terça-feira, 29 de outubro de 2024

Moeda comum do BRICS pode ser concorrente do dólar e euro, diz deputado guineano

Na Cúpula do BRICS em Kazan ficou claro que a associação tem boas perspectivas, inclusive na questão da criação de uma moeda comum, que poderia se tornar concorrente do dólar e do euro, disse Abdoulaye Kourouma, membro da Assembleia Nacional da Guiné, à Sputnik.

Kourouma ressaltou que o BRICS junta os países não apenas para se desenvolverem, mas também para estabelecerem uma moeda única.

Ele acredita que o dólar dos EUA e o euro, moeda da União Europeia, poderão ter um concorrente na forma de uma moeda comum do BRICS no futuro.

"Já existem o dólar e o euro. Se os principais países se unirem para desenvolver algo assim, acho que é uma possibilidade. É a concorrência que vai definir suas regras. E a concorrência favorece o mercado. Concordo que deve haver concorrência em todos os níveis", disse Kourouma.

O parlamentar guineano observou que novos parceiros do BRICS, como a Turquia, estão demonstrando interesse na associação.

"Os grandes países estão batendo na porta. Na minha opinião, ainda é necessário ir à África e fazer o que as organizações clássicas não foram capazes de fazer."

Ele disse que a evolução do BRICS e de suas instituições, inclusive o Novo Banco de Desenvolvimento, chefiado por Dilma Rousseff, vai fazer com que a associação desempenhe um papel mais importante.

Segundo ele, a 16ª Cúpula do BRICS em Kazan, que ocorreu de 22 a 24 de outubro, mostrou que a Rússia não está isolada e está se desenvolvendo apesar da pressão das sanções ocidentais.

"Esta cúpula está mais bem organizada do que as eleições nos EUA. O mundo inteiro está aqui. Estou surpreso, há milhares de jornalistas aqui. [...] A Rússia não está isolada", afirmou.

Ele acrescentou que as sanções se tornaram uma boa oportunidade para o desenvolvimento da Rússia.

<><> Cúpula em Kazan culminou presidência russa

O BRICS é uma associação interestatal criada em 2006. A Rússia assumiu a presidência do BRICS em 1º de janeiro de 2024. Em 2025, a presidência vai passar da Rússia para o Brasil.

O ano começou com a entrada de novos membros na associação: além da Rússia, Brasil, Índia, China e África do Sul, o BRICS agora inclui o Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.

A 16ª Cúpula do BRICS em Kazan, com a participação de representantes de 36 países e seis organizações internacionais, foi realizada de 22 a 24 de outubro.

O Brasil foi representado pelo ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira, pois o chefe de Estado Lula da Silva teve que cancelar sua viagem um dia antes devido a um acidente doméstico.

A cúpula foi o evento final da presidência russa da associação, e foi realizada sob o lema de fortalecer o multilateralismo para o desenvolvimento global equitativo e a segurança.

¨      Domínio do dólar resiste a moedas alternativas no comércio global

Em sua participação na reunião do Brics, na última quarta-feira (23), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender a adoção de uma moeda comum para uso nas transações comerciais entre os países do bloco, como alternativa ao quase onipresente e onipotente dólar. 

Não foi o único tema abordado em seu discurso, transmitido por videoconferência a partir de Brasília para os líderes nacionais, reunidos em Kazan, na Rússia. Porém, é assunto quase tão recorrente quanto os demais tratados pelo presidente brasileiro em encontros desse tipo, como a transição para uma economia menos destrutiva ao meio ambiente ou a reforma das instituições multilaterais, para citar apenas dois. 

Um dia antes, a presidente do Banco dos Brics, Dilma Rousseff, havia defendido a mesma proposta de moeda comum em encontro com o presidente russo Vladimir Putin, anfitrião da 16ª Cúpula dos Brics e líder político do 11º PIB mundial e quarta maior economia do bloco, atrás de China, Índia e Brasil, nesta ordem. Por sinal, foi Dilma quem, presidente do Brasil, lançou oficialmente a proposta da então chamada “moeda dos Brics”, na 6ª Cúpula do bloco, em Fortaleza, no ano de 2014. Na mesma ocasião, foi criado o banco que ela iria presidir, quase 20 anos depois. 

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A proposta de uma moeda comum, já realizada pela Comunidade Econômica Europeia, ao lançar o euro no início de 2002, é antiga e periodicamente volta a ser defendida por blocos internacionais, com o desejo de maior liberdade em relação ao dólar, ainda o mais poderoso meio de pagamento internacional. 

