terça-feira, 29 de outubro de 2024

Vitória de Nunes consagra 'direita da máquina' e cacifa Tarcísio

Com amplo apoio da máquina pública, uma coligação que reuniu 12 partidos e apoio firme do governo estadual, Ricardo Nunes (MDB) foi reeleito prefeito de São Paulo neste domingo (27). Ele venceu a disputa com Guilherme Boulos (PSOL) no segundo turno por 59,35% dos votos contra 40,65% do adversário. A vitória de Nunes consagra a "política profissional" na capital paulista, em um pleito marcado pelo impulsionamento da "direita das redes sociais" de Pablo Marçal (PRTB), que conquistou 1,7 milhão de votos no primeiro turno.

Empresário, Nunes foi vereador entre 2013 e 2020, quando foi eleito vice-prefeito da capital paulista na chapa liderada por Bruno Covas (PSDB). Em 2021, assumiu a prefeitura em após a morte de Covas. O prefeito tinha a legitimidade no Executivo questionada pela oposição nunca ter sido eleito em um pleito majoritário — o que muda com a votação que obteve nas eleições municipais deste ano. Durante a campanha, o prefeito reeleito desviou de acusações de corrupção e apostou em um discurso que mesclou conservadorismo com pragmatismo administrativo.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil destacam a influência da máquina pública para a vitória nestas eleições e o fortalecimento de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que sai chancelado como articulador político e um nome possível para disputa presidencial em 2026.

•        'Direita da máquina' x 'direita das redes'

No ano que três candidatos chegaram empatados no fim do primeiro turno, a vitória de Nunes evidencia que, apesar do crescimento da "direita digital" representada por Marçal, a política tradicional mantém sua força. É o que analisa Hannah Maruci, doutora em Ciência Política pela USP. "A máquina importa, o tempo de TV ainda importa", diz. "Quando o candidato que já está no cargo vai para o segundo turno, é muito difícil para outro candidato ganhar", diz a pesquisadora.

O resultado na capital paulista mostra uma redução da polarização, diz Eduardo Grin, professor de Ciência Política na Fundação Getúlio Vargas (FGV). "A gente esperava uma reprodução na esfera local do que foi [as eleições presidenciais de] 2022, a polarização entre o lulismo e o bolsonarismo. E isso não aconteceu", afirma o professor. Para ele, essa polarização não aconteceu pelo fato de Lula e Bolsonaro terem altas rejeições na cidade e participarem das campanhas de maneira tímida. "Lula tinha limites para entrar na campanha, porque vários partidos que estão apoiando o Nunes estão na sua base de apoio no Congresso Nacional e isso poderia gerar indisposições com o próprio MDB ou com União Brasil, por exemplo. E Bolsonaro não entrou na campanha porque ele sabia que isso significaria carregar de desgastes diretos", diz.

Maruci pondera que o resultado não significa que o fim da polarização. "O MDB é um partido não ideológico e o bolsonarismo nunca teve uma associação a um partido. Tanto é que Bolsonaro muda de partido inúmeras vezes. E o próprio Boulos foi alvo desse antipetismo também, embora ele não seja do PT. Então ainda estamos falando de duas forças antagonistas", pontua.

•        Tarcísio de Freitas: o grande vencedor

Mas algo é consenso entre os analistas políticos ouvidos pela reportagem: Tarcísio de Freitas sai destas eleições fortalecido.

No segundo turno, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o atual governador de São Paulo e o prefeito reeleito almoçaram e fizeram campanha juntos — mas o grande fiador político da campanha do candidato do MDB foi o governador. Antes de encontrar Bolsonaro, Nunes destacou o apoio do "grande amigo e irmão" Tarcísio, que esteve "ombro a ombro" com sua campanha. "Ele é uma grande referência nossa. Foi fazer caminhada com a gente, reunião, foi convocar pessoas para a nossa campanha. Agradeço muito ao governador Tarcísio por tudo", disse.

Enquanto o ex-presidente hesitou em apoiar abertamente Nunes no primeiro turno, já que o prefeito causou controvérsia nas redes sociais bolsonaristas por não ser um aliado "raiz", foi Tarcísio quem garantiu sustentação ao prefeito e se mostrou um padrinho confiável e entrou de cabeça na campanha.

