O que é o grupo radical islâmico Hezbollah
Em 2022 o Wilson
Center de Washington descreveu o braço armado do Hezbollah como "o mais formidável protagonista militar não
estatal do Oriente Médio – e possivelmente do mundo". Patrocinado
pelo Irã, o grupo cujo nome significa "Partido
de Deus" formou-se e é baseado no Líbano e, mais do que ser uma formação militar, está
profundamente arraigado na política e sociedade libanesas.
"Seu extenso
aparato de segurança, organização política e rede de serviços sociais
fomentaram a reputação de 'Estado dentro do Estado', descreve o think tank
americano Council on Foreign Relations (CFR).
Diversos países,
inclusive os Estados Unidos em 1997 e a Alemanha em 2020, classificaram
o Hezbollah como organização terrorista. A decisão é considerada polêmica
devido ao papel que ele tem desempenhado em sucessivos governos libaneses desde
1992.
A ampla rede de
serviços sociais que o Hezbollah fornece, incluindo hospitais, escolas e
instituições de previdência, o torna relativamente popular no país, sobretudo
entre os muçulmanos xiitas, que constituem cerca de um terço da população
libanesa. Uma consulta realizada em 2020 mostrou que 89% deles tinham uma
opinião positiva do grupo. Para seus críticos, ele impele o Líbano a situações
de conflito.
·
Fundado em 1982 durante a guerra civil
O Hezbollah foi
fundado em 1982 durante o caos da Guerra Civil Libanesa. Iniciada em 1975, ela
durou 15 anos e viu diferentes setores da sociedade nacional – entre os quais
muçulmanos, cristãos, esquerdistas e nacionalistas árabes – se voltarem uns
contra os outros. Grupos armados sírios e palestinos também estiveram
envolvidos.
Então "em meio à
luta interna [libanesa], forças israelenses invadiram o sul do Líbano em 1978 e
novamente em 1982, a fim de expulsar os guerrilheiros palestinos que usavam a
região como base para atacar Israel", relata o CFR.
Uma facção de
muçulmanos xiitas decidiu enfrentar os militares israelenses. Percebendo uma
oportunidade de intensificar sua influência no mundo árabe, o Irã, de maioria
persa, passou a treinar e financiar a milícia recém-formada.
Atualmente o país está
por trás de numerosos grupos paramilitares do Oriente Médio, inclusive o Hamas,
nos territórios palestinos, e milícias no Iraque. O governo americano calcula
que o Irã forneça cerca de 700 milhões por ano ao Hezbollah.
Com o passar do tempo,
os objetivos locais do Hezbollah se abrandaram um pouco, à medida que ele se
envolvia mais na política mainstream. Em 2009 publicou um novo manifesto
reconhecendo que um regime radical islâmico talvez não fosse adequado ao
Líbano. No entanto ainda se opõe ao vizinho Israel, com quem entra periodicamente em choque, em geral lançando
mísseis por sobre a fronteira.
¨
Quantas armas e onde está ativo
O líder do Hezbollah,
Hassan Nasrallah, gabava-se de dispor de 100 mil guerrilheiros, mas
especialistas sugerem que o número real é menor. Por outro lado, possui um
arsenal considerável, "composto principalmente por mísseis de artilharia
superfície-superfície pequenos, portáteis e não guiados", calculava em
2021 o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) em seu relatório
sobre ameaça de mísseis.
Analistas estimam em
130 mil ou mais o número desses projéteis, em parte também teleguiados e
capazes de direcionamento de precisão. As munições do Hezbollah são
principalmente de fabricação iraniana, chinesa ou russa e obtidas via Irã
ou Síria.
O Hezbollah é
considerado um inimigo formidável, e sem dúvida ao menos parte de seus
combatentes tem experiência de batalha. Ao lado de seu patrocinador Irã, há
muito é um aliado do brutal regime da Síria, onde alguns de seus membros
combateram o grupo extremista autodenominado "Estado Islâmico" (EI).
Os guerrilheiros do
Hezbollah também combateram depois de 2014 o EI no Iraque, país onde estão
aliados a milícias patrocinadas pelo Irã. Além disso, enviaram treinadores e
combatentes para o Iêmen em 2015, a fim de auxiliar os houthis em sua guerra
contra a Arábia Saudita.
¨ A história dos embates entre Israel e o Hezbollah no Líbano
Embora a violência
tenha recentemente aumentado, há décadas a fronteira entre Israel e o Líbano é
cenário de conflitos. Veja nesta linha do tempo as principais fases da série de
hostilidades entre os dois lados.
<><> Antes
de 1948:
O Líbano tornou-se independente de seus governantes coloniais
franceses em 1943 e, mesmo antes do estabelecimento do Estado de Israel, os
libaneses já estavam debatendo que tipo de relacionamento poderiam ter com seus
vizinhos.
O governo libanês
sempre representou uma ampla gama de diferentes grupos religiosos e étnicos, e
alguns achavam que poderiam se alinhar com os sionistas que queriam estabelecer
um Estado judeu. Entretanto, outros elementos do Estado libanês acreditam que
seria impossível ter um bom relacionamento com Israel e também com os Estados árabes vizinhos.
