quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Nem Eugène Ionesco pensaria nesse absurdo

No primeiro turno, antes de ir ao colégio João Lourenço Rodrigues - onde votei no Dário e no Wandão, além haver depositado voto em vereador do PSB -, fui à padaria aqui em Sousas, a Ricco Pane (onde fazem o melhor pãozinho da cidade e onde o “sonho de creme” me faz cometer o pecado capital da gula).

No balcão da padaria encontrei o Paulo Sérgio, alguém que conheço “de vista” e “da vida toda”; nos cumprimentamos e ele me perguntou em quem eu votaria para prefeito e me pediu uma sugestão para vereador; respondi que votaria no Dario e no Wandão e fiz a sugestão de voto no vereador. Na fila do caixa o meu conhecido, que estava com o “santinho” dos meus candidatos não mão, me perguntou: “mas o PSB não é de esquerda? A pergunta veio com um tom provocativo. Eu respondi que o PSB (que nasceu da Esquerda Democrática, dissidência da UDN, em 1947) é um partido socialdemocrata, sempre foi crítico ao stalinismo, ao racismo, ao imperialismo e ao totalitarismo (na perspectiva de Losurdo); que o PSB defende as liberdades civis; defende transformações sociais que melhorem as condições de vida dos miseráveis, dos pobres e da classe média; que o PSB defende a propriedade privada e a função social dela, exatamente como está no artigo 170 e incisos da nossa constituição; os Direitos Humanos, o SUS, a educação pública, a segurança, o lazer, a cultura, o meio ambiente, etc. Ele disse: “ah! Pensei que fossem comunistas”; ele disse que votaria no meu vereador; não sei se votou, mas fiz o meu papel de cidadão: falei além da bolha; nos despedimos e na saída comprei um livrinho para a Isabela, minha neta, na banquinha de jornais que já foi do Jair.

Enquanto eu voltava para casa com o pão quentinho, fiquei pensando na urgência de voltarmos a conversar sobre Política, assim com “P” maiúsculo e não apenas sobre políticos e eleições, pois, em tempos de desinformação e crimes eleitorais cometidos pela internet ou não, precisamos voltar a conversar sobre coisas importantes.

Lembrei da obra “Origens do Totalitarismo” de Hannah Arendt, que é composta por três partes: (a) o antissemitismo, (b) o imperialismo e (c) o totalitarismo, porque acho que é um livro fundamental, apesar do equívoco no terceiro capitulo. Arendt chamou o livro, provisoriamente, de “Os três pilares do inferno”. Talvez fosse o título mais adequado, pois, quem não leu o livro acaba, equivocadamente, por imaginar que as críticas e reflexões de Arendt em relação ao “totalitarismo” são o cerne da obra, quando na realidade, as críticas ao “antissemitismo” (racismo) e ao “imperialismo” são duras e necessárias à compreensão dos avanços e retrocessos da sociedade ocidental e, principalmente, das desumanidades praticadas desde o colonialismo, até chegar aos nossos dias.

Gosto de Arendt porque ela é odiada por comunistas, sionistas, fascistas, antissemitas, e imperialistas e, confesso, me agrada quem não se preocupa em agradar suas “patotas”.

Resumidamente: Arendt critica o racismo, a partir da sua experiência, o imperialismo e o totalitarismo (ressalva necessária: a conclusão dela sobre o totalitarismo é equivocada e nega os argumentos dos dois primeiros capítulos da obra, mas é compreensível, afinal reflete o seu tempo, do pós-guerra e da lógica da guerra-fria, portanto, deve ser compreendido sob a orientação crítica e fundamental de Domenico Losurdo).

Noutras palavras: são indesejados o antissemitismo (que deve ser compreendido como toda forma de racismo), o imperialismo e o totalitarismo.

Decidi escrever sobre isso hoje e em continuação ao artigo: “Assombrações e outros medos”, que recebeu elogios do Dra. Darci Pimentel e do Professor Sergio Castanho e relativa desaprovação do Dr. Adelmo Emerenciano, pessoas que eu respeito, mas também por conta do que conversei rapidamente com o meu conhecido na padaria. Já escrevi vários artigos sobre o risco de a democracia perder-se por ser muito tolerante com os antidemocráticos; sim, as democracias podem morrer “democraticamente” e não apenas através de golpes e rupturas bruscas e violentas da legalidade institucional.

Como? O que vimos no Brasil entre 2013 e 2022 (assim como na Inglaterra, nos EUA, nas Filipinas, na Turquia, na Hungria, Polônia, El Salvador, Venezuela e Argentina, por exemplo), são forças políticas antidemocráticas infiltradas dentro do regime democrático, capturando-o, desqualificando as instituições; líderes autoritários que conspiram, que vão ao limite da legalidade, e, o tempo todo, buscam deslegitimar a institucionalidade para transferir todos os poderes para um líder messiânico e autoritário.

Eu penso que a falta de fazermos Política para além da bolha, assim como as fake News e os tais algoritmos, podem nos conduzir a uma sociedade racista, imperial e totalitária, pois, lamentavelmente, a internet e as redes sociais sem regulação, não são geradoras da expansão da participação cidadão na democracia, ao contrário, são, nas palavras de Boaventura, “coveiras da democracia”, verdadeiro inferno na palma da mão.

O que fazer?

A sociedade vive sob ataque permanente de notícias falsas, que acirram a rivalidade política; nesse contexto, devemos ter em conta que as redes sociais têm potencial para destruir a convivência social válida, orientada por uma constituição, por leis e por autoridades; vemos um bando de congressistas idiosubjetivados usando e abusando dos tais “cortes e recortes” nas redes sociais, para manter tensa a relação entre os poderes e entre a institucionalidade e a sociedade.

Acredito que o caminho é falar em Política (com “P” maiúsculo), na padaria, no barbeiro, no trabalho, no clube, em casa, em todos os lugares, ou fazemos isso ou a boa Política continuará a ser sequestrada por farsantes.

Temos que “fazer Política” para fora da bolha, nem que seja conversando com um conhecido na padaria, afinal, como na fábula do beija-flor que se esforça em apagar o incêndio da floresta carregando água pelo seu bico, temos de buscar a construção de uma sociedade de PAZ, pois, em 2020, os partidos de direita e de centro-direita elegeram 4.239 prefeitos, agora, foram 4.511; já as legendas de esquerda e de centro-esquerda, que conquistaram 852 prefeituras quatro anos atrás, ficaram agora com 749, ou seja, o congresso vai encher de emendas um monte de prefeitos de direita e o Lula/Alckmin vão trabalhar para 4500 prefeitos que fazem oposição a eles, nem Eugène Ionesco pensaria um absurdo tão grande.

Essas são as reflexões.

 

Fonte: Por Pedro Maciel Neto, em Brasil 247

 

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