quinta-feira, 26 de setembro de 2024

O que é o grupo radical islâmico Hezbollah

Em 2022 o Wilson Center de Washington descreveu o braço armado do Hezbollah como "o mais formidável protagonista militar não estatal do Oriente Médio – e possivelmente do mundo". Patrocinado pelo Irã, o grupo cujo nome significa "Partido de Deus" formou-se e é baseado no Líbano e, mais do que ser uma formação militar, está profundamente arraigado na política e sociedade libanesas.

"Seu extenso aparato de segurança, organização política e rede de serviços sociais fomentaram a reputação de 'Estado dentro do Estado', descreve o think tank americano Council on Foreign Relations (CFR).

Diversos países, inclusive os Estados Unidos em 1997 e a Alemanha em 2020, classificaram o Hezbollah como organização terrorista. A decisão é considerada polêmica devido ao papel que ele tem desempenhado em sucessivos governos libaneses desde 1992.

A ampla rede de serviços sociais que o Hezbollah fornece, incluindo hospitais, escolas e instituições de previdência, o torna relativamente popular no país, sobretudo entre os muçulmanos xiitas, que constituem cerca de um terço da população libanesa. Uma consulta realizada em 2020 mostrou que 89% deles tinham uma opinião positiva do grupo. Para seus críticos, ele impele o Líbano a situações de conflito.

·        Fundado em 1982 durante a guerra civil

O Hezbollah foi fundado em 1982 durante o caos da Guerra Civil Libanesa. Iniciada em 1975, ela durou 15 anos e viu diferentes setores da sociedade nacional – entre os quais muçulmanos, cristãos, esquerdistas e nacionalistas árabes – se voltarem uns contra os outros. Grupos armados sírios e palestinos também estiveram envolvidos.

Então "em meio à luta interna [libanesa], forças israelenses invadiram o sul do Líbano em 1978 e novamente em 1982, a fim de expulsar os guerrilheiros palestinos que usavam a região como base para atacar Israel", relata o CFR.

Uma facção de muçulmanos xiitas decidiu enfrentar os militares israelenses. Percebendo uma oportunidade de intensificar sua influência no mundo árabe, o Irã, de maioria persa, passou a treinar e financiar a milícia recém-formada.

Atualmente o país está por trás de numerosos grupos paramilitares do Oriente Médio, inclusive o Hamas, nos territórios palestinos, e milícias no Iraque. O governo americano calcula que o Irã forneça cerca de 700 milhões por ano ao Hezbollah.

Com o passar do tempo, os objetivos locais do Hezbollah se abrandaram um pouco, à medida que ele se envolvia mais na política mainstream. Em 2009 publicou um novo manifesto reconhecendo que um regime radical islâmico talvez não fosse adequado ao Líbano. No entanto ainda se opõe ao vizinho Israel, com quem entra periodicamente em choque, em geral lançando mísseis por sobre a fronteira.

¨      Quantas armas e onde está ativo

O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, gabava-se de dispor de 100 mil guerrilheiros, mas especialistas sugerem que o número real é menor. Por outro lado, possui um arsenal considerável, "composto principalmente por mísseis de artilharia superfície-superfície pequenos, portáteis e não guiados", calculava em 2021 o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) em seu relatório sobre ameaça de mísseis.

Analistas estimam em 130 mil ou mais o número desses projéteis, em parte também teleguiados e capazes de direcionamento de precisão. As munições do Hezbollah são principalmente de fabricação iraniana, chinesa ou russa e obtidas via Irã ou Síria.

O Hezbollah é considerado um inimigo formidável, e sem dúvida ao menos parte de seus combatentes tem experiência de batalha. Ao lado de seu patrocinador Irã, há muito é um aliado do brutal regime da Síria, onde alguns de seus membros combateram o grupo extremista autodenominado "Estado Islâmico" (EI).

Os guerrilheiros do Hezbollah também combateram depois de 2014 o EI no Iraque, país onde estão aliados a milícias patrocinadas pelo Irã. Além disso, enviaram treinadores e combatentes para o Iêmen em 2015, a fim de auxiliar os houthis em sua guerra contra a Arábia Saudita.

¨      A história dos embates entre Israel e o Hezbollah no Líbano

Embora a violência tenha recentemente aumentado, há décadas a fronteira entre Israel e o Líbano é cenário de conflitos. Veja nesta linha do tempo as principais fases da série de hostilidades entre os dois lados.

<><> Antes de 1948:

Líbano tornou-se independente de seus governantes coloniais franceses em 1943 e, mesmo antes do estabelecimento do Estado de Israel, os libaneses já estavam debatendo que tipo de relacionamento poderiam ter com seus vizinhos.

O governo libanês sempre representou uma ampla gama de diferentes grupos religiosos e étnicos, e alguns achavam que poderiam se alinhar com os sionistas que queriam estabelecer um Estado judeu. Entretanto, outros elementos do Estado libanês acreditam que seria impossível ter um bom relacionamento com Israel e também com os Estados árabes vizinhos.

