Vitória de Nunes consagra 'direita da
máquina' e cacifa Tarcísio
Com amplo apoio da
máquina pública, uma coligação que reuniu 12 partidos e apoio firme do governo
estadual, Ricardo Nunes (MDB) foi reeleito prefeito de São Paulo neste domingo
(27). Ele venceu a disputa com Guilherme Boulos (PSOL) no segundo turno por 59,35%
dos votos contra 40,65% do adversário. A vitória de Nunes consagra a
"política profissional" na capital paulista, em um pleito marcado
pelo impulsionamento da "direita das redes sociais" de Pablo Marçal
(PRTB), que conquistou 1,7 milhão de votos no primeiro turno.
Empresário, Nunes foi
vereador entre 2013 e 2020, quando foi eleito vice-prefeito da capital paulista
na chapa liderada por Bruno Covas (PSDB). Em 2021, assumiu a prefeitura em após
a morte de Covas. O prefeito tinha a legitimidade no Executivo questionada pela
oposição nunca ter sido eleito em um pleito majoritário — o que muda com a
votação que obteve nas eleições municipais deste ano. Durante a campanha, o
prefeito reeleito desviou de acusações de corrupção e apostou em um discurso
que mesclou conservadorismo com pragmatismo administrativo.
Especialistas ouvidos
pela BBC News Brasil destacam a influência da máquina pública para a vitória
nestas eleições e o fortalecimento de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que
sai chancelado como articulador político e um nome possível para disputa presidencial
em 2026.
• 'Direita da máquina' x 'direita das
redes'
No ano que três
candidatos chegaram empatados no fim do primeiro turno, a vitória de Nunes
evidencia que, apesar do crescimento da "direita digital"
representada por Marçal, a política tradicional mantém sua força. É o que
analisa Hannah Maruci, doutora em Ciência Política pela USP. "A máquina
importa, o tempo de TV ainda importa", diz. "Quando o candidato que
já está no cargo vai para o segundo turno, é muito difícil para outro candidato
ganhar", diz a pesquisadora.
O resultado na capital
paulista mostra uma redução da polarização, diz Eduardo Grin, professor de
Ciência Política na Fundação Getúlio Vargas (FGV). "A gente esperava uma
reprodução na esfera local do que foi [as eleições presidenciais de] 2022, a polarização
entre o lulismo e o bolsonarismo. E isso não aconteceu", afirma o
professor. Para ele, essa polarização não aconteceu pelo fato de Lula e
Bolsonaro terem altas rejeições na cidade e participarem das campanhas de
maneira tímida. "Lula tinha limites para entrar na campanha, porque vários
partidos que estão apoiando o Nunes estão na sua base de apoio no Congresso
Nacional e isso poderia gerar indisposições com o próprio MDB ou com União
Brasil, por exemplo. E Bolsonaro não entrou na campanha porque ele sabia que
isso significaria carregar de desgastes diretos", diz.
Maruci pondera que o
resultado não significa que o fim da polarização. "O MDB é um partido não
ideológico e o bolsonarismo nunca teve uma associação a um partido. Tanto é que
Bolsonaro muda de partido inúmeras vezes. E o próprio Boulos foi alvo desse
antipetismo também, embora ele não seja do PT. Então ainda estamos falando de
duas forças antagonistas", pontua.
• Tarcísio de Freitas: o grande vencedor
Mas algo é consenso
entre os analistas políticos ouvidos pela reportagem: Tarcísio de Freitas sai
destas eleições fortalecido.
No segundo turno, o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o atual governador de São Paulo e o prefeito
reeleito almoçaram e fizeram campanha juntos — mas o grande fiador político da
campanha do candidato do MDB foi o governador. Antes de encontrar Bolsonaro,
Nunes destacou o apoio do "grande amigo e irmão" Tarcísio, que esteve
"ombro a ombro" com sua campanha. "Ele é uma grande referência
nossa. Foi fazer caminhada com a gente, reunião, foi convocar pessoas para a
nossa campanha. Agradeço muito ao governador Tarcísio por tudo", disse.
Enquanto o
ex-presidente hesitou em apoiar abertamente Nunes no primeiro turno, já que o
prefeito causou controvérsia nas redes sociais bolsonaristas por não ser um
aliado "raiz", foi Tarcísio quem garantiu sustentação ao prefeito e
se mostrou um padrinho confiável e entrou de cabeça na campanha.
