O fracasso de bilheteria de 1994 que se
transformou em filme amado
Quando o filme Um
Sonho de Liberdade foi lançado, há 30 anos, parecia ter todos os ingredientes
para ser um sucesso de bilheteria.
Afinal, foi baseado em
um romance de um dos autores mais vendidos do mundo, Stephen King, então
parecia que uma base de fãs já pronta teria interesse em assisti-lo.
Na verdade, outro
livro do escritor, Outono da Inocência – O Corpo, retirado da mesma coletânea
de 1982, Quatro Estações, havia sido transformado em um filme de enorme
sucesso, Conta Comigo, em 1986.
O diretor e roteirista
Frank Darabont acreditava que a história era tão cinematográfica que, em 1987,
ele mesmo comprou os direitos para adaptá-la.
"Achei a
história, a história de Stephen King, tão atraente e tocante, que para mim, era
simplesmente natural ser um filme", disse ele a Stuart Maconie,
apresentador do programa The DVD Collection, da BBC4, em 2004.
O romance conta a
história de Andy Dufresne, um homem condenado pelo assassinato da esposa e do
amante dela — e como, por meio da amizade com outro detento, Ellis
"Red" Redding, ele sobrevive e, por fim, triunfa sobre as condições
brutalmente duras da Penitenciária de Shawshank.
E Darabont havia
encontrado o local perfeito para representar a impiedosa prisão gótica. O
Reformatório do Estado de Ohio, nos EUA, havia sido inaugurado em 1896, e
permaneceu em funcionamento até 1990, quando foi fechado devido a denúncias de
tratamento desumano de seus prisioneiros.
Filmar lá
acrescentaria uma atmosfera autenticamente sombria a Um Sonho de Liberdade.
"Não é possível
estar em um lugar como esse sem que haja uma sensação real de mau
pressentimento e desespero", afirmou Darabont.
"E todo mundo
sentiu isso, todos no elenco e na equipe sentiram isso. Então, era um lugar
muito opressivo para gravar um filme. As pessoas diziam que você sentia a
tristeza ou os fantasmas no lugar."
A produção também
convidou dois atores aclamados para serem protagonistas.
Tim Robbins, que
interpretou Dufresne, havia recebido duas indicações ao Globo de Ouro por
diferentes atuações no ano anterior, ganhando o prêmio de melhor ator por O
Jogador.
Morgan Freeman,
escalado como Red, já havia sido indicado ao Oscar duas vezes na época. Ele
também tinha acabado de atuar no faroeste de Clint Eastwood de 1993, Os
Imperdoáveis, um filme que, além de ter sido um sucesso de bilheteria, ganhou
quatro estatuetas do Oscar.
E quando o drama
ambientado na prisão foi concluído, o burburinho inicial foi extremamente
promissor. A produtora do filme, Liz Glotzer, contou que as reações do público
às exibições de teste foram incríveis.
"Quero dizer,
foram as melhores exibições de todos os tempos", ela disse à revista
Vanity Fair, em 2014.
Portanto, era
compreensível que as expectativas fossem altas quando Um Sonho de Liberdade foi
lançado, em setembro de 1994. E, como Freeman disse ao programa The Graham
Norton Show, da BBC, em 2017, "foi um fracasso de bilheteria".
Darabont afirmou ao
apresentador Stuart Maconie que o filme "teve problemas para encontrar
nosso público, fazer as pessoas comparecerem".
As vendas de ingressos
para sua primeira exibição nos cinemas foram claramente abaixo do esperado,
conseguindo recuperar apenas US$ 16 milhões do orçamento de US$ 25 milhões nos
EUA.
O momento do
lançamento do filme fez com que ele enfrentasse uma forte concorrência pela
atenção dos espectadores.
Um Sonho de Liberdade
estreou em meio à exibição do grande sucesso cinematográfico de Tom Hanks,
Forrest Gump - O Contador de Histórias.
Além disso, Pulp
Fiction: Tempo de Violência, de Quentin Tarantino, que ganhou a Palma de Ouro
no Festival de Cinema de Cannes, foi lançado apenas algumas semanas depois.
Estes filmes não só
foram sucessos comerciais e de crítica, como se tornaram fenômenos da cultura
pop.
Seus diálogos
memoráveis, cinematografia marcante e trilhas sonoras de sucesso geraram uma
grande cobertura da imprensa, e cada um deles ofereceu pontos de discussão
sobre a situação dos Estados Unidos na época, ofuscando o enredo mais
introspectivo de Um Sonho de Liberdade.
