quarta-feira, 30 de outubro de 2024

O Grupo Wagner e os interesses russos na África

Um grupo mercenário russo que leva o nome do compositor predileto de Adolf Hitler e cujo emblema é uma caveira – é assim que o Grupo Wagner moldou sua imagem, ao menos nos últimos anos. As aparências, porém, ocultam uma parte significativa das atividades da organização. Trata-se de uma rede amplamente ramificada que também se envolve nas economias locais; em particular, na África, sempre em defesa dos interesses da Rússia.

Desde a morte do líder Yevgeny Prigozhin em junho de 2023 em um misterioso acidente aeronáutico, pouco depois de ele desafiar abertamente a autoridade do presidente russo, Vladimir Putin, o Grupo Wagner passou a atuar de maneira mais próxima às estruturas do Estado russo.

<><> Agente não oficial do Kremlin

"O Grupo Wagner é absolutamente essencial, por ser complementar aos canais diplomáticos oficiais", afirma à DW Hager Ali, pesquisadora do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga).

Ela explica que, além de equipar as Forças Armadas e se envolver em iniciativas diplomáticas como o grupo do Brics+ – bloco geopolítico liderado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, os mercenários assumem atividades que o governo russo não pode realizar em nível de Estado. "Um Exército formal está sujeito a um grupo de regras completamente diferente do que ocorre com uma organização militar privada."

Após a morte de Prigozhin, algumas unidades do grupo foram transferidas para a chamada Corporação da África – nome que também faz alusão ao nazismo. Essa nova organização é subordinada ao Ministério russo da Defesa.

"O Estado russo queria obter controle sobre os mercenários, sem mexer nas estruturas pessoais que já existiam nos países. Dessa forma, a Corporação da África passou a ser uma holding, por assim dizer, que foi tomada pelo Wagner", diz à DW Ulf Laessing, diretor para a região do Sahel da Fundação Konrad Adenauer.

O Wagner é um meio utilizado pelo governo russo para espalhar propaganda antiocidental nas comunidades africanas, mas não é o único. Moscou também usa as redes sociais e a mídia tradicional. Há ainda instituições culturais como a Casa Russa em Bangui, a capital da República Centro-Africana (RCA), onde 500 pessoas aprendem o idioma russo.

Há também apresentações teatrais e musicais, diz à DW o diretor da Casa Russa, Dmitri Sytyi, que se apresenta como um "embaixador informal da política russa", embora os Estados Unidos e a União Europeia (UE) o considerem um alto oficial do Grupo Wagner, incluindo-o em suas listas de alvos de sanções internacionais.

Sytyi, de 35 anos, alega estar sendo usado como bode expiatório, enquanto a UE o acusa de cometer graves violações dos direitos humanos na RCA. A ONG Human Rights Watch, por exemplo, o associou à pratica de tortura e assassinatos e denunciou a impunidade no país aos criminosos do Grupo Wagner.

<><> Como o grupo Wagner atua na África

Poucos países do continente africano possuem laços tão estreitos com o Grupo Wagner como a RCA. Os mercenários fazem a segurança do presidente Faustin-Archange Touadéra e dão apoio às tropas do governo em seus esforços para manter o controle no país, em meio à guerra civil. Segundo relatos na imprensa, existem no país entre 1,5 mil e 2 mil combatentes do grupo.

A RCA assinou em 2018 um tratado oficial de segurança com a Rússia. Um aeroporto militar está atualmente sendo reformado para se tornar uma base russa.

Provavelmente em contrapartida aos serviços de segurança, empresas pertencentes à rede do Wagner exploram uma mina de ouro no país centro-africano e extraem madeira de alto valor das florestas tropicais. Outras produzem cerveja, comercializam vodca em Bangui ou realizam negócios com açúcar.

O Wagner também tem papel ativo no conflito na Líbia que, assim como a RCA, também possui um centro estratégico para as atividades russas no Sudão. Antes mesmo do início da guerra, o grupo já mantinha contatos com os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF) sudanesas.

Ao mesmo tempo, o Kremlin se mantém próximo à outra parte no conflito, as Forças Armadas Sudanesas (SAF), que são importantes para Moscou em termos de comércio e de interesses relacionados a uma base naval no Mar Vermelho.

A nova estruturação do Grupo Wagner como Corporação da África permite ao Kremlin avançar com uma estratégia mais clara, segundo Hager Ali. A Rússia pode, por um lado, acessar recursos através do Wagner. "Por outro lado, pode também usar os canais diplomáticos oficiais para manter ou até mesmo aprofundar sua presença na África", diz a pesquisadora.

