quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Câncer de mama: pessoas trans também devem se prevenir

O câncer de mama atinge cerca de 73.610 pessoas por ano, de acordo com estimativa feita pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca). Apesar de a incidência da doença ser maior em mulheres cisgênero, a população transgênero também deve estar alerta para os riscos, realizar os exames periódicos e tomar medidas preventivas contra o tumor.

Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade de Amsterdã, as mulheres trans apresentam um risco 46 vezes maior para o câncer de mama em comparação aos homens cis. “Esse aumento decorre, provavelmente, do uso de estrogênio associado a medicações antiandrogênicas essenciais para a transição de gênero”, explica Sérgio Okano, sexologista, ginecologista e obstetra, à CNN.

No entanto, é importante lembrar que essa incidência equivale a aproximadamente 0,5% das mulheres cis. “Ou seja, embora o uso de hormônios aumente o risco, ele ainda é muito menor do que observamos nas mulheres cis”, ressalta o especialista.

Além das mulheres trans, homens trans que não realizaram cirurgia de retirada das mamas também estão em risco para o câncer e devem ser submetidos ao rastreio da doença. Por outro lado, de acordo com Abna Vieira, oncologista da Oncoclínicas, o risco nessa população pode ser um pouco menor em relação às mulheres cis devido à terapia androgênica e à terapia de supressão ovariana.

<><> Dificuldade de acesso ao diagnóstico precoce ainda é desafio para tratamento

Segundo dados do Inca, o câncer de mama causou mais de 18 mil mortes em 2021. O diagnóstico precoce do tumor é essencial para aumentar a chance de tratamentos menos agressivos e com maior taxa de sucesso e cura.

No entanto, no caso da população trans, existe uma maior dificuldade no acesso às medidas de prevenção e diagnósticos precoces. “A discriminação e o preconceito fazem com que muitos pacientes evitem buscar suporte médico. Mulheres trans devem fazer acompanhamento da próstata e da mama, e homens trans devem realizar os exames de papanicolau e mamografia”, explica Viera.

“Sabemos que, quando falamos em câncer, o diagnóstico precoce e as medidas de prevenção são fundamentais para a perspectiva de cura e um tratamento menos invasivo. As barreiras sociais podem afetar exatamente esse aspecto: sem acompanhamento médico, o câncer pode ser uma doença que afeta de forma mais letal”, completa.

Além disso, preconceitos e estigmatização da população trans também são obstáculos para o maior acesso aos serviços de prevenção e detecção precoce do câncer de mama.

“Ginecologistas e mastologistas podem se negar a atender essas mulheres, o que reduz o rastreio não só do câncer de mama nessa população, mas de inúmeros outros agravos”, afirma Okano. “Além do uso de hormônios, existe uma alta taxa de tabagismo, obesidade e uso abusivo do álcool entre esses grupos, o que também são considerados fatores de riscos que podem ocasionar o câncer de mama”, acrescenta.

<><> Rastreio e prevenção do câncer de mama em pessoas trans

Os homens trans que não realizaram mamoplastia masculinizadora — cirurgia plástica que remove as glândulas mamárias e a aréola — devem realizar o rastreio do câncer de mama seguindo as mesmas recomendações para as mulheres cis.

Atualmente, o Ministério da Saúde recomenda que a mamografia seja feita a cada dois anos, a partir dos 50 anos, para o público geral, e a partir dos 40 anos para quem tem histórico familiar do câncer. Já as sociedades médicas — como a Sociedade Brasileira de Mastologia, o Colégio Brasileiro de Radiologia e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) — recomendam a mamografia anual a partir dos 40 anos, seguindo o protocolo da American Cancer Society.

Já homens trans que realizaram a mamoplastia masculinizadora parecem possuir uma redução significativa no risco de câncer de mama, mas ainda há poucos estudos sobre o assunto, de acordo com Okano.

“Os guidelines internacionais inclusive questionam se o homem trans que realizou a mamoplastia deve ser submetido a esse rastreio, uma vez que a retirada da glândula mamária reduz significativamente a incidência de câncer de mama, em paciente cis com alto risco da doença”, comenta o especialista.

Mulheres trans que realizam terapia hormonal para aquisição de características femininas há, pelo menos, cinco anos também devem ser submetidas aos mesmos rastreios que mulheres cis, com a realização anual de exames de mama.

“Elas devem manter o rastreamento da população geral. Mas, o mais importante é estarem cientes de tais riscos, terem informações sobre medidas preventivas e terem um profissional de saúde que vai individualizar os exames e investigação para cada paciente”, ressalta Vieira.

Segundo os especialistas consultados, uma forma de mitigar os riscos associados à harmonização em mulheres trans é utilizar hormônios adequados e com supervisão médica.

“Infelizmente, inclusive por dificuldade de acesso, a maioria das mulheres trans chega aos serviços especializados já em uso de alguma terapêutica realizada por protocolos da internet ou informação de amigas. É muito comum o uso de contraceptivos e hormônios em altas doses por esse grupo, quase 90% já fizeram uso dessas medicações antes da avaliação especializada”, avalia Okano.

