MPF recomenda consulta prévia a comunidades
quilombolas impactadas por mineração na Bahia
O Ministério Público
Federal (MPF) enviou recomendação à Agência Nacional de Mineração (ANM) e ao
Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), com o objetivo de
assegurar a realização de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) à
Comunidade Quilombola de Bocaina, localizada no município de Piatã (BA). O
documento destaca a necessidade de garantir que essas populações sejam
consultadas antes de qualquer projeto ou empreendimento de mineração que possa
impactar suas vidas e territórios.
A medida foi tomada
após relatos de impactos ambientais e sociais gerados pelas atividades da
mineradora Brazil Iron Mineração LTDA. Os problemas relatados incluem
contaminação da água e do ar, danos à saúde e a infraestruturas locais, além de
ameaças à sustentabilidade da região.
Investigações do MPF
apontam que as atividades de mineração na área vêm gerando uma série de
problemas ambientais, como a poluição de nascentes e do lençol freático,
contaminação por metais pesados e degradação da vegetação nativa. A atividade
também causa impactos socioeconômicos, como a migração de famílias quilombolas
que buscam fugir dos danos provocados pela exploração mineral. A GFX Mineração
LTDA também possui autorizações para explorar o local.
• Solicitações do MPF
O MPF recomendou que
tanto a ANM quanto o Inema adotem medidas para suspender as licenças e
autorizações concedidas às mineradoras até que uma Consulta Prévia, Livre e
Informada seja devidamente realizada. A consulta é um direito garantido pela
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e assegura que as
comunidades tradicionais sejam ouvidas e participem do processo decisório de
qualquer empreendimento que possa afetar seus territórios.
Além disso, o MPF
recomendou à ANM que seja feito o necessário bloqueio minerário da área do
território tradicional da Comunidade Quilombola de Bocaina. A mineração,
segundo o MPF, compromete diretamente o modo de ser, viver e existir das
comunidades que habitam o local, o que contraria a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e o Código de
Mineração.
O MPF estabeleceu o
prazo de 15 dias para que ANM e Inema informem as providências adotadas. Caso a
recomendação não seja cumprida, o órgão pode tomar medidas judiciais cabíveis
para assegurar o respeito aos direitos das comunidades quilombolas.
• Consulta prévia
O MPF também detalhou,
com base em diretrizes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, como deve
ocorrer o planejamento e a execução da consulta prévia. Deve ser conduzida
diretamente pelo poder público, sem delegação a terceiros ou empresas privadas.
Deve ocorrer antes da
emissão de qualquer licença ou autorização ambiental, e ser renovada sempre que
houver novas informações ou alterações que impactem os territórios das
comunidades. Também deve garantir total liberdade, sem coerção, e ser feita de
forma transparente e informada, respeitando os protocolos autônomos das
comunidades envolvidas, quando existentes. Além disso, as populações
quilombolas devem ter acesso a todas as informações necessárias para avaliar os
riscos ambientais e sociais dos empreendimentos.
“A consulta prévia não
é uma mera formalidade. Ela representa o reconhecimento dos direitos dessas
comunidades sobre seus territórios e é um mecanismo vital para a proteção de
suas tradições e modos de vida. A mineração, como está sendo feita hoje, viola
esses direitos e compromete o futuro dessas populações”, concluiu Rockenbach.
• MPF e DPMG recomendam cessão definitiva
de área da Prefeitura de Santa Bárbara (MG) à comunidade cigana Calon
O Ministério Público
Federal (MPF) e a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) recomendaram à
Prefeitura de Santa Bárbara (MG), na pessoa do prefeito Alcemir Moreira, que
realize a cessão definitiva à comunidade cigana Calon do imóvel localizado no
bairro São Veríssimo, como previsto em acordo firmado em 2022.
A comunidade cigana
Calon foi obrigada a deixar seu antigo terreno em 2022 devido ao risco de
rompimento da barragem Sul Superior da mina Gongo Soco, além do risco de
alagamento da área. Em 13 de abril do mesmo ano, foi firmado um Termo de
Compromisso entre o MPF, a DPMG, o Município e a comunidade cigana, que recebeu
um terreno de 7.000 m². O acordo previa, ainda, a cessão do terreno de forma
definitiva, em um prazo máximo de dois anos, e uma série de melhorias no local.
Mas acontece que, após
o vencimento do prazo acordado, o município ainda não fez a doação definitiva
do terreno. Cobrado sobre as medidas para a cessão definitiva da área, a
prefeitura informou que “entende que o local destinado à Comunidade é o
definitivo” e que como “não houve alteração no termo firmado, poderia ser o
mesmo entendido como o de cessão definitiva”.
