Apenas 25% dos pacientes conhecem a nova
política nacional do câncer, aponta pesquisa
A lei 14.758/2023, que
institui a nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC),
foi sancionada no fim de 2023 e entrou em vigor em junho deste ano, mas apenas
25% dos pacientes oncológicos conhecem o instrumento. É o que aponta pesquisa
inédita realizada pela Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE) e
apresentada na abertura da 11ª edição do Congresso Todos Juntos Contra o Câncer
– o encontro acontece em São Paulo, SP, de 17 a 19 de setembro. Os dados
apontam a necessidade de mais ações para disseminar a regulamentação ao
público, o que inclui planejamento estratégico e apoio político.
“O Brasil já possuía
uma política há mais de 10 anos, só que por meio de uma portaria do Ministério
da Saúde. Agora, ao se tornar lei, ela ganha uma força diferente e isso muda o
cenário”, afirma a médica sanitarista Catherine Moura, líder do Movimento Todos
Juntos Contra o Câncer e CEO da ABRALE. “É preciso que a gente concretize essa
política para que ela de fato seja efetiva.”
O estudo foi
apresentado na plenária do evento e seguida por debate que reuniu importantes
nomes do cenário oncológico brasileiro. O painel foi mediado pelo jornalista e
apresentador Rodrigo Bocardi e contou, além de Moura, com Katia Leite, médica
patologista e membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de
Patologia, Nelson Teich, oncologista e ex-ministro da Saúde, Roberto Gil,
oncologista clínico e diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA), e
Renato Casarotti, vice-presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde
(ABRAMGE).
• Pesquisa identificou mais lacunas
A pesquisa ouviu 2.107
pessoas entre pacientes oncológicos, gestores, profissionais de saúde da área
de oncologia e a população geral. No caso dos gestores, quando perguntados
sobre pontos da jornada que não foram contemplados devidamente no texto final da
política, a principal queixa foi em relação à organização da vigilância em
saúde relacionada ao câncer e outras estratégias de monitoramento, com o
apontamento de 43% dos entrevistados. O financiamento também foi mencionado por
29% deles.
Os gestores apontaram
ainda desafios na implantação prática do projeto. O principal fator sinalizado
como entrave foi o desconhecimento da nova lei por parte das equipes de saúde,
como afirmaram 58% dos entrevistados. Em seguida, estão questões de financiamento
(38%) e carência de recursos humanos adequados (31%). Já as equipes de saúde
sentiram falta de um arcabouço mais robusto que contemplasse a qualificação
profissional para a própria rede, destacado por 28% dos entrevistados.
Outro ponto de
destaque da pesquisa foi a navegabilidade do paciente oncológico dentro do
sistema de saúde, seja ele público ou privado, tido como um dos principais
desafios para o acesso pleno a um tratamento efetivo. Parte dos pacientes
entrevistados (29%) afirmou não ter recebido o diagnóstico em 30 dias – como
estipulado por lei – nem acesso à equipe multidisciplinar (23%), fundamental
especialmente para esse perfil de paciente. A dificuldade de acesso a exames
também foi uma queixa para 23%.
Para Roberto Gil,
diretor-executivo do INCA, a grande dificuldade com relação à lei dos 30 dias,
está no fato de que embora haja um respaldo legal, a realidade da grande
maioria dos médicos que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não
mudou de fato, e cita o histórico de subfinanciamento da oncologia no país:
“Lembro que a lei dos
30 dias surgiu quando eu ainda atuava como médico, e pensei: como eu vou fazer
isso se não mudou nada na minha realidade? Tenho que fazer o diagnóstico em 30
dias, começar o tratamento em 60, mas como faço isso? Há uma questão de financiamento.
A saúde é subfinanciada, e essa era a realidade do da oncologia no passado
também. Estamos passando por uma transição demográfica e as doenças crônicas
não transmissíveis aumentaram muito em função da idade. O financiamento desses
setores não acompanhou.”
Na visão dele, é
preciso engajar a sociedade como um todo para aderir a ações preventivas. “Não
vamos ter dinheiro para todas as coisas. Por isso mesmo a responsabilidade tem
que ser de todos nós, temos que olhar para isso”, ressalta.