Neste domingo, o governador afirmou sem provas que a facção criminosa PCC orientou voto em Boulos na capital paulista. A declaração foi feita no local de votação de Tarcísio, na zona sul de São Paulo. O candidato do PSOL classificou a declaração como “irresponsável e mentirosa”. “Este é o laudo falso do segundo turno”, disse Boulos, em referência à publicação de um atestado médico falso por Marçal às vésperas do segundo turno.

Para Eduardo Grin, ele demonstrou capacidade própria de articulação política e um nome forte para 2026. "O apoio de Tarcísio para o Ricardo Nunes mostra que, politicamente falando, o governador não é mais uma liderança tão dependente quanto foi de Bolsonaro", analisa. "Ele adquiriu voos próprios, começou muito apoiado pelo Gilberto Kassab, que vem tentando moderar ou polir a imagem como alguém que é um político não bolsonarista." O cientista político destaca uma derrota de Bolsonaro nestas eleições. Isso porque o ex-presidente viu o campo da direita radical se fragmentar e sua influência como cabo eleitoral ser posta à prova.

Ivan Fernandes, professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC), destaca a tentativa do governador em tentar caminhar para o centro e se desligar, em um primeiro momento, de alas radicais do bolsonarismo. O professor da UFABC diz que o governador "nunca foi uma figura super radical" e lembra e sempre foi alguém que conseguiu transitar. "Mesmo que não sendo um cargo de alto escalão, ele fez parte do governo Dilma e continuou durante o governo Bolsonaro. Ele já teve posturas excessivamente truculentas e podemos discutir até a atuação dele como governador, mas não como ator político."

•        Possíveis caminhos da direita em 2026

O pleito paulistano dá pistas de possíveis cenários para 2026. "É muito provável que um racha à direita, com o Bolsonaro sendo ou não candidato em 2026, continue", projeta Grin. Ele diz que a vitória de Nunes mostra a força da "política profissional", simbolizada na figura de Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD e que apoiou a campanha de Nunes. "Estamos lidando com um grande empresário da política, como o Kassab, que entendeu uma coisa muito importante dessa eleição: candidaturas que não caminharem no sentido de gerar grandes coalizões de apoio, a exemplo do João Campos em Recife ou do Eduardo Paes no Rio de Janeiro, estarão fadadas a serem derrotadas eleitoralmente", afirma. "Quando o Valdemar Costa Neto, um profissional da política, fala que não quer o bolsonarismo mandando no PL, ou Lula afirma que ele quer fazer alianças com a centro-direita, qual é a conclusão que temos em comum? Todos entenderam que tem que fazer arcos de alianças mais amplos para terem chances de vitória em 2026."

O cientista político, no entanto, diz que não é correto dizer que o centro prevaleceu sobre os extremos. "Não tem centro nenhum. União Brasil, Republicanos, as próprias várias alas do PSD são partidos de direita. O que prevaleceu foi outra lógica. Esses partidos, turbinados com muito dinheiro do fundo eleitoral e de vários tipos de emendas que vieram do Congresso, ajudaram a atingir uma taxa de adesão de prefeitos como nunca houve antes." Ivan Fernandes também afirma que a eleição municipal acena para novos nomes na direita. "Ao longo de 30 anos de democracia, na esquerda você não consegue se consolidar sem o apoio do Lula. Na direita, o mesmo acontecia com Bolsonaro. Agora, há indícios que é possível alguém se viabilizar sem o apoio do bolsonarismo."

•        O futuro de Nunes

O perfil dos vereadores eleitos neste ano mostra que a gestão do MDB deve ter governabilidade: os partidos da coligação de Nunes terão 36 dos 55 cadeiras a partir do próximo ano. Ou seja, os aliados do atual prefeito formam 65% da Câmara Municipal, o deve facilitar a aprovação de projetos enviados pelo prefeito. Por isso, Eduardo Grin diz que Nunes não encontrará dificuldades para governar.