<><> 1948:

Em 14 de maio, no mesmo dia em que é declarada a fundação do Estado de Israel, Egito, Síria, Jordânia, Iraque e Líbano declaram guerra ao novo Estado. Já havia incidentes violentos no que era o Mandato Britânico da Palestina obrigatória, controlada pelo Reino Unido. As Nações Unidas concordaram que o Mandato deveria ser dividido em dois Estados – um judeu e um árabe, ou palestino –, mas muitos países árabes discordam e se recusam a aceitar o plano.

A guerra continua até o início de 1949, quando Israel e alguns Estados árabes, incluindo o Líbano, concordam com as linhas formais do armistício. Esse acordo resulta no que seria conhecido como a Linha Verde ou Fronteira do Armistício de 1949. A maioria dos Estados árabes insiste que essas fronteiras são temporárias, embora o Líbano não o faça.

No final da guerra, Israel detém cerca de 40% da área inicialmente destinada aos palestinos pelo Plano de Partilha da ONU de 1947.

Naquela época, cerca de 100 mil refugiados palestinos, que haviam sido forçados a deixar suas casas, haviam fugido para o Líbano. Em 1949, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA), foi criada para ajudá-los.

<><> 1965:

Até esse ano, a fronteira entre Líbano e Israel era relativamente pacífica. Mas então um novo grupo nacionalista palestino, o Fatah, começa a lançar ataques contra Israel do outro lado da fronteira.

Outros novos grupos militantes palestinos também lançam ataques a partir da Síria e da Jordânia. No próprio Líbano, a opinião pública continua dividida em relação ao conflito, devido ao fato de vários grupos demográficos terem opiniões diferentes sobre ele.

<><> 1967:

As tensões entre Israel e seus vizinhos árabes aumentam, e o Egito, a Síria e a Jordânia se mobilizam contra Israel. Após um ataque preventivo de Israel à Força Aérea egípcia em reação à mobilização, Israel derrota as nações árabes alinhadas contra ele, no que agora é conhecido como a Guerra dos Seis Dias.

O Líbano não se envolveu fortemente nos combates, mas milhares de refugiados palestinos fugiram pela fronteira para o Líbano.

<><> 1969:

O Líbano concorda que a então recém-criada Organização para a Libertação da Palestina (OLP) passe a administrar 16 campos de refugiados palestinos no Líbano, sob o nome de Comando da Luta Armada Palestina. Essa organização acaba se tornando uma espécie de força policial nos campos.

<><> 1970:

Após iniciar uma revolta fracassada contra a família real jordaniana, a OLP muda sua sede principal da Jordânia para a capital do Líbano, Beirute. A entidade transfere seu quartel-general militar para o sul do Líbano. Isso leva ao aumento dos conflitos entre o Líbano e Israel.

<><> 1973:

Forças especiais israelenses aterrissam na costa libanesa e, como parte da Operação Cólera de Deus, de Israel, assassinam três líderes da OLP. As mortes são uma retaliação à operação de tomada de reféns de atletas israelenses pela organização militante palestina Setembro Negro durante as Olimpíadas de Munique em 1972.

<><> 1978:

Israel invade o sul do Líbano, perseguindo militantes palestinos que continuaram a realizar ataques transfronteiriços. Isso inclui combatentes que mataram mais de 30 civis israelenses em um ônibus sequestrado.

O Exército de Israel avança até o rio Litani, a cerca de 29 quilômetros da fronteira, e o Conselho de Segurança da ONU exige sua retirada imediata na Resolução 425 da ONU.

Como parte da resolução, a ONU estabelece uma "força interina para o sul do Líbano com o objetivo de confirmar a retirada das forças israelenses, estabelecer a paz e a segurança internacionais" e garantir que o governo libanês recupere o controle da área.

A Força Interina da ONU no Líbano (Unifil), continua operando no local até hoje.

<><> 1982:

Em junho, Israel invade o Líbano, perseguindo os combatentes da OLP que realizam ataques transfronteiriços. Israel também começou a financiar e treinar uma milícia cristã libanesa chamada Exército do Sul do Líbano (ESL) que se opõe à OLP.

As tensões estavam aumentando no Líbano e isso deu início à Guerra Civil Libanesa de 1975 a 1990.  Israel apoia o ESL contra outras forças na guerra que são apoiadas pela Síria.

Forças cristãs nacionalistas de direita e outras forças matam centenas de civis em campos de refugiados palestinos, no que ficou conhecido como o Massacre de Sabra e Shatila. Posteriormente, várias comissões de inquérito descobriram que, embora as forças israelenses estacionadas no local não tenham sido diretamente responsáveis pelo massacre, elas foram culpadas por permiti-lo. As fontes divergem quanto ao número de mortos, mas os especialistas mais tarde afirmaram que cerca de 3 mil civis foram mortos.