Neste domingo, o
governador afirmou sem provas que a facção criminosa PCC orientou voto em
Boulos na capital paulista. A declaração foi feita no local de votação de
Tarcísio, na zona sul de São Paulo. O candidato do PSOL classificou a
declaração como “irresponsável e mentirosa”. “Este é o laudo falso do segundo
turno”, disse Boulos, em referência à publicação de um atestado médico falso
por Marçal às vésperas do segundo turno.
Para Eduardo Grin, ele
demonstrou capacidade própria de articulação política e um nome forte para
2026. "O apoio de Tarcísio para o Ricardo Nunes mostra que, politicamente
falando, o governador não é mais uma liderança tão dependente quanto foi de Bolsonaro",
analisa. "Ele adquiriu voos próprios, começou muito apoiado pelo Gilberto
Kassab, que vem tentando moderar ou polir a imagem como alguém que é um
político não bolsonarista." O cientista político destaca uma derrota de
Bolsonaro nestas eleições. Isso porque o ex-presidente viu o campo da direita
radical se fragmentar e sua influência como cabo eleitoral ser posta à prova.
Ivan Fernandes,
professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC), destaca
a tentativa do governador em tentar caminhar para o centro e se desligar, em um
primeiro momento, de alas radicais do bolsonarismo. O professor da UFABC diz que
o governador "nunca foi uma figura super radical" e lembra e sempre
foi alguém que conseguiu transitar. "Mesmo que não sendo um cargo de alto
escalão, ele fez parte do governo Dilma e continuou durante o governo
Bolsonaro. Ele já teve posturas excessivamente truculentas e podemos discutir
até a atuação dele como governador, mas não como ator político."
• Possíveis caminhos da direita em 2026
O pleito paulistano dá
pistas de possíveis cenários para 2026. "É muito provável que um racha à
direita, com o Bolsonaro sendo ou não candidato em 2026, continue",
projeta Grin. Ele diz que a vitória de Nunes mostra a força da "política
profissional", simbolizada na figura de Gilberto Kassab, presidente
nacional do PSD e que apoiou a campanha de Nunes. "Estamos lidando com um
grande empresário da política, como o Kassab, que entendeu uma coisa muito
importante dessa eleição: candidaturas que não caminharem no sentido de gerar
grandes coalizões de apoio, a exemplo do João Campos em Recife ou do Eduardo
Paes no Rio de Janeiro, estarão fadadas a serem derrotadas
eleitoralmente", afirma. "Quando o Valdemar Costa Neto, um
profissional da política, fala que não quer o bolsonarismo mandando no PL, ou
Lula afirma que ele quer fazer alianças com a centro-direita, qual é a
conclusão que temos em comum? Todos entenderam que tem que fazer arcos de
alianças mais amplos para terem chances de vitória em 2026."
O cientista político,
no entanto, diz que não é correto dizer que o centro prevaleceu sobre os
extremos. "Não tem centro nenhum. União Brasil, Republicanos, as próprias
várias alas do PSD são partidos de direita. O que prevaleceu foi outra lógica.
Esses partidos, turbinados com muito dinheiro do fundo eleitoral e de vários
tipos de emendas que vieram do Congresso, ajudaram a atingir uma taxa de adesão
de prefeitos como nunca houve antes." Ivan Fernandes também afirma que a
eleição municipal acena para novos nomes na direita. "Ao longo de 30 anos
de democracia, na esquerda você não consegue se consolidar sem o apoio do Lula.
Na direita, o mesmo acontecia com Bolsonaro. Agora, há indícios que é possível
alguém se viabilizar sem o apoio do bolsonarismo."
• O futuro de Nunes
O perfil dos
vereadores eleitos neste ano mostra que a gestão do MDB deve ter
governabilidade: os partidos da coligação de Nunes terão 36 dos 55 cadeiras a
partir do próximo ano. Ou seja, os aliados do atual prefeito formam 65% da
Câmara Municipal, o deve facilitar a aprovação de projetos enviados pelo
prefeito. Por isso, Eduardo Grin diz que Nunes não encontrará dificuldades para
governar.