 Segundo balanço do FMI, o dólar, no vintênio 1999-2019, representou 96% das faturas comerciais nas Américas, 74% na região da Ásia-Pacífico e 79% no resto do mundo. 

Há tentativas de promover outras moedas nas trocas comerciais entre países, como o Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML), em vigor no Mercosul a partir de 2008, após acordo entre Brasil e Argentina. Desde então, o SML obteve adesão de mais dois países, Uruguai e Paraguai.  

Porém, a participação das moedas nacionais nas exportações e importações no Mercosul é tímida. Em 2023, por exemplo, apenas R$ 4,2 bilhões exportados pelo Brasil à Argentina, do volume total de R$ 16,7 bilhões, foram pagos pelo SML. 

<><> Exemplo do euro 

A mais bem-sucedida moeda alternativa ao dólar no comércio internacional, o euro surgiu, como ideia, no final dos anos 1960, quando o sistema de trocas era baseado no padrão ouro-dólar, e os países da Europa ocidental passaram a questionar a hegemonia estadunidense no fluxo internacional de divisas.   

Os europeus começavam a estruturar o chamado mercado comum, que foi oficialmente instalado em 1º de julho de 1968, com a abolição das tarifas aduaneiras entre Alemanha, França, Itália, os Países Baixos, a Bélgica e Luxemburgo, os seis primeiros países a aderir. Estava criada a Comunidade Econômica Europeia, cujo nome mudaria para União Europeia em 1993, com o Tratado de Maastricht. A assinatura do tratado foi decisiva para a adoção de padrões econômicos mínimos por todos os países que quisessem aderir. 

Já a preparação da nova moeda durou três décadas, até que, em 1999, a União Europeia lançasse sua divisa comum, até hoje alvo de controvérsias. Um dos personagens que mais se destaca nas idas-e-vindas é a Inglaterra. O país havia aderido ao bloco em 1973, mas sem adotar o euro – a libra esterlina permaneceu sempre como sua moeda nacional –, até que decidisse sair de vez da UE em 2016, com o plebiscito que ficou conhecido como Brexit. 

Atualmente, apesar de consolidado, o euro não se tornou majoritário nas transações dos próprios países de sua zona de influência. Em 2023, segundo a agência Eurostat, a moeda comum foi usada em 51,6% de todas as exportações dos países europeus, ficando o dólar em segundo lugar, com 31,6%. Outras formas de pagamento responderam pelo restante. Nas importações, os países da União Europeia usaram o dólar em 50,3% das compras, ficando o euro com 41,2%. 

Recuando algumas décadas nessa história de disputas, encontra-se a gênese da primazia do dólar nas transações internacionais. 

<><> Bancor derrotada em Bretton Woods 

Sobre os escombros da 2ª Guerra Mundial, que atingiu especialmente a Europa, mas também o restante do mundo, o debate dos virtuais vitoriosos opôs duas propostas centrais para a reconstrução, durante a Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944. 

Uma dessas propostas, capitaneada pelo representante da delegação inglesa, John Maynard Keynes, colocou sobre a mesa a criação de uma moeda internacional, o bancor, com taxa de câmbio controlada pelo ICU (International Clearing Union), entidade que deveria ser composta pelos bancos centrais dos países representados, responsável por registrar e compensar todos os pagamentos internacionais. 

Uma das premissas do bancor era de que a moeda não pertencesse a nenhum país, mas a todos que aderissem ao bloco, e que a quantidade em posse de cada um deles fosse compatível a seu volume de comércio internacional. O padrão-ouro, medida que teoricamente definia o valor das moedas nacionais pela quantidade de ouro que cada país possuía, deixaria de reger o câmbio internacional. 

Já os balanços de pagamentos nacionais (diferença entre o que se compra e o que se vende), na visão de Keynes, seriam equilibrados pela oferta de bancor, por parte dos países com excesso em caixa, em favor daqueles que entrassem em déficit.  

Na memória de Keynes estavam vivas as consequências impostas pelos vencedores da 1ª Guerra Mundial, que exigiram dos países derrotados o ressarcimento dos gastos do conflito. Um dos frutos dessas condições draconianas foi a ascensão do fascismo na Itália e na Alemanha, fortalecidos por suas propostas autoritárias para reconstruir suas economias, devastadas por aquela nova derrota pós-guerra. 