Essa invasão israelense do Líbano acabou resultando na criação do Hezbollah. Quando um grupo de clérigos muçulmanos xiitas no Líbano decidiu pegar em armas contra os israelenses, o novo governo teocrático do Irã – também muçulmano xiita – forneceu-lhes fundos e treinamento.

<><> 1985:

Depois de três anos, Israel acaba se retirando da área de Beirute em direção ao rio Litani, onde ocupa oficialmente uma área de cerca de 850 quilômetros quadrados entre o rio e a fronteira israelense. Israel argumenta que precisa de uma zona tampão de segurança nessa área para proteger os civis israelenses nas cidades fronteiriças. Isso é feito com a ajuda do ESL.

Nos anos seguintes, os israelenses na zona de segurança tornam-se alvo de militantes. Em 2000, Israel se retira do território libanês, de acordo com a Resolução 425 de 1978 do Conselho de Segurança da ONU.

<><> 1993:

Em julho, Israel lança o que chama de Operação Responsabilidade. no Líbano, ela é conhecida como a Guerra dos Sete Dias. Os combates começaram após uma série de ataques de combatentes de Israel e do Hezbollah perto da fronteira, que mataram civis e soldados de ambos os lados. Centenas de milhares de pessoas ficaram desabrigadas. Depois de uma semana, os EUA negociam um cessar-fogo.

<><> 1996:

Em abril, Israel inicia o que chama de Operação Vinhas da Ira, em uma aparente tentativa de deslocar civis em direção a Beirute, para pressionar o governo libanês a desarmar o Hezbollah. Israel aconselha os moradores dos vilarejos do sul do Líbano a saírem e começa a bombardear pesadamente a área.

Durante a operação de 17 dias, Israel realiza cerca de 600 ataques aéreos, bombardeia o aeroporto e as usinas de energia de Beirute e também bloqueia vários portos libaneses. O Hezbollah responde com disparos de foguetes. Centenas de milhares de civis são deslocados em ambos os lados da fronteira.

Um bombardeio israelense contra um complexo da ONU perto da aldeia libanesa de Qana mata mais de 100 pessoas que estavam abrigadas no local, incluindo cerca de 37 crianças. Centenas de outras pessoas ficaram feridas, incluindo as forças de paz da ONU. Israel afirma que o bombardeio foi acidental. O incidente atrai a condenação internacional e, mais tarde, membros da Al Qaeda diriam que o massacre de Qana os motivou a começar a atacar os EUA.

A operação dura 17 dias e termina com um entendimento mútuo, mediado pelos EUA, de que civis não são alvos legítimos.

<>< 2000:

Israel se retira do sul do Líbano até a Linha Azul, uma demarcação estabelecida pela ONU como linha de fronteira temporária para que a Unifil pudesse monitorar a retirada israelense.

<><> 2006:

O Hezbollah captura dois soldados israelenses em um ataque transfronteiriço e mata vários outros. O grupo exige a libertação de prisioneiros palestinos em troca dos soldados reféns. Israel se recusa e lança uma campanha militar de cinco semanas, que ficou conhecida como no Líbano como a Guerra de Julho.

O conflito desloca até um milhão de libaneses e meio milhão de israelenses. Cerca de 1.200 libaneses são mortos, assim como 158 israelenses, quase todos soldados. A infraestrutura libanesa é muito danificada.

A luta termina com uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que exige que o Hezbollah se desarme e que o Exército israelense se retire, além de expandir o mandato da Unifil para que possa usar a força para impedir atividades hostis na área de fronteira que supervisiona.

Tanto Israel quanto o Hezbollah consideram isso uma vitória. Em outubro, Israel já havia se retirado em sua maior parte.

<><> 2023:

Desde 2006, tem havido ataques regulares na fronteira sul do Líbano. Tudo isso mudou após o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro – o conflito se intensificou.

<><> 2024:

Em meados de setembro, uma série de explosões de pagers e walkie-talkies usados por integrantes do Hezbollah deixou 37 mortos e mais de 3 mil feriados no Líbano. A organização usa walkie-talkies e pagers porque, ao contrário dos telefones celulares, eles não podem ser localizados. O grupo xiita acusou Israel pelo ataque.

Em Taiwan, o escritório do promotor público iniciou uma investigação sobre a empresa que fabrica esses dispositivos. O jornal The New York Times havia informado anteriormente que o serviço secreto israelense havia colocado explosivos numa encomenda de pagers feita na empresa pelo Hezbollah.

Após a onda de explosões, as trocas de ataques foram intensificadas na região, com pesados bombardeios israelenses no sul do Líbano e o Hezbollah lançando drones e mísseis contra o norte de Israel.

 

Fonte: DW Brasil

 

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