Outro problema
enfrentado pela comunidade é que o município também informou que estava
concluindo o estudo de concepção da futura Estação de Tratamento de Esgoto
(ETE) da cidade, e que se pretende utilizar parte do terreno ocupado pela
comunidade para a sua implantação.
Em reunião realizada
em julho de 2024, no acampamento cigano em Santa Bárbara, entre representantes
da comunidade, lideranças ciganas, a Agência Nacional de Desenvolvimento e
Recursos Assistenciais do Povo Cigano, autoridades municipais, DPMG e MPF, constatou-se
que a comunidade não foi consultada previamente sobre a implantação da ETE.
<><>
Consulta prévia
Nesses casos, a
comunidade a ser afetada tem direito a ser ouvida acerca dos impactos de
qualquer medida legislativa ou administrativa que possa afetá-los diretamente
ou influenciar o seu modo de vida, conforme determinam a Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os artigos 215 e 216 da
Constituição Federal.
Em razão disso, o MPF
e a DPMG também recomendaram que o município faça o procedimento apropriado de
consulta prévia, livre, informada e com boa fé. Para o procurador da República
Helder Magno da Silva e a defensora pública estadual Ana Cláudia da Silva Alexandre
Storch, responsáveis pela recomendação, a realização da consulta prévia “é
medida que se impõe e não se satisfaz com a realização de simples reuniões com
participação das populações tradicionais, mas com o diálogo transparente e
efetivo durante todo o procedimento de negociação com o Ente Estatal acerca de
suas propostas e intenções”, escreveram na recomendação.
A situação da
comunidade Calon de Santa Bárbara é acompanhada através de dois procedimentos,
um no MPF, instaurado com o objetivo de apurar a adoção pelo Poder Público de
medidas para garantir a integridade física e psicológica da comunidade cigana,
em razão do risco de rompimento da barragem Sul Superior da mina Gongo Soco, da
mineradora Vale S/A. E um segundo na DPMG, instaurado com o objetivo de
promover medidas em defesa da comunidade cigana, diante da necessidade de
regularização fundiária do seu território.
<><>
Protocolo
O MPF e a DPMG também
enviaram ao município o Protocolo de Consulta dos Povos Ciganos da Etnia Calon,
localizados nos municípios de Ibirité, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves,
Santa Bárbara, Conselheiro Lafaiete, Juiz de Fora e Barbacena. O documento estabelece
a forma como a comunidade quer ser consultada acerca de “qualquer decisão dos
governos (Federal, Estadual e Municipal) e do poder legislativo (Câmara
Municipal, Assembleia Legislativa e Congresso Nacional), além de iniciativas
privadas que possam nos afetar de alguma forma” e de “Construção de obras no
entorno dos nossos territórios, novas leis, mudanças nos órgãos que trabalham
conosco e formulação de políticas públicas”.
O procedimento de
consulta prévia deve seguir o Protocolo de Consulta da própria comunidade e
incluir a discussão sobre o projeto de instalação da ETE na área que foi cedida
a ela, além de ser realizado antes da tomada de decisões que possam afetar bens
ou direitos da referida comunidade tradicional. O município tem 20 dias, após
notificação, para informar se cumprirá a recomendação.
<><>
Direto à moradia
Os povos ciganos estão
entre os grupos sociais formadores da diversidade étnica e cultural do Brasil.
São, no entanto, um dos menos assistidos pelas políticas públicas, inclusive na
área de moradia.
A Organização das
Nações Unidas (ONU), através do seu Comitê para Eliminação da Discriminação
Racial, criado com o objetivo de monitorar o cumprimento da Convenção para
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, expediu, em 27 de agosto
de 2000, uma recomendação geral, na qual elencou uma série de medidas que os
Estados signatários da Convenção devem adotar para enfrentar a discriminação
contra os povos ciganos. Entre elas, o Estado deve “desenvolver e implementar
políticas e projetos voltados a evitar a segregação das comunidades ciganas no
que se refere à habitação”.
Além disso, a Lei
Estadual nº 21.147/2014, que instituiu a Política Estadual para o
desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas
Gerais, prevê como objetivo específico “garantir aos povos e comunidades
tradicionais o uso de seus territórios por meio de sua posse efetiva ou
propriedade, mediante regularização e titulação das terras, assegurando-se o
livre acesso aos recursos naturais necessários à sua reprodução física,
cultural, social e econômica”.
Junto à recomendação
também foi enviada ao município a cartilha “Direito à Moradia Adequada”,
produzida pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em
2013, em cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco). O documento apresenta uma série de critérios que
devem ser atendidos para que o direito à moradia adequada seja satisfeito.
Fonte: MPF-BA/MPF-MG
Nenhum comentário:
Postar um comentário