Uso excessivo de água no Matopiba pode
comprometer até 40% da capacidade futura de expansão da irrigação
Considerada uma das
fronteiras agrícolas que mais crescem no Brasil e a área com maior taxa de
emissão de gases de efeito estufa no Cerrado, a região conhecida como Matopiba
corre o risco de enfrentar falta de água já nos próximos anos. Entre 30% e 40%
da demanda por irrigação de terras agricultáveis pode não ser atendida no
período de 2025 a 2040 devido à superexploração dos recursos hídricos.
Esse problema, somado
às mudanças climáticas, está reduzindo as vazões subterrâneas – provenientes do
aquífero Urucuia – e dos corpos d’água superficiais da bacia do rio Grande,
afluente do São Francisco. A redução desse fluxo pode comprometer o atendimento
a demandas como o abastecimento urbano, de populações ribeirinhas e o próprio
agronegócio, sem contar a diminuição de disponibilidade para toda a bacia.
A conclusão é de um
estudo liderado por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) que analisou a sustentabilidade de longo prazo da expansão agrícola em
meio à crescente escassez de água na região. O trabalho, idealizado pela
cientista do Inpe Ana Paula Aguiar e realizado em parceria com o Centro de
Resiliência de Estocolmo (Suécia), aponta que deve haver um aumento de até 40%
de energia para irrigação, pressionando ainda mais o sistema.
Acrônimo formado pelas
siglas de quatro Estados – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, o Matopiba
está inserido predominantemente no Cerrado (91% da área ou 665 mil km2), tendo
apenas 7,3% na Amazônia e 1,7% na Caatinga. Em sua parte sudeste, é abastecido
pela bacia do rio Grande, que cobre cerca de 76 mil km2.
Para fazer a análise,
os pesquisadores usaram um modelo de dinâmica de sistemas – uma ferramenta que
permite representar as complexas interações e feedbacks entre uso da terra,
energia e água, além de simular diferentes cenários, vendo como é a reação ao
longo do tempo. Com isso, ajuda na tomada de decisões e na implementação de
políticas públicas mais eficazes.
“A dinâmica de
sistemas considera uma visão holística, simulando as relações e as várias
demandas – irrigação, energia elétrica, consumo – que existem simultaneamente
na região. Isso nem sempre é considerado em análises realizadas por órgãos
públicos”, diz o pesquisador do Inpe Celso von Randow, um dos autores do
trabalho.
O artigo foi publicado
na Ambio – Journal of Environment and Society e é parte do projeto Nexus –
Caminhos para a Sustentabilidade, coordenado por Jean Ometto, pesquisador do
Inpe e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas
Globais (PFPMCG). O projeto buscou propor estratégias para viabilizar a
transição para um futuro sustentável nos biomas Cerrado e Caatinga por meio de
uma abordagem participativa, integrando métodos qualitativos e quantitativos.
O relatório técnico do
Nexus, que traz informações da pesquisa do grupo e de outras desenvolvidas na
região, foi lançado agora em outubro e apresentado no seminário “Contribuições
da comunidade científica brasileira para a temática de combate à desertificação”,
realizado na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
Pesquisadores do grupo estarão juntamente com a delegação brasileira na
Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para o Combate à
Desertificação (UNCCD), na Arábia Saudita, em dezembro.
“A ideia do estudo
nasceu de uma das oficinas do projeto Nexus, realizada no município de
Barreiras. Havia uma preocupação com a sustentabilidade do sistema de
irrigação. Desenvolvemos um modelo de dinâmica de sistemas para a região, mas
ele pode ser aplicado a outras áreas adaptando algumas variáveis de acordo com
a necessidade”, explica a engenheira agrícola Minella Alves Martins, primeira
autora do artigo e orientanda de von Randow no Inpe com o apoio da FAPESP.
Durante a oficina, os
principais desafios relatados na bacia do rio Grande estavam relacionados à
disponibilidade de água – tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo
– e aos conflitos socioambientais motivados por seu uso e pela posse irregular
da terra. Mais de 90% das retiradas de água na bacia são destinadas à
irrigação, de acordo com dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico
(ANA).
Nos últimos dez anos,
o Matopiba – com 337 municípios – registrou um salto na produção de grãos –
92%, passando de 18 milhões de toneladas (safra 2013/14) para cerca de 35
milhões de toneladas. Na Bahia, as culturas de soja, milho e algodão são
destaque, tendo o município de Barreiras como um dos principais produtores no
Estado.
Estima-se que na
próxima década o crescimento agrícola do Matopiba ainda seja de 37%, com a
produção atingindo 48 milhões de toneladas em uma área plantada de 110 mil km2.
Os números fazem parte do estudo Projeções do Agronegócio, elaborado pelo
Ministério da Agricultura e Pecuária em parceria com a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Por outro lado, a seca
severa que vem atingindo o país reduziu a previsão de produção de grãos na
safra 2023/2024, especialmente no Matopiba. Para agravar a situação, o Cerrado
bateu recorde de focos de incêndio neste ano. Foram 68.868 entre janeiro e 25
de setembro, superando todo o ano de 2023. É o maior desde 2015.
Com esse cenário, além
de registrar aumento da temperatura, o Matopiba emitiu 80% dos 135 milhões de
toneladas de CO2 liberadas para a atmosfera por causa do desmatamento no
Cerrado entre janeiro de 2023 e julho de 2024, segundo levantamento do
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
A destruição da
vegetação nativa pelo fogo e o desmatamento para outros usos levam a uma
redução da evapotranspiração das plantas, diminuindo a quantidade de chuva. Há
ainda o fato de a água, sem a cobertura vegetal, chegar com mais força ao solo,
escorrendo superficialmente e deixando de formar os canais subterrâneos.
• Projeções
O modelo de dinâmica
de sistemas usado pelos pesquisadores para a região mostrou que as vazões
superficiais e subterrâneas tendem a diminuir até 2040. Eles levaram em
consideração os usos de água atuais, as mudanças climáticas e feedbacks
econômicos. Em contrapartida, haverá um aumento na demanda de água,
principalmente impulsionada pela expansão da irrigação. Deve passar de 1,53
m³/s (2011-2020) para 2,18 m³/s (2031-2040).
Por isso, os
pesquisadores apontam a possibilidade de estagnação da expansão da agricultura
irrigada na região, levantando preocupações sobre a sustentabilidade de longo
prazo do setor na bacia do rio Grande.
“Ouvimos muito na
região que as retiradas de água são acima dos níveis de outorga. Então, o
primeiro ponto de recomendação seria a revisão dessas permissões, justamente
para que estejam de acordo com o novo normal climatológico que estamos vivendo.
A série histórica pode estar defasada, levando a uma permissão acima do que é
possível ofertar. Observamos por meio de dados de monitoramento de poços da
CPRM que os níveis de águas subterrâneas estão caindo, mas esse sistema ainda é
muito utilizado. Por isso, outra necessidade seria a fiscalização para proibir
poços clandestinos e o monitoramento da exploração de novos locais de
perfuração, visando um uso racional dos recursos hídricos”, afirma Martins à
Agência FAPESP.
O grupo recomenda
também que seja aprimorada a fiscalização das mudanças de uso e cobertura do
solo para que áreas de recarga do aquífero não sejam comprometidas, além de
incentivar estratégias mais eficientes e racionais da utilização de água na
agricultura. Para estudos futuros, os cientistas sugerem a exploração de outros
caminhos para adaptação às condições atuais, como a possibilidade de conectar o
subsistema elétrico local à rede nacional e a criação de canais adicionais para
garantir o abastecimento.
Fonte: Agencia Fapesp
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