• Financiamento ainda é principal desafio
Um dos nomes
responsáveis pelo desenvolvimento da Política Nacional de Prevenção e Controle
de Câncer, Nelson Teich defendeu que é preciso adotar uma postura mais prática
em relação à saúde. “Temos que trabalhar com a realidade. A gente comemora
muita promessa, mas não tem entrega. Ainda se entrega muito pouco.”
De acordo com o
ex-ministro da saúde, a ideia de que as soluções para a saúde coletiva ainda
estão envoltas em uma atmosfera mais idealista atrapalha a chegada a resoluções
mais efetivas em problemas como o próprio financiamento: “Há um problema
prático que é o seguinte: o que move a saúde não é a sociedade, é dinheiro e
poder. A solução é trabalhar entendendo como as pessoas se comportam a partir
dessa perspectiva, e a partir daí podemos fazer algo para ajudar o sistema de
fato.”
Teich anunciou que um
novo banco de dados para entender o financiamento e os gaps orçamentários na
aplicação de recursos da saúde nos municípios deve ser lançado em novembro.
“Será uma plataforma pública e atualizada mensalmente. Colocamos as necessidades
da sociedade, a estrutura hoje, o que está acontecendo com o acesso e os
pacientes e para onde está indo o dinheiro. A ideia é fazer um grande
diagnóstico trazendo o financiamento detalhado do país inteiro, até o nível
municipal, para entender o que está acontecendo e atuar em cima disso.”
• Desigualdade regional
Diante dos desafios de
financiamento e aplicação prática, há preocupação para evitar que a
complexidade e a amplitude da PNPCC provoquem uma “tendência à inércia”, como
pontuou Renato Casarotti, da Abramge. “O principal desafio é que se a gente não
encontrar uma forma de trazer uma regulamentação com uma característica de
executividade, a chance de isso ficar no papel é muito grande. Quando chega uma
política complexa, muito abrangente, naturalmente a tendência do gestor é
travar. O desafio é esse: trazer uma regulamentação que traga equilíbrio e
priorize ações”, analisa.
Ele também chamou a
atenção para as particularidades locais pelo Brasil e a importância de se
pensar em estratégias que permitam que o acesso pleno aos direitos previstos na
política ocorra mesmo em diferentes realidades, sem que isso se torne um
entrave generalizado:
“É interessante pensar
em uma implementação que leve em consideração os diferentes níveis de
maturidade do nosso país e de cada uma das regiões. Sei que o destino é ter
sempre o melhor cuidado integral para 100% da população, mas o nível de
maturidade da entrega desses cuidados é diferente. Como eu trago prioridades
para a Grande São Paulo, mas ao mesmo tempo respeitando as diferenças do
interior do Tocantins, por exemplo? É preciso entender essa diferença.”
• Convite para a ação
Para Moura, os
próximos passos devem contemplar até mesmo ações estratégicas de comunicação
para que o paciente oncológico possa conhecer os seus direitos e cobrá-los: “É
urgente garantir que os pacientes tenham acesso. Mas não só um acesso de
utilização de serviços, é um acesso pleno aos cuidados de saúde, que começa
antes inclusive do diagnóstico. Os próximos passos deveriam ampliar bastante as
estratégias de disseminação de informação relacionada à política. O que ela
traz de alterações e quais são os direitos de pacientes.”
O fim do debate foi
marcado por um compromisso firmado entre os representantes dos diferentes
atores da saúde, um reencontro na próxima edição para discutir e celebrar
movimentações práticas em direção à consolidação da nova Política Nacional de
Prevenção e Controle do Câncer.
“Nós podemos nos
comprometer e tentar apresentar o avanço numa ação de mobilização para
construirmos uma agenda política positiva contra o câncer, ou melhor, em favor
da saúde como um todo, público e privada. Só que para isso, a gente precisa
construir um diálogo qualificado e engajado, com participação de diferentes
agentes e também dos três poderes”, afirmou a CEO da Abrale. “Temos uma nova
política nacional que não resolve tudo e não tem um efeito automático imediato,
mas ela foi o primeiro passo e é um passo importante, que muda bastante a forma
como a gente agora pode se posicionar para fazer esse diálogo.”
Fonte: Futuro da Saúde
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