Quanto ao futuro político do prefeito reeleito, Ivan Fernandes acredita que Nunes deve seguir trajetória semelhante à de Gilberto Kassab. "Não acredito que ele vá ser candidato ao governo estadual. O Tarcísio precisaria viabilizar o sucessor, mas acho que Nunes não é este nome. Meu palpite é que ele seguirá o percurso do Kassab", diz. "Ele tem um partido forte, vai se fortalecer ainda mais que são seis anos de gestão em São Paulo, o que lhe dá um orçamento enorme para criar suas redes de apoio e sua clientela política." Fernandes projeta que os próximos quatro anos de gestão Nunes serão marcados pela continuidade de suas políticas: forte diálogo com construtoras e parcerias de políticas com o governo de seu agora padrinho, Tarcísio de Freitas.

 

•        Vitória de Nunes pode implodir relação de Bolsonaro com Tarcísio

Eram 19h13 quando Ricardo Nunes (MDB) subiu esfuziante ao palco montado no Clube Banespa, em Santo Amaro, e se movia como se estivesse sendo eletrocutado. Felicidade pura vazava pelos poros do prefeito reeleito de São Paulo, que, em meio a tantos apoiadores, sequer sabia quem cumprimentar primeiro.

No entanto, ele sabia quem seria a figura mais importante a ser cumprimentada no evento e a quem deveria agradecer antes de tudo: Tarcísio de Freitas (Republicanos), o governador paulista, grande fiador de sua candidatura e quem segurou sua mão quando praticamente todo o campo bolsonarista o rifou e correu para os braços do ex-coach Pablo Marçal (PRTB), que ficou pelo caminho no primeiro turno.

“Eu agradeço muito a Deus, agradeço à minha família. Queria deixar agradecimento especial a minha esposa Regina, que esteve sempre ao meu lado, em todos os momentos da minha vida e sofreu enormes maldades nessa campanha. E ao líder maior, sem o qual não teríamos de ter tido essa vitória, o governador Tarcísio de Freitas”, gritou Nunes, emocionado e sob aplausos de seus correligionários.

A grande verdade é que essa frase foi o fato mais importante da noite deste domingo (27) após o anúncio da vitória do político do MDB. Tarcísio estava ali, já havia sido abraçado, e sorria alegremente ao ouvir o elogio rasgado. Não é preciso explicar muita coisa para perceber que tal alcunha, de “líder maior”, para toda a extrema direita brasileira seria cabível a apenas uma só pessoa: Jair Bolsonaro (PL).

A declaração de Nunes também não foi fortuita, tampouco um deslize. A intenção era mesmo atacar Bolsonaro, que o humilhou diversas vezes durante a corrida eleitoral, primeiro negando apoio público, depois negando-se a aparecer ao seu lado quando foi obrigado a fazer isso por acordos partidários, e por fim ao cumprimentá-lo sem ao menos olhar na cara do prefeito a poucos dias da volta final da disputa. O ex-presidente fazia questão de dizer que seu candidato era o vice da chapa de Nunes, indicado por ele, um coronel da reserva da PM de São Paulo que representa o que há de mais reacionário e truculento.

É necessário contextualizar que Bolsonaro foi brutalmente derrotado nesta eleição municipal. Todos os nomes ligados de forma mais intestinal e umbilical ao bolsonarismo bufo foram derrotados. Com exceção de Abilio Brunini, em Cuiabá, a claque da gritaria saiu derrotada das urnas, como nos casos de Alexandre Ramagem, no Rio, Gilson Machado, no Recife, Bruno Engler, em Belo Horizonte, Fred Rodrigues, em Goiânia, André Fernandes, em Fortaleza, Cristina Graeml, em Curitiba, Eder Mauro, em Belém, Janad Valcari, em Palmas, Marcelo Queiroga, em João Pessoa, Carlos Jordy, em Niterói, Rosana Valle, em Santos, e Antônio Parimoschi, em Jundiaí.

É inequívoco que o Brasil deu uma guinada ultraconservadora, e que a direita, e talvez até a extrema direita, tenha crescido. Mas é inequívoca também a perda de força do ex-presidente. Mesmo em redutos eleitorais reacionários, os nomes impostos por ele acabaram saindo derrotados. Outros atores igualmente conservadores e sem a suas bênçãos levaram a melhor na queda de braço com o até então todo-poderoso totem extremista.

