5 soluções de arquitetura e urbanismo para
reduzir o calor extremo nas cidades
Um dos efeitos
preocupantes das mudanças climáticas são as ondas de calor extremo. De acordo
com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa),
julho de 2024 foi o mês mais quente já registrado no planeta, considerando os
dados coletados nos últimos 175 anos.
Celeste Saulo,
secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), da Organização das
Nações Unidas (ONU), declarou que "ondas de calor generalizadas, intensas
e prolongadas atingiram todos os continentes no ano passado”. Ela adicionou que
pelo menos 10 países registraram temperaturas diárias de mais de 50 °C em mais
de um local.
Esse calor afeta
fortemente as cidades. No mundo, 56% da população vive em zonas urbanas,
segundo o Relatório Mundial das Cidades 2022, publicado pelo ONU-Habitat. Mas,
no Brasil, esse número cresce para 61%, segundo o Censo 2022. Então, pesquisar
sobre calor urbano – e desenhar soluções para seu enfrentamento – deveria ser
uma questão urgente para arquitetos e urbanistas.
No Laboratório de
Conforto Ambiental da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, o
professor Dr. Renato Anelli tem conduzido pesquisas para identificar a real
situação do calor extremo nas cidades brasileiras.
Para iniciar o
mapeamento em São Paulo, o Laboratório escolheu o desigual bairro do Morumbi,
comparando dois pontos: a região da Capela do Morumbi e da Casa de Vidro, com
grande cobertura vegetal e baixa densidade populacional, com menos de 25
habitantes por hectare; e a Rua Hebe Camargo, na favela de Paraisópolis, com
pouca cobertura vegetal e alta densidade populacional, com mais de 500
habitantes por hectare.
As imagens de
satélites das duas áreas, separadas por apenas 800 metros de distância,
mostravam uma diferença de temperatura de 5 °C a mais na favela. Porém, os
sensores de temperatura distribuídos pelo Laboratório de Conforto Ambiental do
Mackenzie identificaram que a diferença pode chegar a 9 °C, durante um mês de
medições.
"É brutal. Se há
uma onda de calor de 40 graus, como realmente temos tido várias, a sensação vai
ser bem pior na favela, e melhor nas áreas arborizadas", afirma o
professor.
O trabalho de pesquisa
continua em andamento, mas já há algumas conclusões. "De fato, a cobertura
vegetal refresca. Mas vem acompanhada de baixa densidade, o que representa
conflito com a tipologia construtiva da cidade", diz Anelli.
Nas últimas décadas,
em geral, acreditou-se que o conceito de cidade compacta era melhor do ponto de
vista ambiental, porque evitava o espraiamento urbano. Mas o novo cenário de
aquecimento global pede por revisão dessa ideia.
"Bairros como
Santa Cecília são os mais quentes de São Paulo, porque os edifícios estão muito
próximos. É preciso um afastamento maior entre edificações para que o calor
possa se dissipar", explica o professor.
Por outro lado,
exemplos de bom conforto climático na cidade de São Paulo são os condomínios da
Zona Norte próximos às matas do Parque Estadual Cantareira, ou o arborizado
bairro de Alto da Lapa.
"Mas como criar
espaçamentos verdes em áreas tão densas?", questiona o professor. As leis
de zoneamento no Brasil certamente ainda não têm recomendações de adaptações
levando em conta as mudanças climáticas.
As praças secas, como
o Vale do Anhangabaú, com o conceito de cidade para pessoas do arquiteto Jan
Gehl, tampouco se mostram sustentáveis, por apresentarem muito concreto e pouca
cobertura vegetal.
"Como arquitetos,
urbanistas e paisagistas dos tempos atuais, precisamos pensar em outras opções
para as situações climáticas informadas pela ciência", conclui o
professor.
E há algumas soluções,
tanto de urbanismo, quanto de arquitetura, que podem colaborar para amenizar o
calor extremo nas cidades brasileiras. Elas não envolvem tecnologias mágicas,
mas sim planejamento urbano que priorize o enfrentamento ao aquecimento global.
