5 resultados das eleições municipais que
mandam recados para 2026
Eleições municipais
não são "prévias" das eleições nacionais, que ocorrem sempre dois
anos depois.
Essa é uma máxima da
ciência política brasileira, cujos estudos mostram que as disputas locais são
mais sobre questões das cidades do que debates nacionais.
Ainda assim, afirmam
analistas entrevistados pela BBC News Brasil, os resultados das urnas de 2024
trazem recados sobre a reorganização das forças políticas e o fortalecimento ou
enfraquecimento de determinadas lideranças e partidos — fatores que podem impactar
os rumos para 2026.
A BBC News Brasil
mostra a seguir os possíveis desdobramentos de cinco destaques dessa eleição: o
fortalecimento do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) ;
o êxito limitado do bolsonarismo; a dificuldade de recuperação do PT; o surgimento
de um novo fenômeno na esquerda, com a reeleição expressiva de João Campos
(PSB) em Recife; e a alta taxa de reeleição de prefeitos no país.
Entenda melhor a
seguir os cinco pontos.
<<<< 1.
Tarcísio fortalecido para escolher disputa em 2026
Apontado como possível
substituto do ex-presidente Jair Bolsonaro – atualmente inelegível – na disputa
presidencial de 2026, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, saiu
ainda mais fortalecido da eleição municipal, na leitura de analistas políticos
que destacam a importância de seu apoio para a reeleição do prefeito de São
Paulo, Ricardo Nunes (MDB).
Ele derrotou com
facilidade Guilherme Boulos no segundo turno, após ter passado aperto no
primeiro, quando o concorrente Pablo Marçal (PRTB) atraiu boa parte do
eleitorado bolsonarista — momento em que Bolsonaro preferiu se omitir da
disputa, em vez de apoiar Nunes, mesmo tendo escolhido seu candidato a vice, o
ex-policial militar Ricardo de Mello Araújo (PL).
Já Tarcísio endossou
cedo a candidatura de Nunes, e, quando sua ida ao segundo turno parecia
ameaçada, entrou com força total na campanha do prefeito.
Aliado de Bolsonaro, o
líder evangélico Silas Malafaia disse ao jornal Folha de S.Paulo que o
ex-presidente foi "covarde e omisso" na disputa de São Paulo, por
medo de desagradar seguidores que preferiam Marçal a Nunes.
O pastor elogiou o
governador paulista como líder: "Tarcísio ganhou muito comigo", disse
Malafaia.
O fortalecimento do
governador de São Paulo, porém, não é garantia de que será o nome da direita na
disputa presidencial, já que ele também pode disputar a reeleição em São Paulo,
em que o caminho para a vitória tende a ser menos desafiador, segundo os entrevistados.
Já a disputa
presidencial é vista como mais difícil, caso o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva esteja bem para concorrer.
"Com a vitória do
Nunes, o grande vencedor da eleição é o Tarcísio. Foi o Tarcísio que foi para a
rua com ele", afirma Creomar de Souza, fundador da consultoria política
Dharma.
"É claro que ele
não vai romper com o Bolsonaro a dois anos da eleição [de 2026], mas ele ganhou
margem de manobra, ele tem escolha. Para quê ele vai para uma corrida pelo
[Palácio do] Planalto contra o Lula, caso Lula esteja bem, se ele pode ser reeleito
governador de São Paulo?", questiona.
<<<< 2. A força
e os limites do bolsonarismo
Uma das marcas da
eleição municipal, notam analistas, foi a consolidação da transição do PL de um
partido fisiológico, que integrava o chamado Centrão (grupo de partidos que
costuma apoiar governos de diferentes tendências políticas), para uma sigla
ideológica de direita — processo que se iniciou com a entrada de Bolsonaro no
final de 2021.
Com o ex-presidente
rodando o país como cabo eleitoral, a legenda elegeu 516 prefeitos neste ano,
uma alta de quase 50% frente a 2020 (345).
