Calor extremo ameaça saúde e
desenvolvimento de mais de 30 milhões de crianças brasileiras, diz Unicef
Um estudo divulgado
pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostra que as crianças
brasileiras vivem hoje um cenário de calor extremo drasticamente mais grave que
o registrado na infância de gerações anteriores.
A análise comparou
dados climáticos das décadas de 1970 e 2020. A frequência de temperaturas acima
de 35°C saiu de cerca de 4,9 dias por ano para uma média de 26,6 atualmente.
O estudo também aponta
para um aumento preocupante nas ondas de calor, definidas como períodos de três
dias ou mais com temperaturas máximas 10% acima da média local. Aproximadamente
31,5 milhões de crianças no país agora experimentam o dobro de ondas de calor
em comparação à geração de seus avós.
Esse conjunto
expressivo de pessoas convive com as consequências das mudanças climáticas na
saúde cotidianamente, em uma idade de maior fragilidade.
Em entrevista ao
Brasil de Fato, o especialista em mudanças climáticas do Unicef no Brasil,
Danilo Moura, explica que, nessa idade, o corpo tem menos ferramentas para
lidar com níveis excessivos de estresse térmico. Isso coloca a população mais
jovem do país frente a riscos consideráveis.
“Especialmente em
crianças pequenas, nos primeiros anos de vida, o calor é um inimigo da saúde.
Bebês e crianças pequenas não têm a mesma capacidade de um adulto de regular a
própria temperatura do corpo. Quando a temperatura passa dos 35°C o que vemos são
crianças e bebês sofrendo mais com o impacto na saúde.”
O levantamento do
Unicef pontua que o cenário contribui para o agravamento da desnutrição
infantil e de doenças, tanto não transmissíveis quanto infecciosas. Além disso,
os extremos de calor também podem impactar no desenvolvimento cognitivo.
“Existe uma série de
associações de períodos longos de calor com mortalidade excessiva as pessoas,
não necessariamente por conta do estresse térmico, mas o calor é um fator de
risco que aumenta a probabilidade de resultados adversos em problemas de saúde”,
alerta Moura.
Danilo Moura destaca a
importância da ação imediata e a responsabilidade de um trabalho que envolva
todos os níveis de governo. Frente às eleições municipais deste ano, o
especialista enfatiza a importância do papel das prefeituras.
“Se pensarmos em quais
são as ações que precisam ser tomadas para responder a momentos de calor
extremo, estamos falando que precisamos aumentar, recuperar e preservar as
áreas verdes, pensar numa estratégia de comunicação de risco para as pessoas
estarem informadas quando você tiver essas ondas de calor e uma estratégia de
políticas para a saúde.”
Na apresentação do
relatório, o Unicef ressaltou ainda necessidade de implementação o Protocolo
Nacional para Proteção Integral de Crianças e Adolescentes em Situação de
Desastres nos planos municipais, priorizando as necessidades específicas dessa
população.
<><> MPF
aponta omissão da Seduc para resolver precariedade da educação escolar indígena
no Amazonas
Após reunião com
representantes do Governo do Amazonas, de universidades e lideranças indígenas,
o Ministério Público Federal (MPF) constatou a omissão e ausência de interesse
por parte da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) do Amazonas na criação de
um grupo de trabalho para discutir soluções dialogadas referentes à
precariedade da educação escolar indígena no estado.
O encontro, conduzido
pelo procurador da República Fernando Merloto Soave no mês passado, foi
realizado no âmbito do procedimento administrativo que apura a regulamentação
do Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR) dos professores indígenas no
âmbito da Seduc. Além de representantes do MPF e da secretaria, também
estiveram no encontro representantes das seguintes instituições:
Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas (PGE/AM), Fórum de Educação Escolar e
Saúde Indígena do Amazonas (Foreeia), Articulação das Organizações e Povos
Indígenas do Amazonas (Apiam), Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e
Instituto Federal do Amazonas (Ifam).
Todos os
representantes presentes manifestaram-se favoráveis à criação de um grupo de
trabalho para resolver as questões relativas à precariedade da educação escolar
indígena, à exceção da Seduc e da PGE/AM.
# Problemas
A falta de uma
política específica voltada aos territórios etnoeducacionais foi fortemente
criticada por lideranças indígenas presentes na reunião. O representante da
Apiam, Joede Michiles, destacou, por exemplo, o impacto negativo das escolas
com salas anexas da Seduc, que são geridas por pessoas não indígenas, além da
falta de formação culturalmente adequada para professores indígenas para
atender às necessidades das aldeias e comunidades.
O modelo de salas
anexas adotado pela Seduc deveria oferecer uma educação escolar indígena
assegurada pela Constituição Federal nos locais em que não há escolas
indígenas, mas geralmente vincula tais salas a escolas regulares não indígenas.