<><> 1948:
Em 14 de maio, no
mesmo dia em que é declarada a fundação do Estado de Israel, Egito, Síria,
Jordânia, Iraque e Líbano declaram guerra ao novo Estado. Já havia incidentes
violentos no que era o Mandato Britânico da Palestina obrigatória, controlada
pelo Reino Unido. As Nações
Unidas concordaram que o Mandato deveria ser
dividido em dois Estados – um judeu e um árabe, ou palestino –, mas muitos
países árabes discordam e se recusam a aceitar o plano.
A guerra continua até
o início de 1949, quando Israel e alguns Estados árabes, incluindo o Líbano,
concordam com as linhas formais do armistício. Esse acordo resulta no que seria
conhecido como a Linha Verde ou Fronteira do Armistício de 1949. A maioria
dos Estados árabes insiste que essas fronteiras são temporárias, embora o
Líbano não o faça.
No final da guerra,
Israel detém cerca de 40% da área inicialmente destinada aos palestinos pelo
Plano de Partilha da ONU de 1947.
Naquela época, cerca
de 100 mil refugiados palestinos, que haviam sido forçados a deixar suas casas,
haviam fugido para o Líbano. Em 1949, a Agência das Nações Unidas de
Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA), foi criada
para ajudá-los.
<><> 1965:
Até esse ano, a
fronteira entre Líbano e Israel era relativamente pacífica. Mas então um novo
grupo nacionalista palestino, o Fatah, começa a lançar ataques contra Israel do
outro lado da fronteira.
Outros novos grupos
militantes palestinos também lançam ataques a partir da Síria e da Jordânia. No
próprio Líbano, a opinião pública continua dividida em relação ao conflito,
devido ao fato de vários grupos demográficos terem opiniões diferentes sobre
ele.
<><> 1967:
As tensões entre
Israel e seus vizinhos árabes aumentam, e o Egito, a Síria e a Jordânia se
mobilizam contra Israel. Após um ataque preventivo de Israel à Força Aérea
egípcia em reação à mobilização, Israel derrota as nações árabes alinhadas
contra ele, no que agora é conhecido como a Guerra dos Seis Dias.
O Líbano não se
envolveu fortemente nos combates, mas milhares de refugiados palestinos fugiram
pela fronteira para o Líbano.
<><> 1969:
O Líbano concorda que
a então recém-criada Organização para a Libertação da Palestina (OLP) passe a
administrar 16 campos de refugiados palestinos no Líbano, sob o nome de Comando
da Luta Armada Palestina. Essa organização acaba se tornando uma espécie de
força policial nos campos.
<><> 1970:
Após iniciar uma
revolta fracassada contra a família real jordaniana, a OLP muda sua sede
principal da Jordânia para a capital do Líbano, Beirute. A entidade transfere
seu quartel-general militar para o sul do Líbano. Isso leva ao aumento dos
conflitos entre o Líbano e Israel.
<><> 1973:
Forças especiais
israelenses aterrissam na costa libanesa e, como parte da Operação Cólera de
Deus, de Israel, assassinam três líderes da OLP. As mortes são uma retaliação à
operação de tomada de reféns de atletas israelenses pela organização militante
palestina Setembro Negro durante as Olimpíadas de Munique em 1972.
<><> 1978:
Israel invade o sul do
Líbano, perseguindo militantes palestinos que continuaram a realizar ataques
transfronteiriços. Isso inclui combatentes que mataram mais de 30 civis
israelenses em um ônibus sequestrado.
O Exército de Israel
avança até o rio Litani, a cerca de 29 quilômetros da fronteira, e o Conselho
de Segurança da ONU exige sua retirada imediata na Resolução 425 da ONU.
Como parte da
resolução, a ONU estabelece uma "força interina para o sul do Líbano com o
objetivo de confirmar a retirada das forças israelenses, estabelecer a paz e a
segurança internacionais" e garantir que o governo libanês recupere o
controle da área.
A Força Interina da
ONU no Líbano (Unifil), continua operando no local até hoje.
<><> 1982:
Em junho, Israel
invade o Líbano, perseguindo os combatentes da OLP que realizam ataques
transfronteiriços. Israel também começou a financiar e treinar uma milícia
cristã libanesa chamada Exército do Sul do Líbano (ESL) que se opõe à OLP.
As tensões estavam
aumentando no Líbano e isso deu início à Guerra Civil Libanesa de 1975 a
1990. Israel apoia o ESL contra outras forças na guerra que são apoiadas
pela Síria.
Forças cristãs
nacionalistas de direita e outras forças matam centenas de civis em campos de
refugiados palestinos, no que ficou conhecido como o Massacre de Sabra e
Shatila. Posteriormente, várias comissões de inquérito descobriram que, embora
as forças israelenses estacionadas no local não tenham sido diretamente
responsáveis pelo massacre, elas foram culpadas por permiti-lo. As fontes
divergem quanto ao número de mortos, mas os especialistas mais tarde afirmaram
que cerca de 3 mil civis foram mortos.
