quinta-feira, 26 de setembro de 2024

De volta às doenças ligadas ao saneamento

Muitas doenças que possuem como causa um agente biológico infeccioso também possuem rotas ambientais de transmissão determinantes. Trabalhos acadêmicos vêm procurando compreender essas relações e agrupar doenças e fatores ambientais na forma de classificações. Uma dessas abordagens inclui uma importante classificação ambiental, extensamente utilizada no Brasil, chamada DRSAI – Doenças Relacionadas ao Saneamento Inadequado  (Costa et al., 2002) . Na época de sua formulação, o rol de doenças que ela incluiu foi adaptada ao contexto brasileiro e abrange cinco categorias de doenças: de transmissão feco-oral, de transmissão por inseto vetor, de transmissão através de contato com a água, de transmissão relacionada com a higiene e, por fim, de transmissão causadas por geo-helmintos e teníases. Construída há mais de duas décadas, esta classificação possibilitou inúmeros avanços no conhecimento e na construção de indicadores sanitários, uma vez que o cerne da sua proposta foi direcionado a explorar os indicadores de internações hospitalares por doenças advindas da ausência de saneamento.

Mas por qual motivo uma classificação ambiental pode ser importante? Assim como as DRSAI, a ideia central para essas classificações ambientais reflete a tentativa do olhar para além das categorizações de doenças vinculadas a um modelo biomédico e unicausal, ou seja, aquelas que associam as doenças a seus agentes biológicos causadores, mobilizando a microbiologia e a parasitologia clássicas. Essas classificações, que consideram a multidimensionalidade e multicausalidade, têm sido discutidas desde a década de 1970. Uma formulação pioneira foi desenvolvida por  White et al. (1972) , chamada de “Classificação Bradley”, e conhecida por considerar a previsão dos prováveis efeitos de formas de acesso à água e o aparecimento de doenças infecciosas.

Desde então, outros componentes determinantes do saneamento foram incorporados nessas classificações para o entendimento das vias de transmissão ambiental, tal como as infecções relacionadas às excretas  (Feachem et al., 1983) , as infecções relacionadas aos resíduos sólidos  (Mara; Alabaster, 1995) , seguida pelas infecções biológicas e químicas decorrentes dos próprios sistemas de abastecimento de água, quando não geridos adequadamente  (Bartram; Hunter, 2015) . Essas classificações já receberam inúmeras contribuições, que incluíram desde novas categorias adicionadas às formulações iniciais, bem como a descoberta de novas vias de transmissão e novos agentes. Como exemplo, não é muito recente a relação entre a condições de saneamento e doenças respiratórias, o que foi consolidado no período da pandemia de Covid-19.

Esses reagrupamentos e contribuições apoiam oportuna reflexão. Tal como foram necessárias modificações nas classificações ao longo do histórico das categorizações, o contexto sanitário e ambiental atual brasileiro destaca novos agravos e condições relacionadas às DRSAI, em sua forma conceitual. Infecções respiratórias, desidratação, desnutrição, intoxicação química e outros acometimentos são ocorrências comuns na saúde de diversas populações pelo Brasil e têm sua associação com condições ambientais evidenciada.

Por sua vez, essas novas condições culminam em morbidades hospitalares e que poderiam ser cuidadosamente exploradas e incorporadas às categorias DRSAI relacionadas à internação. Outro elemento importante é que, para além dos casos de internação, as aplicações da classificação DRSAI suportam desvendar, ainda, os efeitos esperados na redução da doença quando na presença de diferentes intervenções em saneamento. Outras aplicabilidades da DRSAI original poderiam incluir, também, o uso para direcionar estudos que trouxessem luz na quantificação da perda de saúde, lesões ou incapacidades causadas por estas doenças em diversos estratos sociodemográficos no Brasil.

Genuinamente brasileira, a DRSAI não só absorveu o histórico das classificações, como também contribuiu para sua aplicação e utilidade, que nortearam diagnósticos em saúde e aportes a políticas públicas. Pontua-se, assim como a DRSAI, que outras classificações e agrupamentos podem e têm sido aplicados, como forma de ancorar maior compressão e ação efetivas voltadas para a prevenção de doenças. Cada classificação abre possibilidades para outras abordagens e estimativas que poderiam ser também utilizadas, desagregadas, agregadas novamente e ampliadas, conforme cenário e disponibilidade de dados em saúde.

 

Fonte: Instituto Rene Rachou – Fiocruz Minas

 

 

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