O principal destaque,
porém, ficou com o bom desempenho em grandes cidades: considerando os 103
municípios com mais de 200 mil eleitores no país, o PL conquistou 16
prefeituras, sendo 4 capitais.
Para a cientista
política Talita Tanscheit, doutora pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) e professora da Universidade Alberto Hurtado (Chile), esse
resultado não deve ser atribuído apenas ao empenho de Bolsonaro.
Na sua visão, o
crescimento do PL nas eleições municipais reflete o aumento dos candidatos a
prefeito lançados pelo partido e o forte volume de recursos que a sigla obteve
para as campanhas.
O PL, por ter eleito a
maior bancada de deputados federais em 2022, foi a legenda que mais recebeu
dinheiro do fundo eleitoral (recursos públicos).
"A grande
novidade dessa eleição foi ter um processo de consolidação de um partido de
ultradireita. Isso é muito relevante, inclusive porque acho que o PL é
independente do Bolsonaro. É algo que sobrevive para além dele, com outras
lideranças", destaca a professora.
Os entrevistados
ressaltam, no entanto, que o segundo turno também evidenciou os limites do
bolsonarismo. Parte dos candidatos da sigla teve que ajustar seu discurso para
atrair um apoio mais amplo do eleitorado.
Foi o caso de André
Fernandes (PL), em Fortaleza, que praticamente escondeu Bolsonaro de sua
campanha, após uma participação pontual do padrinho político em agosto, em uma
motociata pela cidade.
Ainda assim, ele
acabou perdendo para Evandro Leitão (PT), na eleição mais acirrada das capitais
no segundo turno.
Leitão reverteu o
favoritismo do adversário martelando para o eleitor seus vínculos com o
ex-presidente. O petista teve 50,38% dos votos, contra 49,63% do bolsonarista.
Outro bolsonarista que
chegou na liderança no primeiro turno e acabou derrotado foi Bruno Engler (PL),
que disputava a prefeitura de Belo Horizonte. Ele também suavizou seu discurso
ao longo da campanha, mas recebeu apoio mais explícito de Bolsonaro no segundo
turno.
Acabou derrotado pelo
atual prefeito, Fuad Noman (PSD), que começou a corrida eleitoral
desacreditado. O vencedor recebeu 53,73% dos votos, contra 46,27% do derrotado.
"E em João
Pessoa, onde Bolsonaro entrou com tudo, Marcelo Queiroga (PL) foi
varrido", nota Creomar de Souza, em referência ao mal desempenho do
ex-ministro da saúde.
Queiroga acabou com
36,09% dos votos, contra 63,91% do atual prefeito, Cicero Lucena (PP).
Na visão de Talita
Tanscheit, os resultados mostram que o campo bolsonarista têm uma base muito
fiel, de cerca de 30% do eleitorado, mas que precisa "se adaptar"
para conquistar a maioria e vencer as disputas.
A professora considera
que isso deve se repetir nas eleições de 2026, após disputas atípicas em 2018 e
2022, quando Bolsonaro manteve seu discurso radical na disputa presidencial.
Tanscheit lembra que a
disputa de 2018 foi marcada pelo enfraquecimento dos partidos tradicionais,
após a Lava Jato, abrindo espaço para a "novidade" que Bolsonaro
representava. Mesmo no PSL, um partido minúsculo, ele derrotou Fernando Haddad
(PT).
Já na disputa de 2022,
a professora entende que Bolsonaro se beneficiou de um uso extraordinário da
máquina federal.
Na sua visão, isso
explica por que o então presidente conseguiu uma votação expressiva, mesmo
mantendo seu radicalismo —ele acabou derrotado por Lula em margem apertada.
A percepção dos
analistas é confirmada pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto.
"Nós temos um
problema sério. O nosso adversário [o PT] fez cinco presidências da República.
Ou nós aumentamos a nossa base, trazendo o pessoal do centro que defende as
pautas da direita, ou nós perdemos a eleição", disse em entrevista ao
jornal Estado de S. Paulo, na véspera do segundo turno.