Essa invasão
israelense do Líbano acabou resultando na criação do Hezbollah. Quando um grupo de clérigos muçulmanos xiitas no Líbano
decidiu pegar em armas contra os israelenses, o novo governo teocrático do Irã
– também muçulmano xiita – forneceu-lhes fundos e treinamento.
<><> 1985:
Depois de três anos,
Israel acaba se retirando da área de Beirute em direção ao rio Litani, onde
ocupa oficialmente uma área de cerca de 850 quilômetros quadrados entre o rio e
a fronteira israelense. Israel argumenta que precisa de uma zona tampão de segurança
nessa área para proteger os civis israelenses nas cidades fronteiriças. Isso é
feito com a ajuda do ESL.
Nos anos seguintes, os
israelenses na zona de segurança tornam-se alvo de militantes. Em 2000, Israel
se retira do território libanês, de acordo com a Resolução 425 de 1978 do
Conselho de Segurança da ONU.
<><> 1993:
Em julho, Israel lança
o que chama de Operação Responsabilidade. no Líbano, ela é conhecida como a
Guerra dos Sete Dias. Os combates começaram após uma série de ataques de
combatentes de Israel e do Hezbollah perto da fronteira, que mataram civis e
soldados de ambos os lados. Centenas de milhares de pessoas ficaram
desabrigadas. Depois de uma semana, os EUA negociam um cessar-fogo.
<><> 1996:
Em abril, Israel
inicia o que chama de Operação Vinhas da Ira, em uma aparente tentativa de
deslocar civis em direção a Beirute, para pressionar o governo libanês a
desarmar o Hezbollah. Israel aconselha os moradores dos vilarejos do sul do
Líbano a saírem e começa a bombardear pesadamente a área.
Durante a operação de
17 dias, Israel realiza cerca de 600 ataques aéreos, bombardeia o aeroporto e
as usinas de energia de Beirute e também bloqueia vários portos libaneses. O
Hezbollah responde com disparos de foguetes. Centenas de milhares de civis são
deslocados em ambos os lados da fronteira.
Um bombardeio
israelense contra um complexo da ONU perto da aldeia libanesa de Qana mata mais
de 100 pessoas que estavam abrigadas no local, incluindo cerca de 37 crianças.
Centenas de outras pessoas ficaram feridas, incluindo as forças de paz da ONU.
Israel afirma que o bombardeio foi acidental. O incidente atrai a condenação
internacional e, mais tarde, membros da Al
Qaeda diriam que o massacre de Qana os
motivou a começar a atacar os EUA.
A operação dura 17
dias e termina com um entendimento mútuo, mediado pelos EUA, de que civis não
são alvos legítimos.
<>< 2000:
Israel se retira do
sul do Líbano até a Linha Azul, uma demarcação estabelecida pela ONU como linha
de fronteira temporária para que a Unifil pudesse monitorar a retirada
israelense.
<><> 2006:
O Hezbollah captura
dois soldados israelenses em um ataque transfronteiriço e mata vários outros. O
grupo exige a libertação de prisioneiros palestinos em troca dos soldados
reféns. Israel se recusa e lança uma campanha militar de cinco semanas, que
ficou conhecida como no Líbano como a Guerra de Julho.
O conflito desloca até
um milhão de libaneses e meio milhão de israelenses. Cerca de 1.200 libaneses
são mortos, assim como 158 israelenses, quase todos soldados. A infraestrutura
libanesa é muito danificada.
A luta termina com uma
resolução do Conselho de Segurança da ONU que exige que o Hezbollah se desarme
e que o Exército israelense se retire, além de expandir o mandato da Unifil
para que possa usar a força para impedir atividades hostis na área de fronteira
que supervisiona.
Tanto Israel quanto o
Hezbollah consideram isso uma vitória. Em outubro, Israel já havia se retirado
em sua maior parte.
<><> 2023:
Desde 2006, tem havido
ataques regulares na fronteira sul do Líbano. Tudo isso mudou após o ataque
do Hamas a Israel em 7 de outubro – o conflito
se intensificou.
<><> 2024:
Em meados de setembro,
uma série de explosões de pagers e walkie-talkies usados por integrantes do Hezbollah deixou 37 mortos e
mais de 3 mil feriados no Líbano. A organização usa walkie-talkies e pagers
porque, ao contrário dos telefones celulares, eles não podem ser localizados. O
grupo xiita acusou Israel pelo ataque.
Em Taiwan, o
escritório do promotor público iniciou uma investigação sobre a empresa que
fabrica esses dispositivos. O jornal The New York Times havia
informado anteriormente que o serviço secreto israelense havia colocado
explosivos numa encomenda de pagers feita na empresa pelo Hezbollah.
Após a onda de
explosões, as trocas de ataques foram intensificadas na região, com pesados
bombardeios israelenses no sul do Líbano e o Hezbollah lançando drones e
mísseis contra o norte de Israel.
Fonte: DW Brasil
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