Outra hipótese para explicar as motivações de Keynes para propor a criação do bancor era a perda de hegemonia da libra esterlina, o que dificultava promovê-la a moeda de referência.

Fim da guerra: americanos leem as notícias em 1945. Foto: ONU/Lundquist

Ao final, a proposta vencedora em Bretton Woods foi a apresentada pelos Estados Unidos, já a maior potência econômica do mundo. O país, cuja principal autoridade à mesa era Harry White, funcionário do Departamento do Tesouro, propunha a manutenção do padrão-ouro e que o dólar fosse seu correspondente em papel-moeda. De início, o valor do dólar era medido em onças de ouro.  

Os estadunidenses, lastreados pelo Fort Knox – depósito onde estariam protegidos os alegados lingotes de ouro que sustentavam o valor de cada dólar em circulação pelo mundo – passaram a ter reconhecida, institucionalmente, sua hegemonia sobre as transações internacionais.  

Quem quisesse exportar ou importar, teria primeiro de trocar suas moedas nacionais por dólares. Em lugar do ICU proposto por Keynes, surgiu o FMI. Moedas nacionais passariam por ajustes no câmbio, mas o dólar, como referência internacional, estaria mais protegido que as outras. 

<><> Mostre o ouro 

As décadas seguintes, em grande parte impulsionadas pelos esforços de reconstrução na Europa, com forte presença de investimentos públicos e com os Estados Unidos à frente, em iniciativas como o Plano Marshall, produziram forte crescimento econômico no mundo ocidental. O período ficaria conhecido como os 30 Anos Gloriosos.  

Naquela quadra histórica, sob a sombra do regime soviético que se apresentava como alternativa ao capitalismo, países europeus investiram também na construção de políticas sociais e de distribuição de renda, com forte presença do Estado, no modelo que passou a ser chamado Estado de Bem-Estar Social. 

No final dos anos 1960, os desequilíbrios no comércio internacional, entre países com maior e menor capacidade exportadora, passaram a ser mais nitidamente sentidos, inclusive em déficits na balança dos próprios Estados Unidos. A recuperação econômica na Europa havia consolidado concorrentes de peso no comércio mundial.

No entanto, detentores da moeda oficial das trocas internacionais, os americanos sustentavam sua posição, a despeito dos déficits. O dólar continuava forte. Os questionamentos passaram a se intensificar na década seguinte.  

Um episódio marcante dessa tensão é atribuído ao presidente francês, Charles de Gaulle, que desafiou os Estados Unidos a mostrar o ouro de Fort Knox. 

Apesar de o personagem ser associado pelos brasileiros à anedota “o Brasil não é um país sério”, frase atribuída ao velho general, o desafio aos Estados Unidos foi feito de forma prática: a França passou a comprar lingotes de ouro, supostamente guardados no Fort Knox, com as reservas de dólar que havia acumulado. A tendência passou a ser seguida por outros países europeus com dólares em caixa. 

Em 1971, atolado na Guerra do Vietnã e com problemas econômicos domésticos, os Estados Unidos, sob o presidente Richard Nixon, decidem unilateralmente romper com o padrão-ouro, desmantelando um dos princípios acordados em Bretton Woods. O dólar fica fragilizado, mas ainda permanece como meio de pagamento internacional, inclusive por força de contratos já firmados. Os efeitos práticos e simbólicos da iniciativa francesa de trocar reservas de dólar por ouro, que colocava em dúvida a veracidade do lastro que guiava o valor das moedas, desfazem-se no ar. 

<><> Crises do petróleo e dos juros 

A partir de 1973, outra disputa comercial entrou em cena e, embora sem relação direta com o padrão-dólar, sacudiu as certezas em torno da hegemonia nas transações internacionais. Os países proprietários das maiores jazidas de petróleo, reunidos na Opep, reduzem a produção do ouro negro, o que impõe ao mundo uma crise de grandes proporções. Mais dependentes do petróleo do que atualmente, as grandes potências sofrem com a escassez e os altos preços dos combustíveis e a atividade econômica cai bruscamente. 

Oito anos depois, Paul Volcker, então presidente do Federal Reserve – o banco central estadunidense – adotou medida drástica e tão unilateral quanto o rompimento com o padrão-ouro: elevou fortemente as taxas de juros nos Estados Unidos, como forma de tentar conter a inflação e atrair especuladores interessados em papéis do governo.  Entre outros resultados, a medida valorizou o dólar. O princípio de busca de controle internacional do câmbio ia, assim, para o espaço.

