terça-feira, 29 de outubro de 2024

Nível atual de gases de efeito estufa no ar garante anos de altas temperaturas, aponta OMM

“Outro ano, outro recorde”, cita relatório da OMM (Organização Meteorológica Mundial) lançado nesta segunda-feira, que aponta que 2023 alcançou a maior concentração de gases estufa do período pós-industrial, era iniciada em 1850. Uma vez que estes materiais permanecem por longos períodos na atmosfera, o estado atual do planeta já garante que as temperaturas devem subir por anos à frente, afirma o documento.

“No decorrer de 2023, grandes incêndios de vegetação, emissões de CO2 [dióxido de carbono] e uma possível redução na absorção de carbono pelas florestas, combinadas com emissões insistentemente altas de CO2 de combustíveis fósseis de atividades humanas e industriais impulsionaram o aumento” dos níveis, ressalta o Boletim Anual de Gases de Efeito Estufa da OMM.

O estudo serve como complemento para o material divulgado pelo PNUMA na semana passada, que mede as emissões de gases estufa no planeta anualmente. No caso da OMM, o foco é quanto dessas emissões permanecem concentradas na atmosfera.

Em 2023, 57 bilhões de tCO2e (toneladas de CO2 equivalente, medida que reúne o impacto dos gases estufa) foram emitidas no planeta, segundo o PNUMA.

O reflexo disso está no resultado apontado hoje pela OMM, com um novo recorde de volume de gases estufa no ar. No ano passado, a concentração média global de CO2 atingiu 420 ppm (partes por milhão). No caso do metano, 1.934 partes por bilhão e, para o óxido nitroso, 336,9 partes por bilhão, informa o relatório. Esses valores são respectivamente 51%, 165% e 25% maiores do que os níveis pré-industriais.

<><> Tendência de alta constante nas últimas décadas

O aumento de CO2 na atmosfera em 2023 foi maior do que o de 2022, embora menor do que o dos três anos anteriores, aponta a OMM. O aumento anual de 2,3 ppm marcou o 12º ano consecutivo com uma alta maior que 2 ppm.

“O boletim alerta que enfrentamos um potencial ciclo vicioso. A variabilidade climática natural desempenha um grande papel no ciclo do carbono. Mas, em um futuro próximo, a própria mudança climática pode fazer com que os ecossistemas se tornem fontes maiores de gases de efeito estufa. Incêndios florestais podem liberar mais emissões de carbono na atmosfera, enquanto o oceano mais quente pode absorver menos CO2. Consequentemente, mais CO2 pode permanecer na atmosfera para acelerar o aquecimento global. Esses feedbacks climáticos são preocupações críticas para a sociedade humana”, afirma o secretário-geral adjunto da OMM, Ko Barrett.

A constância das tendências de alta também foram destacadas no levantamento da agência. De 1990 a 2023, a força radiativa (efeito de aquecimento no clima) por gases de efeito estufa de longa duração aumentou em 51,5%, com o CO2 sendo responsável por cerca de 81% desse aumento, de acordo com o Índice Anual de Gases de Efeito Estufa da NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional), órgão do governo dos Estados Unidos citado no relatório.

As concentrações de CO2 aumentaram 11,4% em 20 anos, algo jamais registrado durante “a existência humana” no planeta, ressalta a OMM. Em 2004, a concentração deste gás na atmosfera era de 377.1 ppm.

“A análise de dados mostra que pouco menos da metade das emissões de CO2 permanecem na atmosfera. Pouco mais de um quarto é absorvido pelo oceano e pouco menos de 30% pelos ecossistemas terrestres – embora haja uma considerável variabilidade ano a ano devido a fenômenos naturais como El Niño e La Niña”, observa o boletim.

Durante os anos de El Niño, os níveis de gases de efeito estufa tendem a aumentar, porque a vegetação mais seca e os incêndios florestais mais intensos reduzem a eficiência de absorção dos sumidouros de carbono na natureza, como plantas, manguezais e o oceano.

•        Relatório da ONU mantém 1,5°C “vivo”, mas considera aumento de 3°C neste século

 

O PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) lançou nesta quinta-feira (24) um novo relatório em que estabelece diretrizes para os cortes de emissões de gases estufa necessários para manter “vivos” o Acordo de Paris e a meta de aumento de 1,5°C nas temperaturas globais. Como ressalta o documento, é um desafio cada dia mais difícil, e para ser cumprido, seria preciso um fenômeno de mobilização e transição tecnológica, política e energética jamais visto pela humanidade.

O chamado à ação ocorre em meio à COP16, que discute os objetivos dos países para recuperar a biodiversidade do planeta, e já se antecipa à COP29 logo mais em novembro, quando nações integrantes da ONU devem começar a estabelecer suas novas metas para enfrentar o desafio da mudança climática, as chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, na tradução da sigla em inglês).

O programa destaca a ousadia e vontade política necessárias para se apresentar um resultado efetivo frente ao desafio do aquecimento global, e lembra que nem sequer as metas atuais, consideradas insuficientes, vêm sendo cumpridas. Sem esforços adicionais, o planeta pode aquecer até 3,1°C ainda este século, fenômeno que teria consequências devastadoras sobre espécies, ecossistemas e também para a infraestrutura de muitos países, devido a eventos extremos e alta dos mares.