Confira a seguir:
1. Maior espaçamento
entre os edifícios
Durante o dia, a
incidência solar esquenta as cidades. E, à noite, o calor se dissipa. Porém,
apenas se houver espaço para isso. Quando há construções muito próximas, o
calor fica preso e a cidade não se resfria. Então, seria importante levar em
conta o espaçamento entre os edifícios nas novas leis de zoneamento. O que
implica, sim, em menor densidade populacional.
2. Mais cobertura
vegetal
E o espaçamento entre
os edifícios não deve ser cimentado, mas sim coberto por vegetação. Estamos
falando em mais áreas verdes, praças arborizadas e parques. A vegetação
colabora fortemente para o conforto térmico.
Paredes verdes também
funcionam para reduzir o calor, porém não são sustentáveis do ponto de vista da
disponibilidade de água, especialmente pensando que a crise hídrica faz parte
das mudanças climáticas. Elas são válidas, mas somente se acompanhadas de irrigação
com sistema de reuso de água. "Melhor ter vegetação no solo", sugere
Anelli.
3. Menos carros
Menos carros nas
cidades significam mais espaço para as tão desejadas áreas verdes, para
caminhadas e bicicletas. E como diminuir a quantidade de carros? Há duas
respostas complementares: transporte público de qualidade e melhor distribuição
entre moradia, trabalho e serviços. Se as pessoas conseguirem morar perto do
trabalho e dos serviços que consomem, precisarão fazer menos deslocamentos
longos e, portanto, usar menos carros.
4. Sombreamento de
fachadas
Já quando falamos em
conforto climático nos interiores dos edifícios, é importante pensar em
soluções de arquitetura para maior sombreamento das fachadas. O brise-soleil
foi um elemento da arquitetura moderna brasileira que poderia ser aproveitado
hoje, por quebrar a incidência direta do sol.
Ainda, a indústria do
vidro tem trabalhado em novas tecnologias para desempenho de calor – mas que
ainda não são tão eficientes, nem acessíveis.
Mesmo assim, essas
soluções não significam que não será preciso de resfriamento artificial de
calor, com ar-condicionado, em eventos de calor extremo. E vale lembrar que o
ar-condicionado não é sustentável, pelo seu alto consumo de energia.
5. Retrofits
No Brasil, quando
falamos em ações que contribuem para o aquecimento global, a discussão é muito
focada em desmatamento e combustíveis fósseis. Porém, o que as cidades produzem
com deslocamentos, demolições e construções é bastante relevante para a questão
climática. Especialmente se considerarmos que São Paulo está entre as 10
cidades mais populosas do mundo, com mais de 20 milhões de habitantes.
"Não deveríamos
estar demolindo, nem construindo nada novo, mas sim fazendo retrofit do que já
existe", diz Anelli, sobre o impacto da construção civil. E São Paulo já
conta com os imóveis necessários, bastaria redirecionar os esforços para projetos
de reuso, em vez de erguer novas construções.
• Planeta pode aquecer 3,1ºC a 3,6ºC com
emissões de gases
Manter o aquecimento
global em 1,5 grau Celsius (ºC) ainda é possível, mas para isso, os países precisam
reduzir em 42% as atuais emissões de gases do efeito estufa, até 2030, e 57%,
até 2035. A conclusão é do Relatório sobre Lacuna de Emissões 2024, divulgado
pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), nessa
quinta-feira (24).
“A continuação do
esforço de mitigação com as atuais políticas levam o aquecimento global a um
máximo de 3,1°C ao longo do século, com 66% de probabilidade, e ainda resta 10%
de probabilidade de que o aquecimento possa exceder 3,6°C”, destaca o relatório.
O estudo aponta ainda
que os compromissos assumidos pelos signatários do Acordo Paris, em suas
Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) para 2030, não estão sendo
cumpridos. E também seriam insuficientes para alcançar a meta de manter a
temperatura do planeta em 1,5 ºC acima do período pré-industrial.
De acordo com o
relatório, o estrito cumprimento das NDCs até 2030 ainda resultaria em uma
elevação de temperatura de 2,6 ºC. Esse cenário ocorreria com o cumprimento
tanto das metas incondicionais, ou seja, que devem ser cumpridas
obrigatoriamente, quanto das metas que foram condicionadas à disponibilidade de
financiamento internacional.