Quanto ao futuro
político do prefeito reeleito, Ivan Fernandes acredita que Nunes deve seguir
trajetória semelhante à de Gilberto Kassab. "Não acredito que ele vá ser
candidato ao governo estadual. O Tarcísio precisaria viabilizar o sucessor, mas
acho que Nunes não é este nome. Meu palpite é que ele seguirá o percurso do
Kassab", diz. "Ele tem um partido forte, vai se fortalecer ainda mais
que são seis anos de gestão em São Paulo, o que lhe dá um orçamento enorme para
criar suas redes de apoio e sua clientela política." Fernandes projeta que
os próximos quatro anos de gestão Nunes serão marcados pela continuidade de
suas políticas: forte diálogo com construtoras e parcerias de políticas com o
governo de seu agora padrinho, Tarcísio de Freitas.
• Vitória de Nunes pode implodir relação
de Bolsonaro com Tarcísio
Eram 19h13 quando
Ricardo Nunes (MDB) subiu esfuziante ao palco montado no Clube Banespa, em
Santo Amaro, e se movia como se estivesse sendo eletrocutado. Felicidade pura
vazava pelos poros do prefeito reeleito de São Paulo, que, em meio a tantos
apoiadores, sequer sabia quem cumprimentar primeiro.
No entanto, ele sabia
quem seria a figura mais importante a ser cumprimentada no evento e a quem
deveria agradecer antes de tudo: Tarcísio de Freitas (Republicanos), o
governador paulista, grande fiador de sua candidatura e quem segurou sua mão
quando praticamente todo o campo bolsonarista o rifou e correu para os braços
do ex-coach Pablo Marçal (PRTB), que ficou pelo caminho no primeiro turno.
“Eu agradeço muito a
Deus, agradeço à minha família. Queria deixar agradecimento especial a minha
esposa Regina, que esteve sempre ao meu lado, em todos os momentos da minha
vida e sofreu enormes maldades nessa campanha. E ao líder maior, sem o qual não
teríamos de ter tido essa vitória, o governador Tarcísio de Freitas”, gritou
Nunes, emocionado e sob aplausos de seus correligionários.
A grande verdade é que
essa frase foi o fato mais importante da noite deste domingo (27) após o
anúncio da vitória do político do MDB. Tarcísio estava ali, já havia sido
abraçado, e sorria alegremente ao ouvir o elogio rasgado. Não é preciso
explicar muita coisa para perceber que tal alcunha, de “líder maior”, para toda
a extrema direita brasileira seria cabível a apenas uma só pessoa: Jair
Bolsonaro (PL).
A declaração de Nunes
também não foi fortuita, tampouco um deslize. A intenção era mesmo atacar
Bolsonaro, que o humilhou diversas vezes durante a corrida eleitoral, primeiro
negando apoio público, depois negando-se a aparecer ao seu lado quando foi obrigado
a fazer isso por acordos partidários, e por fim ao cumprimentá-lo sem ao menos
olhar na cara do prefeito a poucos dias da volta final da disputa. O
ex-presidente fazia questão de dizer que seu candidato era o vice da chapa de
Nunes, indicado por ele, um coronel da reserva da PM de São Paulo que
representa o que há de mais reacionário e truculento.
É necessário
contextualizar que Bolsonaro foi brutalmente derrotado nesta eleição municipal.
Todos os nomes ligados de forma mais intestinal e umbilical ao bolsonarismo
bufo foram derrotados. Com exceção de Abilio Brunini, em Cuiabá, a claque da
gritaria saiu derrotada das urnas, como nos casos de Alexandre Ramagem, no Rio,
Gilson Machado, no Recife, Bruno Engler, em Belo Horizonte, Fred Rodrigues, em
Goiânia, André Fernandes, em Fortaleza, Cristina Graeml, em Curitiba, Eder
Mauro, em Belém, Janad Valcari, em Palmas, Marcelo Queiroga, em João Pessoa,
Carlos Jordy, em Niterói, Rosana Valle, em Santos, e Antônio Parimoschi, em
Jundiaí.
É inequívoco que o
Brasil deu uma guinada ultraconservadora, e que a direita, e talvez até a
extrema direita, tenha crescido. Mas é inequívoca também a perda de força do
ex-presidente. Mesmo em redutos eleitorais reacionários, os nomes impostos por
ele acabaram saindo derrotados. Outros atores igualmente conservadores e sem a
suas bênçãos levaram a melhor na queda de braço com o até então todo-poderoso
totem extremista.