A medida produziu também sofrimento nos países que haviam contraído empréstimos junto aos Estados Unidos. O choque de juros fez explodir os valores das dívidas dolarizadas. O Brasil foi um dos prejudicados, entrando em fase marcada pela chamada crise da dívida. Era a passagem para os anos 1980 e a ditadura militar brasileira caminhava para seu desfecho. E a imagem do dólar ganhou tonalidades mais fortes de vilão internacional junto a setores da opinião pública. 

<><> Reservas 

No século 21, a moeda estadunidense continua estendendo seus tentáculos no xadrez político mundial. Há casos extremos, como o da Argentina, refém da dolarização de sua economia, em diferentes graus de abrangência, desde os anos 1980. Com Javier Millei, o país tem aprofundado esse modelo, defendido como alternativa à inflação e adotado gradativamente pelo atual presidente, desde sua posse.  

Lá, tentativas de fugir a um certo ‘padrão-dólar’ fizeram surgir recentemente moedas locais, como o chacho, na província de La Rioja. Vítima da interrupção dos repasses do governo central, o governador implementou o atual meio de pagamentos. As novas moedas recebidas pelos comerciantes são resgatadas junto ao próprio executivo local, ao câmbio de 1,17 peso argentino por cada chacho. 

No Brasil, nos anos 1990, o Plano Real inicialmente atrelava o valor de sua nova moeda ao dólar. Atualmente, uma das manifestações mais incisivas da presença da moeda norte-americana se dá nas reservas internacionais de US$ 350 bilhões, espécie de “colchão monetário” que protege o País de oscilações externas e de ataques especulativos. As reservas são objeto de elogios do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. 

<><> Menos dependência 

A possibilidade de formar reservas em outras moedas, diminuindo a dependência do dólar, é a principal razão para que países ou blocos de países planejem a criação de novos meios de pagamento. Essa substituição não redundará em menos gastos nas transações de importação e exportação. Atualmente, operações em dólar são menos dispendiosas, ao contrário do que pode parecer. 

Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o custo em dólar costuma ser mais baixo por diversas regras de mercado, como a obrigatoriedade de fazer múltiplas conversões, caso se opte pelo uso de outra moeda, e despesas bancárias mais altas. 

“O objetivo principal não é a redução de custos das operações, mas a redução da dependência monetária em relação ao dólar, e o aumento da capacidade de financiamento em moeda nacional”, diz o economista Pedro Rossi, professor livre-docente do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) e vice-presidente do Global Fund For a New Economy. 

“Hoje, os países são muito suscetíveis às flutuações do dólar, à própria política monetária americana. Precisam carregar reservas na moeda americana, o que caracteriza uma assimetria monetária no sistema global. O objetivo de adotar um sistema de pagamento alternativo é reduzir essa assimetria”, completa Rossi, autor do recém-lançado livro “Brasil em Disputa – Uma nova história da economia brasileira” (Editora Planeta). 

Mesmo diante da importância estratégica, a consolidação de moedas alternativas, mesmo quando bem-sucedida – como no caso do euro –, parece lenta. E é, porque a criação da moeda é mais simples que inseri-la, de fato, como meio de pagamento internacional ou em blocos comerciais. 

“A adoção de uma moeda única é bem diferente da adoção de um sistema de pagamento específico, de uma câmara de compensação que processa créditos e débitos entre moedas nacionais. A moeda única, tal como o euro, é difícil de sustentar quando não há uma união fiscal entre os países”, explica o professor, em entrevista à Agência Gov.

“O caso da Europa mostra isso bem: há uma união monetária, mas não fiscal, e isso gera tensão entre os países. E os países não emitem suas próprias moedas, e por isso não dispõem de mecanismos macroeconômicos, como a possibilidade de desvalorização cambial, ou a possibilidade de financiamento em suas próprias moedas. Eles perdem autonomia macroeconômica. O mesmo vale para o Mercosul. Eu não vejo possibilidade de o bloco adotar uma moeda única, pois são países com suas especificidades”, diz ainda. “Mas eu vejo possibilidade no sentido de comércio em moeda local, como já existe ente Brasil e Argentina. São iniciativas que economizam dólar”, completa. 

É preciso recordar que os Estados Unidos, ao contrário dos demais, têm seu próprio sistema para emitir dólares, uma outra razão para a predominância de sua moeda. 

 

Fonte: Sputnik Brasil/Agencia GOV

 

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