De volta às doenças ligadas ao saneamento
Muitas doenças que
possuem como causa um agente biológico infeccioso também possuem rotas
ambientais de transmissão determinantes. Trabalhos acadêmicos vêm procurando
compreender essas relações e agrupar doenças e fatores ambientais na forma de
classificações. Uma dessas abordagens inclui uma importante classificação
ambiental, extensamente utilizada no Brasil, chamada DRSAI – Doenças
Relacionadas ao Saneamento Inadequado
(Costa et al., 2002) . Na época de sua formulação, o rol de doenças que
ela incluiu foi adaptada ao contexto brasileiro e abrange cinco categorias de
doenças: de transmissão feco-oral, de transmissão por inseto vetor, de
transmissão através de contato com a água, de transmissão relacionada com a
higiene e, por fim, de transmissão causadas por geo-helmintos e teníases.
Construída há mais de duas décadas, esta classificação possibilitou inúmeros
avanços no conhecimento e na construção de indicadores sanitários, uma vez que
o cerne da sua proposta foi direcionado a explorar os indicadores de internações
hospitalares por doenças advindas da ausência de saneamento.
Mas por qual motivo
uma classificação ambiental pode ser importante? Assim como as DRSAI, a ideia
central para essas classificações ambientais reflete a tentativa do olhar para
além das categorizações de doenças vinculadas a um modelo biomédico e unicausal,
ou seja, aquelas que associam as doenças a seus agentes biológicos causadores,
mobilizando a microbiologia e a parasitologia clássicas. Essas classificações,
que consideram a multidimensionalidade e multicausalidade, têm sido discutidas
desde a década de 1970. Uma formulação pioneira foi desenvolvida por White et al. (1972) , chamada de
“Classificação Bradley”, e conhecida por considerar a previsão dos prováveis
efeitos de formas de acesso à água e o aparecimento de doenças infecciosas.
Desde então, outros
componentes determinantes do saneamento foram incorporados nessas
classificações para o entendimento das vias de transmissão ambiental, tal como
as infecções relacionadas às excretas
(Feachem et al., 1983) , as infecções relacionadas aos resíduos
sólidos (Mara; Alabaster, 1995) ,
seguida pelas infecções biológicas e químicas decorrentes dos próprios sistemas
de abastecimento de água, quando não geridos adequadamente (Bartram; Hunter, 2015) . Essas
classificações já receberam inúmeras contribuições, que incluíram desde novas
categorias adicionadas às formulações iniciais, bem como a descoberta de novas
vias de transmissão e novos agentes. Como exemplo, não é muito recente a
relação entre a condições de saneamento e doenças respiratórias, o que foi
consolidado no período da pandemia de Covid-19.
Esses reagrupamentos e
contribuições apoiam oportuna reflexão. Tal como foram necessárias modificações
nas classificações ao longo do histórico das categorizações, o contexto
sanitário e ambiental atual brasileiro destaca novos agravos e condições relacionadas
às DRSAI, em sua forma conceitual. Infecções respiratórias, desidratação,
desnutrição, intoxicação química e outros acometimentos são ocorrências comuns
na saúde de diversas populações pelo Brasil e têm sua associação com condições
ambientais evidenciada.
Por sua vez, essas
novas condições culminam em morbidades hospitalares e que poderiam ser
cuidadosamente exploradas e incorporadas às categorias DRSAI relacionadas à
internação. Outro elemento importante é que, para além dos casos de internação,
as aplicações da classificação DRSAI suportam desvendar, ainda, os efeitos
esperados na redução da doença quando na presença de diferentes intervenções em
saneamento. Outras aplicabilidades da DRSAI original poderiam incluir, também,
o uso para direcionar estudos que trouxessem luz na quantificação da perda de
saúde, lesões ou incapacidades causadas por estas doenças em diversos estratos
sociodemográficos no Brasil.
Genuinamente
brasileira, a DRSAI não só absorveu o histórico das classificações, como também
contribuiu para sua aplicação e utilidade, que nortearam diagnósticos em saúde
e aportes a políticas públicas. Pontua-se, assim como a DRSAI, que outras
classificações e agrupamentos podem e têm sido aplicados, como forma de ancorar
maior compressão e ação efetivas voltadas para a prevenção de doenças. Cada
classificação abre possibilidades para outras abordagens e estimativas que
poderiam ser também utilizadas, desagregadas, agregadas novamente e ampliadas,
conforme cenário e disponibilidade de dados em saúde.
Fonte: Instituto Rene
Rachou – Fiocruz Minas
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