quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Calor extremo ameaça saúde e desenvolvimento de mais de 30 milhões de crianças brasileiras, diz Unicef

Um estudo divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostra que as crianças brasileiras vivem hoje um cenário de calor extremo drasticamente mais grave que o registrado na infância de gerações anteriores.

A análise comparou dados climáticos das décadas de 1970 e 2020. A frequência de temperaturas acima de 35°C saiu de cerca de 4,9 dias por ano para uma média de 26,6 atualmente.

O estudo também aponta para um aumento preocupante nas ondas de calor, definidas como períodos de três dias ou mais com temperaturas máximas 10% acima da média local. Aproximadamente 31,5 milhões de crianças no país agora experimentam o dobro de ondas de calor em comparação à geração de seus avós.

Esse conjunto expressivo de pessoas convive com as consequências das mudanças climáticas na saúde cotidianamente, em uma idade de maior fragilidade.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o especialista em mudanças climáticas do Unicef no Brasil, Danilo Moura, explica que, nessa idade, o corpo tem menos ferramentas para lidar com níveis excessivos de estresse térmico. Isso coloca a população mais jovem do país frente a riscos consideráveis.

“Especialmente em crianças pequenas, nos primeiros anos de vida, o calor é um inimigo da saúde. Bebês e crianças pequenas não têm a mesma capacidade de um adulto de regular a própria temperatura do corpo. Quando a temperatura passa dos 35°C o que vemos são crianças e bebês sofrendo mais com o impacto na saúde.”

O levantamento do Unicef pontua que o cenário contribui para o agravamento da desnutrição infantil e de doenças, tanto não transmissíveis quanto infecciosas. Além disso, os extremos de calor também podem impactar no desenvolvimento cognitivo.

“Existe uma série de associações de períodos longos de calor com mortalidade excessiva as pessoas, não necessariamente por conta do estresse térmico, mas o calor é um fator de risco que aumenta a probabilidade de resultados adversos em problemas de saúde”, alerta Moura.

Danilo Moura destaca a importância da ação imediata e a responsabilidade de um trabalho que envolva todos os níveis de governo. Frente às eleições municipais deste ano, o especialista enfatiza a importância do papel das prefeituras.

“Se pensarmos em quais são as ações que precisam ser tomadas para responder a momentos de calor extremo, estamos falando que precisamos aumentar, recuperar e preservar as áreas verdes, pensar numa estratégia de comunicação de risco para as pessoas estarem informadas quando você tiver essas ondas de calor e uma estratégia de políticas para a saúde.”

Na apresentação do relatório, o Unicef ressaltou ainda necessidade de implementação o Protocolo Nacional para Proteção Integral de Crianças e Adolescentes em Situação de Desastres nos planos municipais, priorizando as necessidades específicas dessa população.

<><> MPF aponta omissão da Seduc para resolver precariedade da educação escolar indígena no Amazonas

Após reunião com representantes do Governo do Amazonas, de universidades e lideranças indígenas, o Ministério Público Federal (MPF) constatou a omissão e ausência de interesse por parte da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) do Amazonas na criação de um grupo de trabalho para discutir soluções dialogadas referentes à precariedade da educação escolar indígena no estado.

O encontro, conduzido pelo procurador da República Fernando Merloto Soave no mês passado, foi realizado no âmbito do procedimento administrativo que apura a regulamentação do Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR) dos professores indígenas no âmbito da Seduc. Além de representantes do MPF e da secretaria, também estiveram no encontro representantes das seguintes instituições: Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas (PGE/AM), Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (Foreeia), Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Instituto Federal do Amazonas (Ifam).

Todos os representantes presentes manifestaram-se favoráveis à criação de um grupo de trabalho para resolver as questões relativas à precariedade da educação escolar indígena, à exceção da Seduc e da PGE/AM.

# Problemas

A falta de uma política específica voltada aos territórios etnoeducacionais foi fortemente criticada por lideranças indígenas presentes na reunião. O representante da Apiam, Joede Michiles, destacou, por exemplo, o impacto negativo das escolas com salas anexas da Seduc, que são geridas por pessoas não indígenas, além da falta de formação culturalmente adequada para professores indígenas para atender às necessidades das aldeias e comunidades.

O modelo de salas anexas adotado pela Seduc deveria oferecer uma educação escolar indígena assegurada pela Constituição Federal nos locais em que não há escolas indígenas, mas geralmente vincula tais salas a escolas regulares não indígenas. Lideranças indígenas apontam que existem mais de 500 salas anexas indígenas no Amazonas que funcionam em condições precárias.