Dessa forma, a Rússia, que depende de moeda estrangeira em sua guerra contra a Ucrânia, pode se beneficiar em dobro com a comercialização de novos sistemas de armamentos de sua indústria bélica e com o envolvimento do Wagner na transferência de conhecimento.

<><> Venda de pacotes de "sobrevivência de regimes"

Há ainda outros focos de atividade do Wagner na região do Sahel. Em Mali, Burkina Fasso e no Níger, estão no poder governos golpistas antiocidente que contam com o apoio russo. "A ideia original no Mali era introduzir o Grupo Wagner e substituir o Ocidente para combater e adquirir armas", afirma Ulf Laessing. Ele diz que esse objetivo, contudo, acabou mudando. Por exemplo, o líder do golpe em Burkina Fasso, Ibrahim Traoré, cercou-se de guarda-costas russos.

Também no Níger há sinais de que o Wagner estaria fornecendo seu "pacote de sobrevivência de regimes". "Lá também está a Corporação da África. Não há sinais de que estejam envolvidos em combates, mas estou convencido de que eles estão lá para proteger o regime, especialmente porque os russos anunciaram a instalação de sistemas antiaéreos. Eles não precisam combater os jihadistas", diz Laessing. Para ele, a RCA é uma amostra de como o Wagner ajuda um presidente a se manter no poder.

Hager Ali também enxerga essa influência. "Isso pode incluir expertise e experiência, assim como o apoio direto na repressão a possíveis insurgências em meio à população civil, na extração de recursos naturais, e assim por diante."

É possível que, no futuro, outros chefes de Estado africanos recebam ofertas para adquirir os pacotes de sobrevivência do grupo Wagner.

¨      Rússia e África do Sul concordaram em expandir cooperação de suas Forças Armadas, anuncia MD russo

Delegações militares de Moscou e Pretória se encontraram nesta segunda-feira (28), de acordo com Ministério da Defesa russo.

Segundo o comunicado, "durante a reunião, os líderes militares chegaram a acordos para aumentar ainda mais a cooperação entre as forças armadas em diversas áreas", disse o ministério.

Na semana passada, na véspera da cúpula do BRICS em Kazan, o presidente Cyril Ramaphosa, em uma reunião bilateral com Vladimir Putin, disse que a África do Sul vê a Rússia como uma aliada valiosa.

"Continuamos a ver a Rússia como uma aliada valiosa, como uma amiga valiosa que nos apoiou desde o início, desde os dias da nossa luta contra o apartheid", disse Ramaphosa, citado pela Reuters.

Na época, o presidente sul-africano acrescentou que "teremos discussões importantes aqui em Kazan dentro da família BRICS".

¨      Rússia teria infiltrado grupos de mercenários, afirma analista militar após morte de sabotadores

No domingo (27), um grupo de sabotadores estrangeiros tentou invadir o território russo na região de Bryansk, localizada próximo ao norte da Ucrânia. Quatro foram mortos pelas forças de segurança russas e os demais fugiram. Essas e outras vitórias sobre mercenários indicariam que a Rússia tem bastante inteligência sobre o movimento dessas tropas.

A informação da tentativa de violar as fronteiras da Federação da Rússia foi revelada pelo Serviço Federal de Segurança (FSB, na sigla em russo) nesta segunda-feira.

"Em 27 de outubro, funcionários do Departamento de Fronteiras do Serviço Federal de Segurança da Rússia na região de Bryansk, juntamente com unidades das Forças Armadas e Guarda Nacional russas, reprimiram a tentativa de um grupo de sabotagem e reconhecimento de violar a fronteira estatal da Federação da Rússia no distrito de Klimovsky", afirmou o FSB.

"Como resultado do confronto, quatro sabotadores foram eliminados. Os remanescentes do grupo em retirada foram atingidos por um ataque de mísseis e artilharia e sofreram perdas."

Ainda segundo informações da autoridade russa, entre os pertences encontrados com os soldados eliminados estavam equipamentos e pertences pessoais que comprovam sua origem estrangeira, como um caderno de orações em polonês e uma bandeira canadense.

Um dos soldados neutralizados possuía uma tatuagem do 2º Batalhão Ranger, um de três que integram o 75º Regimento Ranger, unidade de paraquedistas e operações especiais do Exército dos Estados Unidos.

À Sputnik Brasil, o especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil Robinson Farinazzo explica que o 75º Rangers é uma tropa de elite especializada em infiltração, sequestro de alvos de valor, sabotagem, destruição e reconhecimento especializado.