A implementação apenas
das NDCs incondicionais levaria o mundo a temperaturas 2,8 ºC mais elevadas. Já
as atuais políticas conduziriam o planeta a 3,1°C de aquecimento.
<><> Tempo
Para o
secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, é
necessário agir agora, começando durante a próxima rodada de negociações que
ocorrerá entre os dias 11 e 22 de novembro, na 29ª Conferência das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29). “Estamos sem tempo. Fechar a lacuna
de emissões significa fechar a lacuna de ambição, a lacuna de implementação e a
lacuna financeira”, reforça.
O prazo máximo para a
atualização das NDCs é fevereiro de 2025, antes da 30ª COP, que ocorrerá em
Belém do Pará, no Brasil. Nas novas metas, o ano de 2019 passa a ser a
referência para os compromissos de emissões de gases do efeito estufa pelos
países.
Em um cenário com essa
nova referência e para limitar o aquecimento global em menos de 2ºC, o
relatório indica que as emissões precisariam cair 28% até 2030 e 37% até 2035.
Os pesquisadores destacam ainda que as consequências no atraso das ações para
viabilizar essa limitação já implicam em consequências que distanciam o planeta
desse cenário, como o recorde de 57,1 gigatoneladas de CO₂ equivalente em
emissões, atingido em 2023.
“Há uma ligação direta
entre o aumento das emissões e os desastres climáticos cada vez mais frequentes
e intensos. Em todo o mundo, as pessoas estão pagando um preço terrível.
Emissões recordes significam temperaturas marinhas recordes que potencializam furacões
monstruosos; o calor recorde está transformando as florestas em barris de
pólvora e as cidades em saunas; chuvas recordes estão resultando em inundações
bíblicas”, alerta Guterres.
<><>
Caminhos
Além de apontar os
cortes necessários nas emissões, o relatório indica ainda possíveis caminhos,
como o potencial de redução de 27% nas emissões em 2030 e 38% em 2035, com o
incremento de tecnologias solar e eólica na geração de energia. Melhorar a
gestão de florestas, com redução do desmatamento e aumento do reflorestamento
tem potencial de reduzir as atuais emissões em 19% em 2030 e 20% em 2035,
afirmam os pesquisadores.
<><> Custo
Também foram
calculados os investimentos necessários para financiar o caminho global até as
emissões líquidas zero em 2050. De acordo com o relatório, seriam necessários
US$ 0,9 a 2,1 trilhões por ano, de 2021 a 2050, “o que é substancial, mas
administrável no contexto mais amplo da atual economia global e mercados
financeiros de quase US$ 110 trilhões mercados financeiros”, destaca o
relatório.
• Como as finanças podem ser parte da
solução da crise mundial da biodiversidade. Por Emma O'Donnell, Jimena Alvarez
e Nicola Ranger
Mais da metade de todo
o PIB mundial é, pelo menos, moderadamente dependente da natureza. No entanto,
sem dúvida, não existe economia (ou vida) sem a natureza. Um quarto das
espécies animais e do planeta estão agora ameaçadas, e 14 dos 18 serviços
essenciais do ecossistema - incluindo solos férteis para o cultivo de
alimentos, controle de enchentes e doenças e regulação da poluição do ar e da
água - estão em declínio.
Esses serviços
ecossistêmicos são essenciais e não têm substitutos fáceis. Apesar disso, quase
US$ 7 trilhões por ano são gastos pelos governos e pelo setor privado em
subsídios e atividades econômicas que têm um impacto negativo sobre a natureza,
incluindo a agricultura intensiva e os subsídios aos combustíveis fósseis. Em
comparação, apenas US$ 200 bilhões são gastos em soluções baseadas na natureza
(apenas um terço do que se estima ser necessário).
Embora a crise da
biodiversidade tenha sido frequentemente ofuscada pela mudança climática no
cenário global, a maré está mudando. Em 2022, o Marco Global de Biodiversidade
de Kunming-Montreal foi adotado com sua meta abrangente de interromper e
reverter a perda de biodiversidade até 2030.
No final de outubro de
2024, os signatários do marco se reunirão novamente na conferência de
biodiversidade Cop16 da ONU em Cali, Colômbia, para negociar a implementação de
suas metas. Para progredir em direção a essas metas, a Cop16 visa alinhar o
financiamento com o marco, garantindo efetivamente que o financiamento seja
parte da solução e não do problema.