Lideranças indígenas apontam que existem mais de 500 salas anexas indígenas no
Amazonas que funcionam em condições precárias.
Essas salas, como
ressaltado por Joede Michiles, frequentemente operam sem gestor indígena ou com
gestor sem qualquer sensibilidade ou conhecimento em relação à pedagogia
indígena. As salas anexas de escolas indígenas estaduais muitas vezes funcionam
em escolas municipais nas aldeias e comunidades que, às vezes, sequer prédio
escolar próprio possuem.
Segundo levantamentos
atuais, existem mais de 600 escolas indígenas no Amazonas que não possuem
estrutura escolar própria para a educação, sendo que as aulas ocorrem ao ar
livre, em postos de saúde indígena das comunidades ou ainda em centros sociais,
igrejas e até mesmo em casa de caciques ou professores. Também foram levantadas
questões sobre a inadequação da alimentação escolar nas aldeias e comunidades,
o que afeta diretamente os estudantes.
Além de também
destacar o modelo de salas anexas da Seduc como um retrocesso, a representante
do Foreeia, Maria do Socorro Lopes, apontou que a demora na contratação de
professores indígenas acarreta a migração de alunos indígenas para áreas
urbanas, no intuito de reduzirem o prejuízo nas suas formações. Esse cenário
não só compromete o desenvolvimento educacional das crianças e jovens
indígenas, mas também afeta a preservação das culturas tradicionais e deixa-os
mais vulneráveis aos assédios na cidade relacionados ao álcool, drogas,
prostituição infanto-juvenil, entre outros problemas graves.
Na reunião, a Seduc
informou que está adotando algumas medidas, mas negou-se a estabelecer um
processo de diálogo e de construção de soluções conjuntas junto aos povos
indígenas do estado do Amazonas e o MPF. Foi ressaltado que a Convenção nº169
da OIT garante o direito dos povos em serem ouvidos e consultados em face de
medidas legislativas e administrativas e a ausência de diálogo e consulta viola
a convenção, que hoje faz parte da legislação brasileira.
# Atuação articulada
O procurador da
República Fernando Soave apontou, na reunião, que o tema exige uma abordagem
estruturante, envolvendo os diversos atores institucionais e os povos
indígenas, com objetivo de construir conjuntamente soluções que atendam às
peculiaridades locais dos diversos territórios indígenas do Amazonas – onde
cerca de 25% da população do estado do Amazonas é indígena e tradicional.
Como exemplo de
atuação articulada bem sucedida, o procurador citou a diferença dos resultados
da chamada pública para fornecimento de produtos da agricultura familiar para a
alimentação escolar dos povos indígenas e tradicionais: quando o processo foi construído
de forma isolada pela Seduc, em 2020/2021, apenas quatro agricultores foram
habilitados; em 2024, quando a chamada foi construída em conjunto com o MPF,
povos indígenas e tradicionais, Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no
Amazonas (Catrapoa) e outros atores parceiros, houve mais de 200 agricultores
inscritos e habilitados a fornecer alimentos tradicionais diretos nas escolas
das aldeias e comunidades.
O procurador da
República ainda sugeriu a necessidade de construção de um concurso público
culturalmente adequado com nuances em relação à exigência de licenciatura plena
para a contratação de professores indígenas, ainda que temporário durante
processo de formação, a exemplo do que já ocorreu na Bahia, com a contrapartida
do oferecimento de vagas em universidades públicas e privadas para a formação
de professores. Registrou que o MPF está disponível para a construção conjunta
de soluções.
Diante da ausência de
interesse e omissão da Seduc no avanço de soluções dialogadas, Fernando Soave
afirmou que deverá ingressar com ação judicial em breve contra o governo
estadual e a secretaria, em face das graves violações dos direitos dos povos
indígenas no tema educação. Solicitou às lideranças e demais entidades que
continuem a enviar ao MPF o levantamento das violações e provas da precariedade
na prestação do serviço público de educação escolar indígena para apoio à ação
judicial.
As lideranças
indígenas reafirmaram a disposição para o diálogo, mas reforçaram a necessidade
de ações concretas para evitar o contínuo abandono da educação escolar indígena
no Amazonas.
# Formação superior
Ao final do mês de
agosto também foi realizada reunião para tratar do tema da formação superior de
professores indígenas. Participaram representantes do movimento indígena e
órgãos de interesse, entre os convidados: lideranças do Movimento dos
Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam), Ministério da Educação (MEC), Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Ministério dos Povos
Indígenas (MPI), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Universidade
Federal do Amazonas (Ufam). A Seduc não participou da reunião.
Fonte: Brasil de
Fato/PGR no AM
Nenhum comentário:
Postar um comentário