"Nós não temos
voto hoje para ganhar [em 2026]. Nós já perdemos a outra [em 2022]. Estou
tomando cuidado para trazer um pessoal que defenda a pauta da direita. O
problema é o pessoal [do bolsonarismo] entender isso aí”, continuou, na mesma
entrevista.
<<<< 3. PT
em recuperação lenta e com dificuldade de renovação
As eleições de 2024
mostraram a dificuldade que o PT vem tendo para se reerguer após o baque
sofrido com a Lava Jato — operação anticorrupção iniciada em 2014 que chegou a
colocar Lula na cadeia, mas depois passou a ter seus métodos questionados,
possibilitando a anulação das condenações do petista e sua eleição para
presidente em 2022.
Depois da Lava Jato, o
número de prefeitos eleitos pelo partido caiu sensivelmente, passando do
recorde de 651 em 2012 para 257 em 2016, e chegando a apenas 185 em 2020.
O PT ampliou o número
de prefeituras conquistadas neste ano (252), mas continuou com baixa relevância
nas maiores cidades do país, conquistando apenas uma capital, Fortaleza.
Para Creomar de Souza,
esse desempenho reforça sua leitura de que a vitória na eleição de 2022 se deu
mais pela força eleitoral de Lula do que do seu partido.
Isso, acrescenta,
evidencia o desafio que a sigla terá em 2026 caso o presidente, que acaba de
completar 79 anos, não esteja em boas condições para disputar a reeleição.
"Hoje, o plano A
e B do PT é o Lula. Agora, como o partido performou mal nessa eleição, terá que
buscar uma coalizão [de partidos] mais ampla na disputa de 2026 do que foi em
2022. Vai ter que fazer mais concessões, ampliar o escopo", avalia.
O maior líder petista
tem dado declarações ambíguas sobre sua intenção de concorrer à reeleição.
"Quando chegar o
momento [de discutir as eleições de 2026], tem muita gente boa para ser
candidato. Eu não preciso ser candidato", disse em junho, por exemplo.
"Agora, se for
necessário ser candidato para evitar que os trogloditas que governaram esse
país voltem a governar, pode estar certo que os meus 80 anos virarão 40 e eu
poderei ser candidato. Não é a primeira hipótese. Nós vamos ter que pensar
muito”, acrescentou, na ocasião.
A professora Talita
Tanscheit também não vê, por enquanto, uma alternativa a Lula para disputar o
Palácio do Planalto no PT.
<<<< 4.
João Campos desponta como fenômeno da esquerda
Enquanto o PT enfrenta
dificuldade na renovação quadros, o prefeito do Recife, João Campos (PSB),
despontou como novo "fenômeno" da esquerda na eleição municipal,
afirmam os entrevistados.
Ele se reelegeu com
78% dos votos válidos, registrando votação recorde — foi a primeira vez que um
prefeito teve mais de 725 mil votos na cidade.
Agora, são grandes as
expectativas de que o político de apenas 30 anos dispute a eleição para
governador de Pernambuco em 2026.
Ele é visto como um
concorrente competitivo ao Palácio do Campo das Princesas, já que a
governadora, Rachel Lyra (PSDB), tem amargado baixa aprovação.
Segundo pesquisa Atlas
Intel de agosto, ela aparece com a terceira pior avaliação entre os 27
governadores. Sua gestão foi considerada ótima ou boa por 14% dos eleitores de
Pernambuco, regular, por 41%, e ruim ou péssima, por 42%. Uma parcela de 2% não
opinou.
"O João é a
grande novidade no campo da esquerda. A grande questão é como o [Carlos]
Siqueira [presidente do PSB] vai fazer essa transição [de Campos] de figura
regional para figura nacional", pondera Creomar de Souza.
O prefeito do Recife é
filho de Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco que morreu em um acidente
aéreo em 2014, quando disputava a eleição presidencial, aparecendo em terceiro
lugar nas pesquisas, atrás de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).
Talita Tanscheit
classifica o prefeito do Recife como "um fenômeno impressionante".
Ela, porém, vê desafios para ele se tornar a nova liderança da esquerda
brasileira.