Somado a isso, é importante tomar medidas gerais de prevenção do câncer de mama, como evitar o tabagismo, o consumo de álcool, combater o sedentarismo e obesidade, além de manter uma alimentação saudável.

 

•        O que muda na vida sexual após diagnóstico de câncer de mama

O câncer de mama impacta a vida das mulheres de diferentes formas. Além dos sintomas próprios da doença e dos efeitos causados pelo tratamento, o impacto na saúde psicológica também pode trazer consequências para a vida sexual e para a autoestima.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia – regional São Paulo (SBM-SP), apesar de pouco estudada, a disfunção sexual em pacientes com câncer de mama é comum (ocorrendo em cerca de 25% a 66% dos casos).

Os maiores problemas são diminuição do interesse sexual (49,3%), dispareunia [dor genital] (entre 35% e 38%), preocupações quanto à imagem (10-14%), excitação (5%) e orgasmo (5%).

Isso pode estar relacionado ao próprio tratamento do câncer de mama, que inclui quimioterapia, radioterapia e cirurgia (tanto a conservadora, que remove apenas a região afetada pelo tumor, quanto a mastectomia, que consiste na remoção total ou parcial da mama).

Segundo a entidade, esses tratamentos podem resultar em mudanças físicas como queda de cabelo, deformidade nos seios ou na parede torácica, mudanças na textura da pele, falência ovariana, irritação na vulva, fogachos e ganho ou perda de peso, podendo, muitas vezes, afetar a autoestima das pacientes.

“Os tratamentos, como quimioterapia e terapias hormonais, afetam diretamente os níveis de hormônios, como a diminuição do estrógeno e da progesterona. Isso pode causar sintomas como secura vaginal e desconforto, causando uma queda na libido. Além disso, para muitas mulheres, a menopausa induzida pelo tratamento pode trazer essas mudanças de forma mais brusca, o que impacta a vida sexual”, explica Giovanna Gabriele, mastologista especialista em cirurgia oncológica, reparadora e estética, à CNN.

<><> Fatores psicológicos podem afetar a saúde sexual

Apesar de o tratamento poder levar a sintomas físicos que podem impactar na libido e na autoestima da mulher, fatores psicológicos também têm papel importante na sexualidade feminina. Segundo Gabriele, o diagnóstico e o tratamento do câncer de mama afetam a maneira como a mulher se enxerga, abalando a autoestima, principalmente após procedimentos como a mastectomia.

“Muitas mulheres passam a sentir que perderam parte da sua feminilidade, o que impacta diretamente na maneira como enxergam sua sexualidade. Além disso, o medo, a ansiedade e o estresse relacionados ao câncer e à recuperação podem criar um bloqueio emocional que interfere na libido”, afirma.

<><> Suporte psicológico e terapias específicas podem ajudar

Diante dos impactos na autoestima e na vida sexual decorrentes do câncer de mama, o suporte psicológico passa a ser fundamental na vida da paciente. É através da terapia psicológica que a mulher poderá expressar suas emoções e lidar com as mudanças impostas pelo tratamento de maneira saudável.

“Estratégias como a terapia cognitivo-comportamental ajudam a reformular pensamentos negativos e a resgatar a autoestima. Além disso, a terapia sexual pode ajudar a mulher e/ou o casal a reconstruir a vida sexual, encontrando novos caminhos para a intimidade”, orienta Gabriele.

A adoção de práticas saudáveis, como alimentação equilibrada e prática de atividade física, também pode ajudar nesse processo, além de exercícios que fortaleçam o assoalho pélvico e o uso de lubrificantes, que podem ajudar a aliviar o desconforto em casos de dor nas relações sexuais.

Tratamentos hormonais também podem ser úteis, mas não para todas as pacientes de câncer de mama. “Em casos de câncer de mama hormônio-dependente, geralmente os tratamentos hormonais são contraindicados, mas podem ser prescritos a depender do caso, sob supervisão médica e após um período do tratamento”, afirma Gabriele.

“Mas há outras opções não hormonais, como cremes específicos, que podem ser considerados com o acompanhamento de um médico”, acrescenta.

A reconstrução da mama operada também pode ajudar a impactar positivamente a autoestima da mulher e ajudá-la a se reconectar com sua identidade e confiança. “Existem várias formas de reconstrução, usando implantes ou tecido da própria paciente. É importante lembrar que a sensação na mama reconstruída pode ser diferente, mas o resultado estético pode ser muito significativo para a autopercepção”, afirma a mastologista.

A reconstrução mamária pode ser realizada no mesmo momento da cirurgia oncológica, imediatamente após a remoção do tumor, segundo a especialista.

Por fim, a mastologista ressalta: “A retomada da libido deve ser feita com paciência e cuidado, respeitando o ritmo de cada mulher.”

 

Fonte: CNN Brasil

 

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