quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Apenas 25% dos pacientes conhecem a nova política nacional do câncer, aponta pesquisa

A lei 14.758/2023, que institui a nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC), foi sancionada no fim de 2023 e entrou em vigor em junho deste ano, mas apenas 25% dos pacientes oncológicos conhecem o instrumento. É o que aponta pesquisa inédita realizada pela Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE) e apresentada na abertura da 11ª edição do Congresso Todos Juntos Contra o Câncer – o encontro acontece em São Paulo, SP, de 17 a 19 de setembro. Os dados apontam a necessidade de mais ações para disseminar a regulamentação ao público, o que inclui planejamento estratégico e apoio político.

“O Brasil já possuía uma política há mais de 10 anos, só que por meio de uma portaria do Ministério da Saúde. Agora, ao se tornar lei, ela ganha uma força diferente e isso muda o cenário”, afirma a médica sanitarista Catherine Moura, líder do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer e CEO da ABRALE. “É preciso que a gente concretize essa política para que ela de fato seja efetiva.”

O estudo foi apresentado na plenária do evento e seguida por debate que reuniu importantes nomes do cenário oncológico brasileiro. O painel foi mediado pelo jornalista e apresentador Rodrigo Bocardi e contou, além de Moura, com Katia Leite, médica patologista e membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Patologia, Nelson Teich, oncologista e ex-ministro da Saúde, Roberto Gil, oncologista clínico e diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA), e Renato Casarotti, vice-presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (ABRAMGE).

•        Pesquisa identificou mais lacunas

A pesquisa ouviu 2.107 pessoas entre pacientes oncológicos, gestores, profissionais de saúde da área de oncologia e a população geral. No caso dos gestores, quando perguntados sobre pontos da jornada que não foram contemplados devidamente no texto final da política, a principal queixa foi em relação à organização da vigilância em saúde relacionada ao câncer e outras estratégias de monitoramento, com o apontamento de 43% dos entrevistados. O financiamento também foi mencionado por 29% deles.

Os gestores apontaram ainda desafios na implantação prática do projeto. O principal fator sinalizado como entrave foi o desconhecimento da nova lei por parte das equipes de saúde, como afirmaram 58% dos entrevistados. Em seguida, estão questões de financiamento (38%) e carência de recursos humanos adequados (31%). Já as equipes de saúde sentiram falta de um arcabouço mais robusto que contemplasse a qualificação profissional para a própria rede, destacado por 28% dos entrevistados.

Outro ponto de destaque da pesquisa foi a navegabilidade do paciente oncológico dentro do sistema de saúde, seja ele público ou privado, tido como um dos principais desafios para o acesso pleno a um tratamento efetivo. Parte dos pacientes entrevistados (29%) afirmou não ter recebido o diagnóstico em 30 dias – como estipulado por lei – nem acesso à equipe multidisciplinar (23%), fundamental especialmente para esse perfil de paciente. A dificuldade de acesso a exames também foi uma queixa para 23%.

Para Roberto Gil, diretor-executivo do INCA, a grande dificuldade com relação à lei dos 30 dias, está no fato de que embora haja um respaldo legal, a realidade da grande maioria dos médicos que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não mudou de fato, e cita o histórico de subfinanciamento da oncologia no país:

“Lembro que a lei dos 30 dias surgiu quando eu ainda atuava como médico, e pensei: como eu vou fazer isso se não mudou nada na minha realidade? Tenho que fazer o diagnóstico em 30 dias, começar o tratamento em 60, mas como faço isso? Há uma questão de financiamento. A saúde é subfinanciada, e essa era a realidade do da oncologia no passado também. Estamos passando por uma transição demográfica e as doenças crônicas não transmissíveis aumentaram muito em função da idade. O financiamento desses setores não acompanhou.”

Na visão dele, é preciso engajar a sociedade como um todo para aderir a ações preventivas. “Não vamos ter dinheiro para todas as coisas. Por isso mesmo a responsabilidade tem que ser de todos nós, temos que olhar para isso”, ressalta.