"É muito difícil
ter uma liderança nacional da esquerda que não seja do PT. Todos que tentaram,
fracassaram. O PT é o partido mais estruturado desse campo", ressalta.
"E também é muito
difícil ter uma liderança nacional de um Estado que não é tão grande do ponto
de vista eleitoral contra o Pernambuco", reforça.
<<<< 5. A
alta taxa de reeleição e os sinais para o Congresso
A eleição municipal
deste ano foi marcada por uma alta taxa de reeleição dos prefeitos — 81% dos
que estavam disputando um segundo mandato, venceram a disputa já no primeiro
turno, um patamar recorde.
Segundo a Confederação
Nacional de Municípios, esse resultado é bastante expressivo, pois "o
percentual sempre esteve em torno de 60%, com exceção do ano de 2016, que —
marcado por uma profunda crise política e econômica — apresentou uma taxa de
sucesso de 49%".
Para analistas
políticos, um dos fatores por trás desse resultado é o aumento do orçamento sob
controle dos congressistas.
As chamadas emendas
parlamentares — em especial uma nova modalidade menos burocrática conhecida
como "emenda pix" — permitiram a deputados e senadores turbinarem o
orçamento de cidades governadas por aliados, impulsionando sua reeleição.
Para os entrevistados,
esse resultado sinaliza para uma alta taxa de reeleição no Congresso em 2026.
Eles ressaltam, porém, que isso pode se modificar a depender do desfecho da
ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o funcionamento dessas
emendas.
No momento,
Legislativo e Judiciário negociam novas regras que aumentem a transparência e a
rastreabilidade do uso desses recursos.
Hoje, os partidos com
mais deputados federais são PL (92), PT (68), União Brasil (59), PP (50), PSD
(45), MDB (44) e Republicanos (44).
Para o cientista
político Carlos Melo, professor do Insper, o crescimento das emendas tornou
esse mecanismo o principal instrumento dos parlamentares para conquistar votos
e fidelizar sua base eleitoral.
Na sua leitura, havia
no passado congressistas que se projetavam como grandes formuladores e
debatedores de pautas nacionais. Isso, afirma, deu espaço para parlamentares
com bases mais locais, "currais eleitorais" alimentados por emendas,
que seriam maioria hoje, ao lado de uma parcela de influenciadores que se
projeta nas redes sociais.
"O Delfim Netto
[ministro na ditadura militar e deputado federal entre 1987 e 2007], por
exemplo, tinha votos em todos os municípios de São Paulo. José Genoino também
[deputado federal do PT por diversos mandatos entre 1983 a 2013]. Esse
parlamentar de opinião desapareceu", ressalta.
"A lógica, desde
o início desse século, tem sido de um parlamentar com atuação local. Ele
trabalha para levar recursos para dois ou três municípios, porque aquilo
garante um curral de votos. Então, o deputado manda recursos, o prefeito se
aproveita desse recurso, se reelege, e depois o prefeito apoia o deputado [na
sua reeleição]", continua.
As emendas
parlamentares não são algo novo, mas o montante de recursos destinadas a esse
mecanismo cresceu fortemente na última década.
Dados de um estudo da
Fundação Getulio Vargas (FGV), apontam que esse valor saiu de R$ 3,43 bilhões
em 2015 para R$ 35,3 bilhões em 2023.
Neste ano, as emendas
podem chegar perto de R$ 50 bilhões, ou cerca de um quarto das despesas não
obrigatórias, aquela parcela do orçamento que o governo pode gastar de forma
mais livre.
Isso, nota Carlos
Melo, dificulta a entrada de novos concorrentes na disputa pelo Congresso.
"Como você vai
competir com um cara que tem recursos federais o tempo todo para fazer
propaganda da sua candidatura por quatro anos?", questiona.
Ele ressalta, que
parlamentares da base do governo tem ainda mais vantagem. Já que, além das
emendas parlamentares, costumam ter influência sobre a destinação de outros
recursos federais, além de indicar aliados para cargos federais espalhados pelo
país.
Fonte: BBC News Brasil
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