Diante disso, é preciso lembrar também que Bolsonaro está inelegível e que, até então, Tarcísio seria o nome mais forte, ainda que sem admissão oficial e pública, para a disputa da Presidência da República em 2026. O mantra no bolsonarismo é de que Bolsonaro é o candidato, mesmo sem poder ser. Numa eventualidade, que a bem da verdade é uma certeza, de que o ex-presidente não poderá se candidatar, aí sim surgiria Tarcísio como uma força política, uma vez que é evidente e comprovado que o governador vem apresentando bons índices de aprovação entre a população em São Paulo.

O destaque de Tarcísio entre as hostes da extrema direita e a ascensão experimentada por ele ao se travestir de “moderado”, em que pese suas frases de apoio à violência policial e as abobrinhas ultraconservadoras “nos costumes”, já vinha incomodando Bolsonaro, que procurava disfarçar. O antigo ocupante do Palácio do Planalto, um dos seres mais vaidosos já paridos sobre a face da terra, não suporte que lhe faça o mínimo de sombra. O próprio governador sempre procurou não colocar lenha nessa fogueira, conhecendo o "chefe", e vivia repetindo como um soldadinho de chumbo que o “mito” era seu líder e mentor.

Agora, a frase de Nunes correspondida com largos sorrisos e abraços calorosos parece ter o poder de dinamitar de vez a relação entre Tarcísio e Bolsonaro. O chefe do Executivo paulista perdeu a vergonha de se mostrar vaidoso e gostou de provar o protagonismo do poder com a vitória eleitoral de seu protegido na maior cidade do país. Ouviu alegremente Nunes descer o sarrafo nos “extremismos” (leia-se bolsonarismo-raiz), e assumiu uma postura de piscar para os acenos por “moderação”.

Conhecendo Bolsonaro como todos bem conhecem, a noite de brilho e fogos de artifício conquistada às custas de sua fragorosa derrota pode deixar o “capitão” num oceano de ódio com o até então pupilo e escolhido para assumir seu legado no caso de a inelegibilidade permanecer. Terá ele estômago para passar por cima disso e seguir como fiador de Tarcísio no bolsonarismo, ou o fígado falará mais alto? Aliás, a pergunta deveria ser outra após essa noite de domingo: Bolsonaro ainda está em condições de ser fiador de alguma coisa no campo ultraconservador/reacionário, ou os novos nomes surgidos nos últimos tempos já tiraram seu protagonismo?

Ainda é cedo para saber, mas a coisa entre os dois nunca mais será a mesma. Isso é um fato.

•        Tarcísio cada vez mais independente de Bolsonaro

Chamam muita atenção as repercussões que pode trazer a união de partidos em torno do prefeito reeleito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).

Um exemplo de consequência imediata é o impacto que essa aliança pode ter na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro.

A aliança entre o MDB e o grupo em torno do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) comemorou a vitória de Nunes sem o ex-presidente Jair Bolsonaro no palanque.

No discurso após se sagrar vencedor, Nunes agradeceu Tarcísio diversas vezes, mas foi discreto sobre o ex-presidente.

Bolsonaro não teve papel ativo na eleição de Nunes, apesar de seu partido, o PL, fazer parte da coligação. Essa situação cria uma mágoa. Já foi observado alguns sinais de ressentimento de Nunes em relação a Bolsonaro, especialmente no primeiro turno, quando Pablo Marçal ameaçou levar Nunes ao segundo turno.

Em sua fala de vencedor, Nunes afirmou que o "nome de Tarcísio é presente" e o "sobrenome é futuro", numa sugestão de que o governador deverá ser candidato do campo político à Presidência da República em 2026. Bolsonaro está inelegível, mas não gostaria de perder o posto de candidato do bloco.

Nunes disse que a palavra "lealdade" faz parte de sua história de vida e chamou Tarcísio de "líder maior".

É importante mencionar que Nunes não é uma figura de grande brilho ou grande empatia popular e conseguiu se eleger porque a esquerda escolheu um candidato com um teto eleitoral visivelmente mais baixo, Guilherme Boulos (PSOL) . Mas também porque Tarcísio mergulhou na campanha.

Nunes reforça ainda mais o núcleo da direita em torno de Tarcísio, que se mostra cada vez mais independente de Bolsonaro.

 

Fonte: BBC News Brasil/Fórum/g1

 

Nenhum comentário: