Nível atual de gases de efeito estufa no ar
garante anos de altas temperaturas, aponta OMM
“Outro ano, outro
recorde”, cita relatório da OMM (Organização Meteorológica Mundial) lançado
nesta segunda-feira, que aponta que 2023 alcançou a maior concentração de gases
estufa do período pós-industrial, era iniciada em 1850. Uma vez que estes
materiais permanecem por longos períodos na atmosfera, o estado atual do
planeta já garante que as temperaturas devem subir por anos à frente, afirma o
documento.
“No decorrer de 2023,
grandes incêndios de vegetação, emissões de CO2 [dióxido de carbono] e uma
possível redução na absorção de carbono pelas florestas, combinadas com
emissões insistentemente altas de CO2 de combustíveis fósseis de atividades
humanas e industriais impulsionaram o aumento” dos níveis, ressalta o Boletim
Anual de Gases de Efeito Estufa da OMM.
O estudo serve como
complemento para o material divulgado pelo PNUMA na semana passada, que mede as
emissões de gases estufa no planeta anualmente. No caso da OMM, o foco é quanto
dessas emissões permanecem concentradas na atmosfera.
Em 2023, 57 bilhões de
tCO2e (toneladas de CO2 equivalente, medida que reúne o impacto dos gases
estufa) foram emitidas no planeta, segundo o PNUMA.
O reflexo disso está
no resultado apontado hoje pela OMM, com um novo recorde de volume de gases
estufa no ar. No ano passado, a concentração média global de CO2 atingiu 420
ppm (partes por milhão). No caso do metano, 1.934 partes por bilhão e, para o
óxido nitroso, 336,9 partes por bilhão, informa o relatório. Esses valores são
respectivamente 51%, 165% e 25% maiores do que os níveis pré-industriais.
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Tendência de alta constante nas últimas décadas
O aumento de CO2 na
atmosfera em 2023 foi maior do que o de 2022, embora menor do que o dos três
anos anteriores, aponta a OMM. O aumento anual de 2,3 ppm marcou o 12º ano
consecutivo com uma alta maior que 2 ppm.
“O boletim alerta que
enfrentamos um potencial ciclo vicioso. A variabilidade climática natural
desempenha um grande papel no ciclo do carbono. Mas, em um futuro próximo, a
própria mudança climática pode fazer com que os ecossistemas se tornem fontes
maiores de gases de efeito estufa. Incêndios florestais podem liberar mais
emissões de carbono na atmosfera, enquanto o oceano mais quente pode absorver
menos CO2. Consequentemente, mais CO2 pode permanecer na atmosfera para
acelerar o aquecimento global. Esses feedbacks climáticos são preocupações
críticas para a sociedade humana”, afirma o secretário-geral adjunto da OMM, Ko
Barrett.
A constância das
tendências de alta também foram destacadas no levantamento da agência. De 1990
a 2023, a força radiativa (efeito de aquecimento no clima) por gases de efeito
estufa de longa duração aumentou em 51,5%, com o CO2 sendo responsável por cerca
de 81% desse aumento, de acordo com o Índice Anual de Gases de Efeito Estufa da
NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional), órgão do governo dos
Estados Unidos citado no relatório.
As concentrações de
CO2 aumentaram 11,4% em 20 anos, algo jamais registrado durante “a existência
humana” no planeta, ressalta a OMM. Em 2004, a concentração deste gás na
atmosfera era de 377.1 ppm.
“A análise de dados
mostra que pouco menos da metade das emissões de CO2 permanecem na atmosfera.
Pouco mais de um quarto é absorvido pelo oceano e pouco menos de 30% pelos
ecossistemas terrestres – embora haja uma considerável variabilidade ano a ano
devido a fenômenos naturais como El Niño e La Niña”, observa o boletim.
Durante os anos de El
Niño, os níveis de gases de efeito estufa tendem a aumentar, porque a vegetação
mais seca e os incêndios florestais mais intensos reduzem a eficiência de
absorção dos sumidouros de carbono na natureza, como plantas, manguezais e o oceano.
• Relatório da ONU mantém 1,5°C “vivo”,
mas considera aumento de 3°C neste século
O PNUMA (Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente) lançou nesta quinta-feira (24) um novo
relatório em que estabelece diretrizes para os cortes de emissões de gases
estufa necessários para manter “vivos” o Acordo de Paris e a meta de aumento de
1,5°C nas temperaturas globais. Como ressalta o documento, é um desafio cada
dia mais difícil, e para ser cumprido, seria preciso um fenômeno de mobilização
e transição tecnológica, política e energética jamais visto pela humanidade.
O chamado à ação
ocorre em meio à COP16, que discute os objetivos dos países para recuperar a
biodiversidade do planeta, e já se antecipa à COP29 logo mais em novembro,
quando nações integrantes da ONU devem começar a estabelecer suas novas metas
para enfrentar o desafio da mudança climática, as chamadas NDCs (Contribuições
Nacionalmente Determinadas, na tradução da sigla em inglês).
O programa destaca a
ousadia e vontade política necessárias para se apresentar um resultado efetivo
frente ao desafio do aquecimento global, e lembra que nem sequer as metas
atuais, consideradas insuficientes, vêm sendo cumpridas. Sem esforços
adicionais, o planeta pode aquecer até 3,1°C ainda este século, fenômeno que
teria consequências devastadoras sobre espécies, ecossistemas e também para a
infraestrutura de muitos países, devido a eventos extremos e alta dos mares.
"Sabemos o que
fazer, sabemos como fazer e sabemos das dificuldades e desafios, mas temos que
ter lideranças para enfrentá-los. A tragédia no Sul, a maior seca da história e
as queimadas na Amazônia e no Pantanal nos mostraram que da forma como está, já
era", afirma Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF-Brasil,
que analisou o relatório.
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Cenários previstos pelo PNUMA
• Para almejar 1,5°C: cortar 7,5% das
emissões todo ano até 2035
• Para ficar em até 2°C: cortar 4% das
emissões todo ano até 2035
• Implementar as metas climáticas atuais
deve levar a aquecimento de 2,6°C
• Políticas atuais de meio ambiente e
economia (o chamado business as usual) levarão a alta de 3,1°C
<><> ONU
pede metas à altura do desafio
Apresentar NDCs
atualizadas para evitar os piores cenários e cumpri-las à risca é o apelo do
PNUMA. O caminho começa pelo G20, grupo que segundo a ONU foi responsável no
ano passado por 77% das emissões globais de gases que “turbinam” o aquecimento
do planeta, gerando as consequências de distúrbios no clima e perda de
biodiversidade conhecidas como mudança climática.
“Como os membros do
G20 ainda estão fora do caminho para cumprir até mesmo as NDCs atuais, os
maiores emissores precisarão aumentar drasticamente a ação e a ambição agora e
nas novas promessas”, defende a ONU. “Um apoio internacional mais forte e um
financiamento climático aprimorado [tema central da COP29] serão essenciais
para garantir que as metas de mitigação e desenvolvimento possam ser alcançadas
de forma justa entre os membros do G20 e globalmente”, complementa o relatório.
<><> Ainda
é possível ficar em 1,5°C
Apesar da escala da
tarefa, continua sendo tecnicamente possível cortar emissões em linha com um
caminho de 1,5°C, argumenta o PNUMA. O relatório mostra que a lacuna de
emissões para 2030 e 2035 poderia ser superada a um custo abaixo de US$ 200 (R$
1.138) por tonelada de CO2 equivalente, medida usada para contabilizar todos os
gases estufa de uma só vez.
O potencial para
cortes em 2030 é de 31 gigatoneladas de CO2 equivalente – o que representaria
uma queda a cerca de metade das emissões globais de 2023 – e 41 gigatoneladas
em 2035, analisa o programa.
"Os próximos
meses serão decisivos, à medida que se aproxima o prazo para os países
assumirem novos compromissos climáticos que estabeleçam metas de emissões para
2035. De forma encorajadora, o relatório mostra que os avanços na tecnologia,
particularmente eólica e solar, tornam possível limitar o aquecimento à meta de
1,5°C a custos viáveis", avalia Taryn Fransen, diretora de ciência,
pesquisa e dados no Programa Climático Global do WRI (World Resources
Institute).
O crescimento de
tecnologias de energia solar e eólica poderia ajudar a cortar 27% do potencial
total de redução em 2030, e 38% em 2035; manter e especialmente regenerar
florestas poderia gerar uma queda de mais 20% nas emissões em ambos os anos; e
outras opções auxiliares seriam medidas de eficiência, como a eletrificação e
troca por biocombustíveis nos setores de construção, transporte e indústria.
“Este potencial
ilustra que é possível atingir as metas da COP28 de triplicar a capacidade de
energia renovável até 2030, dobrando a taxa média anual global de melhorias de
eficiência energética, deixando de usar combustíveis fósseis e conservando,
protegendo e restaurando a natureza e os ecossistemas.”
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Revolução política e financeira
No entanto, entregar
até mesmo parte desse potencial exigirá uma mobilização internacional sem
precedentes e uma abordagem que implicaria mudanças culturais em governos
inteiros, ressalta o relatório. Manter o aquecimento em 1,5°C implica uma
verdadeira revolução política na gestão pública, e também uma reconfiguração
muito ágil do mercado financeiro.
“Os membros do G20,
responsáveis pela maior parte das emissões totais, devem fazer o trabalho
pesado”, afirma o documento, que incita os maiores poluidores do bloco, como
Estados Unidos, China e Brasil, entre outros, a mostrarem suas cartas já nas
novas NDCs, que devem ser apresentadas até fevereiro de 2025, seguido agenda
estabelecida pelas Nações Unidas.
No setor privado,
seria necessário um aumento mínimo de seis vezes no investimento em mitigação
para zerar até 2050 as emissões nas atividades econômicas, como indústria e
comércio. Algo acessível, na avaliação do PNUMA: o investimento incremental
estimado para o net-zero é de US$ 0,9-2,1 trilhões (R$ 5-12 trilhões) por ano.
“Investimentos que
trariam retornos em custos evitados de mudanças climáticas, poluição do ar,
danos à natureza e impactos na saúde humana. Para contextualizar, a economia
global e os mercados financeiros valem US$ 110 trilhões (R$ 626 trilhões) por
ano”, argumenta o relatório.
Fonte: Um só Planeta
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