Posicionadas nos estados norte-americanos da Geórgia, na costa leste, e Washington, na costa oeste, informações públicas das Forças Armadas estadunidenses apontam que essas tropas podem ser deslocadas para qualquer lugar do mundo em até 18 horas.

"O objetivo de uma unidade dessas é levantar algo de oportunidade. Estabelecer itinerário, descobrir fragilidades e reportar informações úteis ao comando e à OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] para futuras operações contra o território russo."

É sabido que mercenários estrangeiros, em especial militares com alto treinamento, atuam no conflito ucraniano. Esta não é a primeira ocasião em que estrangeiros realizam ações terroristas ou sucumbem às forças de defesa russas.

No entanto, o uso de um soldado de elite como o ranger norte-americano é sintomático, aponta Farinazzo. Segundo o especialista militar, é um claro sinal de que Kiev está com dificuldades de formar e treinar tropas especializadas.

"Essa formação demanda bastante tempo e necessita de pessoal que já tenha experiência", diz Farinazzo. "E a Ucrânia pode estar com falta deles para suprir as duas frentes."

Em 6 de agosto deste ano, as forças ucranianas alargaram o campo de batalha com uma ofensiva no norte, focada principalmente na região russa de Kursk, vizinha a Bryansk. Desde então, a Rússia decretou uma operação antiterrorismo no local.

O presidente russo, Vladimir Putin, informou em entrevista coletiva que há cerca de 2 mil soldados ucranianos cercados nessa direção e que as forças de segurança estão no processo de eliminar esses batalhões. Só no último mês, a Ucrânia perdeu 26 mil combatentes só em Kursk.

Ao mesmo tempo, a Ucrânia vem consistentemente perdendo território em Donbass.

Além disso, explicita Farinazzo, a defesa das fronteiras russas neste domingo, aliada a recentes ataques contra locais de mobilização de mercenários estrangeiros, indicam que a Rússia está adquirindo inteligência concreta quanto a movimentações dessas tropas.

"A Rússia provavelmente se infiltrou nesses grupos de mercenários. Todos os mercenários que estão entrando na Ucrânia, a Rússia provavelmente sabe. Então esse pessoal não vai durar muito não."

¨      Militares ocidentais operam na Ucrânia há muito tempo, isso faz parte da guerra híbrida, diz Moscou

O ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, afirmou que os soldados ocidentais têm estado operando na Ucrânia há muito tempo, isso faz parte da guerra híbrida da OTAN e União Europeia (UE) contra a Rússia.

"O presidente tem repetidamente apresentado provas específicas de que nas fileiras das Forças Armadas ucranianas estão lutando militares de exércitos ocidentais, mercenários, voluntários e existem instrutores diretos sem os quais não é possível usar diretamente não só as armas ocidentais de longo alcance, mas também meios de destruição ucranianos de longo alcance, sem a ajuda dos especialistas ocidentais, sem dados de inteligência espacial, que os ucranianos certamente não têm, sem os especialistas de programação das missões de voo, estas tropas não podem utilizar equipamentos de foguetes", disse o ministro durante uma coletiva de imprensa em Moscou.

"Mas os militares ocidentais estão operando na Ucrânia há muito tempo, isso faz parte da guerra híbrida da OTAN e da UE contra nosso país, nós sabemos bem disso", comentou o chefe da diplomacia russa.

A Rússia lançou uma operação militar especial na Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 em resposta aos apelos de proteção das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk (RPD e RPL) contra os bombardeios e ataques das tropas ucranianas. O presidente russo Vladimir Putin disse que seu objetivo é "proteger as pessoas que foram submetidas a abuso e genocídio pelo regime de Kiev por oito anos".

¨      Tentativa de mercenários de violar fronteira russa expõe o nível da interferência dos EUA na Ucrânia

Analistas ouvidos pela Sputnik afirmam que o episódio mostra que os EUA estão "envolvidos até os olhos" no conflito ucraniano e aponta a escassez de tropas em Kiev.

A descoberta de que mercenários estrangeiros estavam liderando a fracassada tentativa de violação às fronteiras da Rússia expôs o envolvimento direto dos EUA no conflito ucraniano.

A tentativa de invasão ocorreu no domingo (27) e foi confirmada nesta segunda-feira (28), em um comunicado emitido pelo Serviço Federal de Segurança (FSB, na sigla em russo). Segundo o órgão, após os sabotadores serem neutralizados, foi descoberto no corpo de um deles uma tatuagem indicando que ele era um membro do 75º Regimento Ranger de elite do Exército dos EUA.

Ademais, foi constatado que também havia entre os sabotadores itens que sugeriam a presença de cidadãos da Polônia e do Canadá no grupo.

