Nem Eugène Ionesco pensaria nesse absurdo
No primeiro turno,
antes de ir ao colégio João Lourenço Rodrigues - onde votei no Dário e no
Wandão, além haver depositado voto em vereador do PSB -, fui à padaria aqui em
Sousas, a Ricco Pane (onde fazem o melhor pãozinho da cidade e onde o “sonho de
creme” me faz cometer o pecado capital da gula).
No balcão da padaria
encontrei o Paulo Sérgio, alguém que conheço “de vista” e “da vida toda”; nos
cumprimentamos e ele me perguntou em quem eu votaria para prefeito e me pediu
uma sugestão para vereador; respondi que votaria no Dario e no Wandão e fiz a
sugestão de voto no vereador. Na fila do caixa o meu conhecido, que estava com
o “santinho” dos meus candidatos não mão, me perguntou: “mas o PSB não é de
esquerda? A pergunta veio com um tom provocativo. Eu respondi que o PSB (que
nasceu da Esquerda Democrática, dissidência da UDN, em 1947) é um partido
socialdemocrata, sempre foi crítico ao stalinismo, ao racismo, ao imperialismo
e ao totalitarismo (na perspectiva de Losurdo); que o PSB defende as liberdades
civis; defende transformações sociais que melhorem as condições de vida dos
miseráveis, dos pobres e da classe média; que o PSB defende a propriedade
privada e a função social dela, exatamente como está no artigo 170 e incisos da
nossa constituição; os Direitos Humanos, o SUS, a educação pública, a segurança,
o lazer, a cultura, o meio ambiente, etc. Ele disse: “ah! Pensei que fossem
comunistas”; ele disse que votaria no meu vereador; não sei se votou, mas fiz o
meu papel de cidadão: falei além da bolha; nos despedimos e na saída comprei um
livrinho para a Isabela, minha neta, na banquinha de jornais que já foi do
Jair.
Enquanto eu voltava
para casa com o pão quentinho, fiquei pensando na urgência de voltarmos a
conversar sobre Política, assim com “P” maiúsculo e não apenas sobre políticos
e eleições, pois, em tempos de desinformação e crimes eleitorais cometidos pela
internet ou não, precisamos voltar a conversar sobre coisas importantes.
Lembrei da obra
“Origens do Totalitarismo” de Hannah Arendt, que é composta por três partes:
(a) o antissemitismo, (b) o imperialismo e (c) o totalitarismo, porque acho que
é um livro fundamental, apesar do equívoco no terceiro capitulo. Arendt chamou
o livro, provisoriamente, de “Os três pilares do inferno”. Talvez fosse o
título mais adequado, pois, quem não leu o livro acaba, equivocadamente, por
imaginar que as críticas e reflexões de Arendt em relação ao “totalitarismo”
são o cerne da obra, quando na realidade, as críticas ao “antissemitismo”
(racismo) e ao “imperialismo” são duras e necessárias à compreensão dos avanços
e retrocessos da sociedade ocidental e, principalmente, das desumanidades
praticadas desde o colonialismo, até chegar aos nossos dias.
Gosto de Arendt porque
ela é odiada por comunistas, sionistas, fascistas, antissemitas, e
imperialistas e, confesso, me agrada quem não se preocupa em agradar suas
“patotas”.
Resumidamente: Arendt
critica o racismo, a partir da sua experiência, o imperialismo e o
totalitarismo (ressalva necessária: a conclusão dela sobre o totalitarismo é
equivocada e nega os argumentos dos dois primeiros capítulos da obra, mas é
compreensível, afinal reflete o seu tempo, do pós-guerra e da lógica da
guerra-fria, portanto, deve ser compreendido sob a orientação crítica e
fundamental de Domenico Losurdo).
Noutras palavras: são
indesejados o antissemitismo (que deve ser compreendido como toda forma de
racismo), o imperialismo e o totalitarismo.
Decidi escrever sobre
isso hoje e em continuação ao artigo: “Assombrações e outros medos”, que
recebeu elogios do Dra. Darci Pimentel e do Professor Sergio Castanho e
relativa desaprovação do Dr. Adelmo Emerenciano, pessoas que eu respeito, mas
também por conta do que conversei rapidamente com o meu conhecido na padaria.
Já escrevi vários artigos sobre o risco de a democracia perder-se por ser muito
tolerante com os antidemocráticos; sim, as democracias podem morrer
“democraticamente” e não apenas através de golpes e rupturas bruscas e
violentas da legalidade institucional.
Como? O que vimos no
Brasil entre 2013 e 2022 (assim como na Inglaterra, nos EUA, nas Filipinas, na
Turquia, na Hungria, Polônia, El Salvador, Venezuela e Argentina, por exemplo),
são forças políticas antidemocráticas infiltradas dentro do regime democrático,
capturando-o, desqualificando as instituições; líderes autoritários que
conspiram, que vão ao limite da legalidade, e, o tempo todo, buscam
deslegitimar a institucionalidade para transferir todos os poderes para um
líder messiânico e autoritário.
Eu penso que a falta
de fazermos Política para além da bolha, assim como as fake News e os tais
algoritmos, podem nos conduzir a uma sociedade racista, imperial e totalitária,
pois, lamentavelmente, a internet e as redes sociais sem regulação, não são geradoras
da expansão da participação cidadão na democracia, ao contrário, são, nas
palavras de Boaventura, “coveiras da democracia”, verdadeiro inferno na palma
da mão.
O que fazer?
A sociedade vive sob
ataque permanente de notícias falsas, que acirram a rivalidade política; nesse
contexto, devemos ter em conta que as redes sociais têm potencial para destruir
a convivência social válida, orientada por uma constituição, por leis e por
autoridades; vemos um bando de congressistas idiosubjetivados usando e abusando
dos tais “cortes e recortes” nas redes sociais, para manter tensa a relação
entre os poderes e entre a institucionalidade e a sociedade.
Acredito que o caminho
é falar em Política (com “P” maiúsculo), na padaria, no barbeiro, no trabalho,
no clube, em casa, em todos os lugares, ou fazemos isso ou a boa Política
continuará a ser sequestrada por farsantes.
Temos que “fazer
Política” para fora da bolha, nem que seja conversando com um conhecido na
padaria, afinal, como na fábula do beija-flor que se esforça em apagar o
incêndio da floresta carregando água pelo seu bico, temos de buscar a
construção de uma sociedade de PAZ, pois, em 2020, os partidos de direita e de
centro-direita elegeram 4.239 prefeitos, agora, foram 4.511; já as legendas de
esquerda e de centro-esquerda, que conquistaram 852 prefeituras quatro anos
atrás, ficaram agora com 749, ou seja, o congresso vai encher de emendas um
monte de prefeitos de direita e o Lula/Alckmin vão trabalhar para 4500
prefeitos que fazem oposição a eles, nem Eugène Ionesco pensaria um absurdo tão
grande.
Essas são as
reflexões.
Fonte: Por Pedro
Maciel Neto, em Brasil 247
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