Essas salas, como ressaltado por Joede Michiles, frequentemente operam sem gestor indígena ou com gestor sem qualquer sensibilidade ou conhecimento em relação à pedagogia indígena. As salas anexas de escolas indígenas estaduais muitas vezes funcionam em escolas municipais nas aldeias e comunidades que, às vezes, sequer prédio escolar próprio possuem.

Segundo levantamentos atuais, existem mais de 600 escolas indígenas no Amazonas que não possuem estrutura escolar própria para a educação, sendo que as aulas ocorrem ao ar livre, em postos de saúde indígena das comunidades ou ainda em centros sociais, igrejas e até mesmo em casa de caciques ou professores. Também foram levantadas questões sobre a inadequação da alimentação escolar nas aldeias e comunidades, o que afeta diretamente os estudantes.

Além de também destacar o modelo de salas anexas da Seduc como um retrocesso, a representante do Foreeia, Maria do Socorro Lopes, apontou que a demora na contratação de professores indígenas acarreta a migração de alunos indígenas para áreas urbanas, no intuito de reduzirem o prejuízo nas suas formações. Esse cenário não só compromete o desenvolvimento educacional das crianças e jovens indígenas, mas também afeta a preservação das culturas tradicionais e deixa-os mais vulneráveis aos assédios na cidade relacionados ao álcool, drogas, prostituição infanto-juvenil, entre outros problemas graves.

Na reunião, a Seduc informou que está adotando algumas medidas, mas negou-se a estabelecer um processo de diálogo e de construção de soluções conjuntas junto aos povos indígenas do estado do Amazonas e o MPF. Foi ressaltado que a Convenção nº169 da OIT garante o direito dos povos em serem ouvidos e consultados em face de medidas legislativas e administrativas e a ausência de diálogo e consulta viola a convenção, que hoje faz parte da legislação brasileira.

# Atuação articulada

O procurador da República Fernando Soave apontou, na reunião, que o tema exige uma abordagem estruturante, envolvendo os diversos atores institucionais e os povos indígenas, com objetivo de construir conjuntamente soluções que atendam às peculiaridades locais dos diversos territórios indígenas do Amazonas – onde cerca de 25% da população do estado do Amazonas é indígena e tradicional.

Como exemplo de atuação articulada bem sucedida, o procurador citou a diferença dos resultados da chamada pública para fornecimento de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar dos povos indígenas e tradicionais: quando o processo foi construído de forma isolada pela Seduc, em 2020/2021, apenas quatro agricultores foram habilitados; em 2024, quando a chamada foi construída em conjunto com o MPF, povos indígenas e tradicionais, Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa) e outros atores parceiros, houve mais de 200 agricultores inscritos e habilitados a fornecer alimentos tradicionais diretos nas escolas das aldeias e comunidades.

O procurador da República ainda sugeriu a necessidade de construção de um concurso público culturalmente adequado com nuances em relação à exigência de licenciatura plena para a contratação de professores indígenas, ainda que temporário durante processo de formação, a exemplo do que já ocorreu na Bahia, com a contrapartida do oferecimento de vagas em universidades públicas e privadas para a formação de professores. Registrou que o MPF está disponível para a construção conjunta de soluções.

Diante da ausência de interesse e omissão da Seduc no avanço de soluções dialogadas, Fernando Soave afirmou que deverá ingressar com ação judicial em breve contra o governo estadual e a secretaria, em face das graves violações dos direitos dos povos indígenas no tema educação. Solicitou às lideranças e demais entidades que continuem a enviar ao MPF o levantamento das violações e provas da precariedade na prestação do serviço público de educação escolar indígena para apoio à ação judicial.

As lideranças indígenas reafirmaram a disposição para o diálogo, mas reforçaram a necessidade de ações concretas para evitar o contínuo abandono da educação escolar indígena no Amazonas.

# Formação superior

Ao final do mês de agosto também foi realizada reunião para tratar do tema da formação superior de professores indígenas. Participaram representantes do movimento indígena e órgãos de interesse, entre os convidados: lideranças do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam), Ministério da Educação (MEC), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Universidade Federal do Amazonas (Ufam). A Seduc não participou da reunião.

 

Fonte: Brasil de Fato/PGR no AM

 

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