À Sputnik, o ex-analista sênior de política de segurança do Departamento de Defesa dos EUA Michael Maloof afirma que a descoberta sugere que "mercenários estrangeiros estão trabalhando em nome dos ucranianos".

"Eles estão sendo alvejados e mortos, como deveriam ser", disse Maloof à Sputnik.

Ele acrescenta que muitos mercenários dos EUA se aglomeraram sob as bandeiras de Kiev e morreram como resultado, destacando que para Moscou esse é um "jogo justo".

"Se tivéssemos uma invasão estrangeira neste país vinda de fora, os EUA provavelmente responderiam de forma similar. Então a Rússia está defendendo sua soberania territorial", observa Maloof.

<><> EUA estão envolvidos no conflito ucraniano 'até os olhos desde o início'

Para Larry Johnson, oficial de inteligência aposentado da CIA e ex-funcionário do Departamento de Estado, a participação de militares estrangeiros no ataque frustrado indica "desespero por parte da [Organização do Tratado do Atlântico Norte] OTAN e do Ocidente".

"É certamente uma prova definitiva de que o Ocidente e os países da OTAN têm pessoal que está lutando em nome dos ucranianos", observa Johnson.

Ele acrescenta que a descoberta torna irônica a alegação do Ocidente de que soldados da República Popular Democrática da Coreia combatem nas fileiras russas e diz que a tentativa de invasão foi "claramente planejada por agentes de inteligência", e não pelos ucranianos.

"A presença primária da CIA na Ucrânia é o que era conhecido como divisão de operações especiais, é uma força paramilitar. Eles estão lá desde o início, treinados para executar missões como essa, missões de sabotagem, invasões."

Nesse contexto, ele afirma que o episódio não deve ser considerado um sinal de que Washington está se envolvendo gradualmente no conflito ucraniano simplesmente por que os EUA já "estão envolvidos até os olhos desde o início".

"Isso poderia ser usado como evidência para apresentar isso. Mas eu acho que a realidade é que os Estados Unidos têm estado diretamente envolvidos nisso desde o início", explica Johnson.

Ali-Shir Yazdani, especialista iraniano em assuntos internacionais, afirma à Sputnik que a presença de mercenários estrangeiros lutando contra a Rússia "representa principalmente uma tentativa de fortalecer o Exército ucraniano e reflete o comprometimento do Ocidente e dos Estados Unidos em apoiar os militares da Ucrânia contra a Rússia".

Ele observa que anteriormente, quando o Exército ucraniano havia entrado em território russo na região de Kursk, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia anunciou o envolvimento dos EUA no ataque e a presença de cidadãos dos EUA participando da operação.

"Naturalmente, a presença de mercenários estrangeiros no Exército ucraniano será processada pela lei russa. No entanto, está claro que a presença desses mercenários americanos significa envolvimento direto dos EUA na guerra com a Rússia."

Estrangeiros na unidade de sabotagem refletem escassez de tropas em Kiev

Para o veterano, analista internacional e tenente-coronel reformado do Exército dos EUA Earl Rasmussen, a presença dos mercenários estrangeiros demonstra a "extrema escassez de tropas experientes" em Kiev.

Ele sublinha que o tipo de missão de operações especiais que a equipe de sabotagem foi designada exigia operadores altamente qualificados, capazes de realizar sabotagem ou reconhecimento. Então, diante da falta dessas pessoas nas forças ucranianas, "parece razoável que eles recorram a mercenários".

Ele avalia que os EUA estão envolvidos no conflito ucraniano, e destaca que o episódio atual pode resultar em uma mudança de paradigma por parte dos adversários da Rússia.

"Envolver-se diretamente nos bastidores é uma espécie de nova direção. É um sinal de desespero? É um sinal de fraqueza do lado ucraniano? Provavelmente ambos."

Para Rasmussen, é provável que o grupo de sabotadores estivesse engajado em uma missão de reconhecimento ou de busca por um ponto fraco ou alvo para potencial sabotagem.

Sobre a tatuagem em referência ao 75º Regimento Ranger descoberta no corpo de um dos sabotadores eliminados, Rasmussen afirma que os membros dessa unidade de elite podem executar uma ampla gama de tarefas, o que indica que poderiam fornecer treinamento, interagir com civis ou realizar reconhecimento e sabotagem de qualquer tipo.

"O que eles realmente fazem é confidencial, mas eles podem estar fazendo tudo", diz Rasmussen à Sputnik.

 

Fonte: DW Brasil/Sputnik Brasil

 

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