para substâncias “geralmente reconhecidas como seguras”, ou GRAS. Essa
brecha permite que os fabricantes de alimentos — e não a FDA — decidam se uma
substância é segura”, afirma o relatório do EWG.
Criado por uma emenda
nos anos 1950 à Lei Federal de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos de 1938, o
GRAS foi inicialmente aplicado de maneira restrita a ingredientes comuns, como
açúcar, vinagre e bicarbonato de sódio.
O Escritório de
Contabilidade Governamental dos EUA (GAO) divulgou um relatório em novembro de
2022 destacando as limitações da FDA no monitoramento da segurança alimentar do
país, incluindo a falta de autoridade legal sobre os fabricantes de alimentos.
“Além disso, a FDA não
rastreia a data da última revisão pré ou pós-mercado de todas as substâncias de
contato com alimentos de uma forma que permita à FDA identificar prontamente
substâncias que possam merecer uma revisão pós-mercado, pois podem ter surgido
novas informações de segurança”, afirmou o relatório do GAO.
Jim Jones, comissário
adjunto de alimentos humanos da FDA, disse ao subcomitê de saúde do Comitê de
Energia e Comércio da Câmara dos EUA, na semana passada, que a FDA fez da
segurança dos produtos químicos alimentares uma prioridade.
“No entanto, também
existem lacunas importantes que precisam ser abordadas enquanto trabalhamos
para fortalecer nossas atividades de segurança de produtos químicos
alimentares”, afirmou. “O acesso rápido a informações de segurança e dados de
exposição dos consumidores sobre produtos químicos que precisam de revisão nos
ajudaria a realizar avaliações de segurança e reavaliações de maneira mais
rápida e robusta. O acesso a esses dados permitiria à FDA tomar quaisquer
medidas regulatórias necessárias em tempo hábil para proteger os consumidores e
garantir a segurança alimentar.”
Pela primeira vez, a
FDA realizará uma audiência pública, marcada para 25 de setembro, sobre como
aprimorar sua avaliação de produtos químicos encontrados em alimentos,
incluindo aditivos alimentares e de cor, substâncias de contato com alimentos,
contaminantes potenciais e pesticidas, além de ingredientes considerados
geralmente reconhecidos como seguros.
“Isso é inédito”,
disse Benesh do EWG. “Esta é a primeira vez que a FDA está falando sobre
estabelecer um programa rigoroso de revisão que coloca a saúde humana em
primeiro lugar, que coloca a segurança química em primeiro lugar e que restaura
parte da confiança que os consumidores perderam na agência.”
Fonte: CNN Brasil
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