"Sabemos o que fazer, sabemos como fazer e sabemos das dificuldades e desafios, mas temos que ter lideranças para enfrentá-los. A tragédia no Sul, a maior seca da história e as queimadas na Amazônia e no Pantanal nos mostraram que da forma como está, já era", afirma Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF-Brasil, que analisou o relatório.

<><> Cenários previstos pelo PNUMA

•        Para almejar 1,5°C: cortar 7,5% das emissões todo ano até 2035

•        Para ficar em até 2°C: cortar 4% das emissões todo ano até 2035

•        Implementar as metas climáticas atuais deve levar a aquecimento de 2,6°C

•        Políticas atuais de meio ambiente e economia (o chamado business as usual) levarão a alta de 3,1°C

<><> ONU pede metas à altura do desafio

Apresentar NDCs atualizadas para evitar os piores cenários e cumpri-las à risca é o apelo do PNUMA. O caminho começa pelo G20, grupo que segundo a ONU foi responsável no ano passado por 77% das emissões globais de gases que “turbinam” o aquecimento do planeta, gerando as consequências de distúrbios no clima e perda de biodiversidade conhecidas como mudança climática.

“Como os membros do G20 ainda estão fora do caminho para cumprir até mesmo as NDCs atuais, os maiores emissores precisarão aumentar drasticamente a ação e a ambição agora e nas novas promessas”, defende a ONU. “Um apoio internacional mais forte e um financiamento climático aprimorado [tema central da COP29] serão essenciais para garantir que as metas de mitigação e desenvolvimento possam ser alcançadas de forma justa entre os membros do G20 e globalmente”, complementa o relatório.

<><> Ainda é possível ficar em 1,5°C

Apesar da escala da tarefa, continua sendo tecnicamente possível cortar emissões em linha com um caminho de 1,5°C, argumenta o PNUMA. O relatório mostra que a lacuna de emissões para 2030 e 2035 poderia ser superada a um custo abaixo de US$ 200 (R$ 1.138) por tonelada de CO2 equivalente, medida usada para contabilizar todos os gases estufa de uma só vez.

O potencial para cortes em 2030 é de 31 gigatoneladas de CO2 equivalente – o que representaria uma queda a cerca de metade das emissões globais de 2023 – e 41 gigatoneladas em 2035, analisa o programa.

"Os próximos meses serão decisivos, à medida que se aproxima o prazo para os países assumirem novos compromissos climáticos que estabeleçam metas de emissões para 2035. De forma encorajadora, o relatório mostra que os avanços na tecnologia, particularmente eólica e solar, tornam possível limitar o aquecimento à meta de 1,5°C a custos viáveis", avalia Taryn Fransen, diretora de ciência, pesquisa e dados no Programa Climático Global do WRI (World Resources Institute).

O crescimento de tecnologias de energia solar e eólica poderia ajudar a cortar 27% do potencial total de redução em 2030, e 38% em 2035; manter e especialmente regenerar florestas poderia gerar uma queda de mais 20% nas emissões em ambos os anos; e outras opções auxiliares seriam medidas de eficiência, como a eletrificação e troca por biocombustíveis nos setores de construção, transporte e indústria.

“Este potencial ilustra que é possível atingir as metas da COP28 de triplicar a capacidade de energia renovável até 2030, dobrando a taxa média anual global de melhorias de eficiência energética, deixando de usar combustíveis fósseis e conservando, protegendo e restaurando a natureza e os ecossistemas.”

<><> Revolução política e financeira

No entanto, entregar até mesmo parte desse potencial exigirá uma mobilização internacional sem precedentes e uma abordagem que implicaria mudanças culturais em governos inteiros, ressalta o relatório. Manter o aquecimento em 1,5°C implica uma verdadeira revolução política na gestão pública, e também uma reconfiguração muito ágil do mercado financeiro.

“Os membros do G20, responsáveis pela maior parte das emissões totais, devem fazer o trabalho pesado”, afirma o documento, que incita os maiores poluidores do bloco, como Estados Unidos, China e Brasil, entre outros, a mostrarem suas cartas já nas novas NDCs, que devem ser apresentadas até fevereiro de 2025, seguido agenda estabelecida pelas Nações Unidas.

No setor privado, seria necessário um aumento mínimo de seis vezes no investimento em mitigação para zerar até 2050 as emissões nas atividades econômicas, como indústria e comércio. Algo acessível, na avaliação do PNUMA: o investimento incremental estimado para o net-zero é de US$ 0,9-2,1 trilhões (R$ 5-12 trilhões) por ano.

“Investimentos que trariam retornos em custos evitados de mudanças climáticas, poluição do ar, danos à natureza e impactos na saúde humana. Para contextualizar, a economia global e os mercados financeiros valem US$ 110 trilhões (R$ 626 trilhões) por ano”, argumenta o relatório.

 

Fonte: Um só Planeta

 

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