Para isso, o fluxo
financeiro precisará ser redirecionado. Uma alavanca central para isso é a
precificação do risco. As instituições financeiras enfrentam riscos
significativos, tanto da degradação dos serviços ecossistêmicos (riscos
físicos) quanto das respostas sociais à degradação, incluindo regulamentação e
mudanças na demanda dos consumidores (riscos de transição). No entanto, esses
riscos não são totalmente precificados nas decisões financeiras.
Além disso, as
empresas não divulgam seus riscos, dependências e impactos relacionados à
natureza, o que dificulta para as instituições financeiras entenderem as
implicações de seus investimentos. Em conjunto, isso significa que o
financiamento continua a fluir sem obstáculos para atividades mais arriscadas.
Os bancos centrais
estão começando agora a destacar os riscos da natureza para as instituições
financeiras e a explorar as áreas em que esses riscos se manifestam no sistema
financeiro.
<><> Os
riscos financeiros são reais
No início deste ano,
publicamos o primeiro estudo sobre a gravidade dos riscos financeiros
relacionados à natureza.
Descobrimos que, para
o Reino Unido, os choques relacionados à natureza poderiam causar um declínio
de 6% no PIB até 2030 em cenários como o declínio da saúde do solo ou a
escassez de água, pressionando as cadeias de suprimentos globais. E poderia
haver uma queda no PIB de mais de 12% no cenário de um choque de resistência
antimicrobiana ou pandemia, impulsionado pelo aumento da interação entre
humanos e animais selvagens devido à perda de habitat e ao desmatamento.
Esses resultados são
iguais ou até maiores do que a queda de 6% no PIB do Reino Unido após a crise
financeira de 2008 e de 9,7% durante os lockdowns da COVID 2020.
Também descobrimos que
os riscos financeiros relacionados à natureza eram de uma escala semelhante aos
riscos relacionados ao clima. A perda da natureza e a mudança climática ocorrem
em paralelo, amplificam e agravam uma à outra. Dessa forma, é essencial que as
soluções busquem resolver os dois desafios simultaneamente. Afinal de contas,
de que adianta ter um planeta mais frio que não é mais habitável?
De suas 23 metas para
2030, a GBF inclui duas metas que tratam especificamente de finanças. A meta 18
visa reduzir os incentivos para fluxos financeiros que prejudicam a natureza em
pelo menos US$ 500 bilhões por ano e aumentar os incentivos para fluxos
financeiros positivos para a natureza. E a meta 19 visa mobilizar US$ 200
bilhões por ano para restaurar e proteger a natureza, incluindo pelo menos US$
30 bilhões de financiamento internacional que flui dos países desenvolvidos
para os países em desenvolvimento. Uma outra meta, meta 15, exige a divulgação
de riscos, dependências e impactos relacionados à natureza por parte das
empresas.
<><>
Então, o que precisamos da COP16 para puxar a alavanca do risco financeiro?
Em primeiro lugar,
deve haver um reconhecimento internacional de que os riscos de longo prazo,
generalizados e muitas vezes irreversíveis da crise da biodiversidade não estão
sendo precificados pelo sistema financeiro, apesar do progresso na integração dos
riscos climáticos. Isso pode causar um acúmulo de riscos sistêmicos e levar à
instabilidade financeira; dessa forma, deve haver um consenso global de que os
bancos centrais desempenham um papel fundamental na adoção de medidas proativas
para gerenciar isso.
Em segundo lugar, em
nível individual, corporativo e de instituição financeira, as empresas devem
gerenciar e divulgar seus riscos financeiros relacionados à natureza,
juntamente com seus riscos climáticos.
Em terceiro lugar,
semelhante ao financiamento de transição para o Net Zero, as instituições
financeiras devem começar a se envolver ativamente com os clientes para
explorar oportunidades de apoiar sua transição para atividades mais positivas
para a natureza e refletir isso em seus planos de transição. Garantir a
resiliência financeira e as metas climáticas e naturais são sinônimos; e todos
são essenciais para garantir o crescimento econômico e o desenvolvimento
sustentável globalmente.
Fonte: Um só
Planeta/Agencia Brasil/The Conversation
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