Diante disso, é
preciso lembrar também que Bolsonaro está inelegível e que, até então, Tarcísio
seria o nome mais forte, ainda que sem admissão oficial e pública, para a
disputa da Presidência da República em 2026. O mantra no bolsonarismo é de que
Bolsonaro é o candidato, mesmo sem poder ser. Numa eventualidade, que a bem da
verdade é uma certeza, de que o ex-presidente não poderá se candidatar, aí sim
surgiria Tarcísio como uma força política, uma vez que é evidente e comprovado
que o governador vem apresentando bons índices de aprovação entre a população
em São Paulo.
O destaque de Tarcísio
entre as hostes da extrema direita e a ascensão experimentada por ele ao se
travestir de “moderado”, em que pese suas frases de apoio à violência policial
e as abobrinhas ultraconservadoras “nos costumes”, já vinha incomodando Bolsonaro,
que procurava disfarçar. O antigo ocupante do Palácio do Planalto, um dos seres
mais vaidosos já paridos sobre a face da terra, não suporte que lhe faça o
mínimo de sombra. O próprio governador sempre procurou não colocar lenha nessa
fogueira, conhecendo o "chefe", e vivia repetindo como um soldadinho
de chumbo que o “mito” era seu líder e mentor.
Agora, a frase de
Nunes correspondida com largos sorrisos e abraços calorosos parece ter o poder
de dinamitar de vez a relação entre Tarcísio e Bolsonaro. O chefe do Executivo
paulista perdeu a vergonha de se mostrar vaidoso e gostou de provar o protagonismo
do poder com a vitória eleitoral de seu protegido na maior cidade do país.
Ouviu alegremente Nunes descer o sarrafo nos “extremismos” (leia-se
bolsonarismo-raiz), e assumiu uma postura de piscar para os acenos por
“moderação”.
Conhecendo Bolsonaro
como todos bem conhecem, a noite de brilho e fogos de artifício conquistada às
custas de sua fragorosa derrota pode deixar o “capitão” num oceano de ódio com
o até então pupilo e escolhido para assumir seu legado no caso de a inelegibilidade
permanecer. Terá ele estômago para passar por cima disso e seguir como fiador
de Tarcísio no bolsonarismo, ou o fígado falará mais alto? Aliás, a pergunta
deveria ser outra após essa noite de domingo: Bolsonaro ainda está em condições
de ser fiador de alguma coisa no campo ultraconservador/reacionário, ou os
novos nomes surgidos nos últimos tempos já tiraram seu protagonismo?
Ainda é cedo para
saber, mas a coisa entre os dois nunca mais será a mesma. Isso é um fato.
• Tarcísio cada vez mais independente de
Bolsonaro
Chamam muita atenção
as repercussões que pode trazer a união de partidos em torno do prefeito
reeleito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).
Um exemplo de
consequência imediata é o impacto que essa aliança pode ter na eleição para a
presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro.
A aliança entre o MDB
e o grupo em torno do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) comemorou a
vitória de Nunes sem o ex-presidente Jair Bolsonaro no palanque.
No discurso após se
sagrar vencedor, Nunes agradeceu Tarcísio diversas vezes, mas foi discreto
sobre o ex-presidente.
Bolsonaro não teve
papel ativo na eleição de Nunes, apesar de seu partido, o PL, fazer parte da
coligação. Essa situação cria uma mágoa. Já foi observado alguns sinais de
ressentimento de Nunes em relação a Bolsonaro, especialmente no primeiro turno,
quando Pablo Marçal ameaçou levar Nunes ao segundo turno.
Em sua fala de
vencedor, Nunes afirmou que o "nome de Tarcísio é presente" e o
"sobrenome é futuro", numa sugestão de que o governador deverá ser
candidato do campo político à Presidência da República em 2026. Bolsonaro está
inelegível, mas não gostaria de perder o posto de candidato do bloco.
Nunes disse que a
palavra "lealdade" faz parte de sua história de vida e chamou
Tarcísio de "líder maior".
É importante mencionar
que Nunes não é uma figura de grande brilho ou grande empatia popular e
conseguiu se eleger porque a esquerda escolheu um candidato com um teto
eleitoral visivelmente mais baixo, Guilherme Boulos (PSOL) . Mas também porque
Tarcísio mergulhou na campanha.
Nunes reforça ainda
mais o núcleo da direita em torno de Tarcísio, que se mostra cada vez mais
independente de Bolsonaro.
Fonte: BBC News
Brasil/Fórum/g1
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