É claro que a premissa
sombria e a falta de personagens do sexo feminino também podem ter tornado o
filme uma opção menos atraente para os espectadores do que os grandes sucessos
de bilheteria que já haviam sido lançados naquele verão, como O Rei Leão, True
Lies, Velocidade Máxima e O Máskara.
Embora a Academia
tenha reconhecido Um Sonho de Liberdade, com sete indicações ao Oscar,
incluindo melhor ator (Freeman) e melhor filme, no final das contas, ele não
levou nada.
Forrest Gump - O
Contador de Histórias foi o grande vencedor da noite, conquistando seis
estatuetas, e Pulp Fiction: Tempo de Violência ganhou o prêmio de melhor
roteiro.
• O poder da esperança
O próprio Freeman
atribuiu o fracasso inicial de bilheteria ao nome do filme, que na versão
original em inglês se chama The Shawshank Redemption.
"Acho que o único
marketing real que os filmes recebem é o boca a boca", ele disse ao
programa The Graham Norton Show, em 2017.
"Embora as
pessoas tenham ido ver The Shawshank Redemption, elas voltaram e [disseram],
'Cara, eu vi um filme realmente fantástico, chamado... er... Shanksham?
Shimshawnk?'. Uma senhora me encontrou no elevador uma vez, e falou: 'Ah, eu vi
você em 'The Hudsucker Reduction'. Então, se você não consegue passar a palavra
adiante, simplesmente não dá certo."
Mas Um Sonho de
Liberdade teria seu próprio arco de redenção, uma vez que ganhou vida nova no
mercado de vídeo doméstico.
Com seu lançamento em
VHS, a história do filme sobre a resiliência humana, a amizade e o poder da
esperança repercutiu entre um público que não havia assistido ao filme no
cinema.
"Nós nos tornamos
o vídeo mais alugado de 1995. Simplesmente explodiu. E, então, o boca a boca
daquele público começou a crescer", contou Darabont à BBC, em 2004.
A partir de 1997, suas
frequentes transmissões na televisão a cabo ajudaram a atingir um público ainda
maior. Na época em que Darabont foi entrevistado pela BBC em 2004, Um Sonho de
Liberdade estava aparecendo repetidamente em listas de "melhores"
filmes, incluindo como o melhor filme "que nunca ganhou um Oscar" em
uma pesquisa da Radio Times, da BBC.
Na lista dos 250
melhores filmes do respeitado site de cinema IMDb, votada por usuários
regulares, ele atualmente está no topo, acima de O Poderoso Chefão.
"E o que é
realmente bizarro é que esse ímpeto parece nunca ter acabado. Ele simplesmente
continuou. O que é maravilhoso. É realmente uma retratação fantástica para o
filme, não é mesmo?", afirmou Darabont.
Durante os primeiros
10 anos após o lançamento do filme, a rápida expansão da internet fez com que
comunidades cada vez maiores de fãs discutissem e desconstruíssem os temas e as
imaginários do filme online.
Uma teoria popular na
época era que Um Sonho de Liberdade era uma alegoria religiosa, e que o
enigmático personagem Dufresne representava Jesus Cristo. Mas o filme pode — e
tem sido — interpretado por meio de uma variedade de perspectivas, incluindo
que é antirreligioso ou até mesmo que representa a forma de existencialismo de
Jean-Paul Sartre.
O apresentador Stuart
Maconie, da BBC, perguntou a Darabont se ele tinha a história de Cristo
"em mente, mesmo que remotamente" quando fez o filme.
“Sim, um pouco, em
certa medida, a parábola religiosa da história, os paralelos me ocorreram, mas
não exatamente no grau que foi interpretado", respondeu Darabont.
"De repente, li
algo como... Tim [Robbins] tem uma fala em que ele diz: 'Uso esta biblioteca
para ajudar uma dúzia de caras a obter seus diplomas do Ensino Médio', e do
nada, o simbolismo disso se torna que são os doze apóstolos! E eu penso: 'Cara,
isso nunca me ocorreu, nem em um milhão de anos isso me ocorreria'. Mas, para
mim, esse é o prazer de fazer um filme que tenha alguma interpretação."
Talvez o maior endosso
dos últimos tempos ao apelo duradouro de Um Sonho de Liberdade, e aos fãs que o
defenderam, tenha ocorrido em 2015, quando a Biblioteca do Congresso o incluiu
no Registro Nacional de Filmes dos EUA, que representa "importantes
realizações culturais, artísticas e históricas na produção
cinematográfica".
“Expresso meus mais
profundos agradecimentos a todos aqueles que o escolheram para inclusão no
Registro Nacional de Filmes", declarou Darabont.
"E, acima de
tudo, ao público que acolheu nosso filme, e o manteve vivo durante todos esses
anos."
Fonte: BBC Culture
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