terça-feira, 1 de outubro de 2024

A idade da turbulência: A família com adolescentes

A adolescência é uma fase de reconhecida vulnerabilidade para as famílias.

A família funcional, em princípio, terá capacidade em lidar com a adolescência dos filhos. No entanto, se se instala uma crise que poderá ser de ordem muito diversa, tal como a perda de alguém significativo ou o surgimento de uma doença grave incapacitante, o equilíbrio instável em que vive pode desmoronar-se.

A família é um espaço privilegiado onde o adolescente pode experimentar viver com o coração desarmado, sem necessidade de concorrer com os outros, e perceber que não perde nada com isso. A escola poderia também funcionar como um espaço onde esta aprendizagem fosse possível. Infelizmente, nem sempre consegue desempenhar esse papel.

Há quem compare a família à sinalização da estrada em dia de nevoeiro. Quando percorremos uma estrada já nossa conhecida, em dia claro, nem reparamos na sinalização. No entanto, ao percorrermos essa mesma estrada em dia de nevoeiro, quando o piso está escorregadio e não vemos dois palmos à frente do nariz, quanto agradecemos a sua presença!

As famílias vivem em equilíbrio precário entre os agentes stressantes e tensões, por um lado, e as suas capacidades e recursos, por outro. Ao longo da vida, com maior ou menor dificuldade, a família vai sendo capaz de se adaptar às múltiplas tensões e ao stress do dia a dia através dos próprios recursos e da capacidade em lidar com as situações difíceis, reencontrando sucessivamente novos equilíbrios. No entanto, quando uma crise se instala, há um desequilíbrio dos pratos da balança para o lado dos agentes stressantes. Voltar a reequilibrar a balança irá passar pelo reforço das capacidades.

Os técnicos de saúde poderão contribuir de um modo decisivo para esse reajuste, ajudando a encontrar um novo ponto de equilíbrio. No entanto, o técnico de saúde revela por vezes alguma dificuldade em passar de uma ótica individual para uma ótica familiar. Da nossa experiência, há situações complexas em que a utilização de modelos menos clássicos de intervenção, onde a ótica individual é substituída pela ótica familiar, se tem revelado bastante eficaz.

É incontestável que a maneira de educar afeta o desenvolvimento do adolescente. Importa que os pais concordem entre si no estilo educacional que pretendem para os seus filhos. O que os pais fazem é importante, mas também é importante o modo como o fazem. Os pais necessitam e desejam linhas orientadoras que os ajudem na tarefa de educar. O desafio está em descobrir maneiras de ajudar os pais a educarem com autoridade sem serem autoritários. Para educar é necessária uma tolerância firme que permita ir de encontro às necessidades reais do adolescente. A falta de limites não permite respeitar o outro como pessoa e dificulta o crescimento.

De que modo é que a família pode ser um fator protetor para o desenvolvimento do adolescente? Promovendo a autoestima, abolindo o discurso negativista, deixando que os sentimentos se expressem, para permitir dar espaço a que o adolescente descubra qual é o tipo de adulto que gosta para si. Se a uma reação agressiva do adolescente respondermos também de modo agressivo, gera-se um ciclo difícil de quebrar. Se, por outro lado, houver demasiada tolerância, sem definição de regras e limites, o adolescente vê-se privado de linhas orientadoras, o que irá prejudicar o seu desenvolvimento. Se o adulto conseguir não abdicar das suas responsabilidades parentais e procurar manter essa tolerância firme, o adolescente sairá beneficiado desta regulação.

Na sociedade atual, dada a grande diversidade de atitudes e valores parentais, será possível definir o que é uma boa prática em termos de modelo parental? Haverá modos de educar melhores do que outros?

Steinberg classificou os estilos parentais em quatro tipos de acordo com a sua distribuição por quatro quadrantes definidos em função de dois eixos, o eixo do grau de envolvimento parental e o da capacidade em estabelecer regras e limites.

1 – Estilo Autoritário, quando os pais estabelecem limites com firmeza, mas são desligados e distantes;

2 – Estilo Com Autoridade, quando são predominantemente afetivos e conectados, mas simultaneamente firmes e consistentes no estabelecimento e reforço das linhas orientadoras e dos limites;

3 – Estilo Permissivo, quando também são afetivos mas os limites são ténues e inconsistentemente definidos;

4 – Estilo Desligado, quando predominam a falta de laços, o distanciamento e os limites são mal definidos.

Há evidência, baseada em múltiplos estudos longitudinais, que os adolescentes beneficiam em serem educados segundo um modelo com autoridade, que se associa a melhores resultados psicossociais, torna mais fácil o processo de autonomização, permite melhores resultados escolares, uma autoestima e saúde mental mais estáveis e positivas. Adolescentes educados segundo este modelo revelaram resultados mais positivos em todos os indicadores psicológicos de saúde estudados.

Tudo indica também que os pais cujo estilo educacional predominante é o ‘com autoridade’ têm expectativas mais adequadas face ao adolescente e encorajam-no a desenvolver as suas próprias opiniões, colocando-o assim em melhor posição para uma real autonomia psicológica. No outro extremo, os adolescentes que tenham experienciado modelos parentais desligados, inconsistentes e ativa ou passivamente hostis estão no máximo de risco para problemas escolares, comportamentos problemáticos, consumo de álcool e outras drogas, delinquência e funcionamento psicológico global mais precário.

Ao conduzirmos a entrevista clínica em Medicina do Adolescente tentamos sempre perceber com quem é que o adolescente vive, como são as relações no seio da família, se existem relações particularmente conflituosas, quem é a pessoa de referência. De seguida, procede-se à delineação do problema, análise das soluções já tentadas, definição da mudança concreta a efetuar e formulação e aplicação de um plano para obter a mudança.

Em termos de prevenção primária, temos essencialmente dois objetivos: ajudar a família a entrar numa fase nova do ciclo de vida e ajudar o adolescente a realizar as tarefas da adolescência.

Na prevenção secundária, temos como objetivos fazer a deteção precoce de quadros psicopatológicos e proceder a um encaminhamento e seguimento adequados.

É um desafio para os cuidados de saúde sermos capazes de construir um modelo mais flexível e maleável em que o relacionamento com a equipa seja construído em função das necessidades reais do adolescente e da família. Urge descobrir abordagens inovadoras que nos permitam ir ao encontro das reais necessidades das famílias.

 

Fonte: Pela pediatra Helena Fonseca, em 7Margens

 

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