•        Financiamento ainda é principal desafio

Um dos nomes responsáveis pelo desenvolvimento da Política Nacional de Prevenção e Controle de Câncer, Nelson Teich defendeu que é preciso adotar uma postura mais prática em relação à saúde. “Temos que trabalhar com a realidade. A gente comemora muita promessa, mas não tem entrega. Ainda se entrega muito pouco.”

De acordo com o ex-ministro da saúde, a ideia de que as soluções para a saúde coletiva ainda estão envoltas em uma atmosfera mais idealista atrapalha a chegada a resoluções mais efetivas em problemas como o próprio financiamento: “Há um problema prático que é o seguinte: o que move a saúde não é a sociedade, é dinheiro e poder. A solução é trabalhar entendendo como as pessoas se comportam a partir dessa perspectiva, e a partir daí podemos fazer algo para ajudar o sistema de fato.”

Teich anunciou que um novo banco de dados para entender o financiamento e os gaps orçamentários na aplicação de recursos da saúde nos municípios deve ser lançado em novembro. “Será uma plataforma pública e atualizada mensalmente. Colocamos as necessidades da sociedade, a estrutura hoje, o que está acontecendo com o acesso e os pacientes e para onde está indo o dinheiro. A ideia é fazer um grande diagnóstico trazendo o financiamento detalhado do país inteiro, até o nível municipal, para entender o que está acontecendo e atuar em cima disso.”

•        Desigualdade regional

Diante dos desafios de financiamento e aplicação prática, há preocupação para evitar que a complexidade e a amplitude da PNPCC provoquem uma “tendência à inércia”, como pontuou Renato Casarotti, da Abramge. “O principal desafio é que se a gente não encontrar uma forma de trazer uma regulamentação com uma característica de executividade, a chance de isso ficar no papel é muito grande. Quando chega uma política complexa, muito abrangente, naturalmente a tendência do gestor é travar. O desafio é esse: trazer uma regulamentação que traga equilíbrio e priorize ações”, analisa.

Ele também chamou a atenção para as particularidades locais pelo Brasil e a importância de se pensar em estratégias que permitam que o acesso pleno aos direitos previstos na política ocorra mesmo em diferentes realidades, sem que isso se torne um entrave generalizado:

“É interessante pensar em uma implementação que leve em consideração os diferentes níveis de maturidade do nosso país e de cada uma das regiões. Sei que o destino é ter sempre o melhor cuidado integral para 100% da população, mas o nível de maturidade da entrega desses cuidados é diferente. Como eu trago prioridades para a Grande São Paulo, mas ao mesmo tempo respeitando as diferenças do interior do Tocantins, por exemplo? É preciso entender essa diferença.”

•        Convite para a ação

Para Moura, os próximos passos devem contemplar até mesmo ações estratégicas de comunicação para que o paciente oncológico possa conhecer os seus direitos e cobrá-los: “É urgente garantir que os pacientes tenham acesso. Mas não só um acesso de utilização de serviços, é um acesso pleno aos cuidados de saúde, que começa antes inclusive do diagnóstico. Os próximos passos deveriam ampliar bastante as estratégias de disseminação de informação relacionada à política. O que ela traz de alterações e quais são os direitos de pacientes.”

O fim do debate foi marcado por um compromisso firmado entre os representantes dos diferentes atores da saúde, um reencontro na próxima edição para discutir e celebrar movimentações práticas em direção à consolidação da nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer.

“Nós podemos nos comprometer e tentar apresentar o avanço numa ação de mobilização para construirmos uma agenda política positiva contra o câncer, ou melhor, em favor da saúde como um todo, público e privada. Só que para isso, a gente precisa construir um diálogo qualificado e engajado, com participação de diferentes agentes e também dos três poderes”, afirmou a CEO da Abrale. “Temos uma nova política nacional que não resolve tudo e não tem um efeito automático imediato, mas ela foi o primeiro passo e é um passo importante, que muda bastante a forma como a gente agora pode se posicionar para fazer esse diálogo.”

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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