Paulo Kliass: Haddad e o FMI
As relações econômicas
e financeiras formais entre o Brasil e o Fundo Monetário Internacional (FMI)
sempre foram marcadas por algum grau de conflito e tensão. Afinal, apesar da
motivação das negociações ser o ingresso de recursos externos para auxiliar a
situação do balanço de pagamentos de nosso País, em geral os governos
apresentavam divergência com relação às condições impostas pelas diferentes
equipes do Fundo.
A primeira operação
ocorreu em 1954, com a assinatura de um empréstimo para o governo presidido por
Getúlio Vargas. Tratava-se de um aval concedido pelo FMI a um empréstimo, no
valor de US$ 300 milhões, oferecido pelo Eximbank dos Estados Unidos ao governo
brasileiro. Porém, 5 anos depois, em 1959, Juscelino Kubitschek rompe o acordo
com a instituição multilateral em função dos compromissos assumidos em seu
Plano de Metas. Tendo em vista a necessidade de promover uma flexibilização no
rigor fiscal imposto pelo FMI, o Presidente decide sair da austeridade para
conseguir espaço orçamentário para projetos como a construção da nova capital
em Brasília e outras medidas envolvendo despesas públicas elevadas, além de
investimento estatal direto.
A relação só voltaria
se normalizar após o golpe militar de 1964 e a consequente implementação de uma
política econômica de natureza ortodoxa e conservadora. Entre 1965 e 1972 são
assinados e renovados anualmente acordos classificados como “stand by”, cuja
intenção era auxiliar em eventuais problemas de balanço de pagamentos. No
entanto, como os governos da ditadura cívico-militar ofereciam benesses e
atratividade ao capital internacional, tais acordos operavam mais como uma
garantia de expectativas, uma vez que o fluxo de recursos externos não parava
de crescer no período.
<><>
Brasil e FMI: décadas de tensão.
A situação muda de
figura a partir do final da década de 1970 com a crise do petróleo na esfera
internacional. Logo na sequência tem início uma fase de grandes dificuldades
nas contas externa dos países do chamado Terceiro Mundo – a chamada crise da
dívida. Em 1982, durante a gestão de Delfim Neto como o superministro da área
econômica do último governo dos generais, o Brasil assina um acordo com o Fundo
para assegurar o ingresso de recursos externos para cumprir as obrigações com
os credores. Delfim teria assinado 6 cartas de intenção com o organismo e nunca
cumpriu com as cláusulas ali constantes. Foram diversos anos de dificuldades em
honrar os compromissos constantes nas cláusulas dos títulos de endividamento. É
desta época a frase que ficou famosa proferida pelo Ministro, quando afirmou
que “dívida pública não se paga, dívida se rola”.
Com o início da
transição política para superar a fase ditatorial, o governo Sarney promove
algumas importantes na área econômica. Dentre elas estava a formalização da
moratória da dívida externa em 1987. Na sequência, com a eleição de Collor de
Mello para a Presidência da República, as sucessivas equipes de economia buscam
um acordo com o FMI entre 1990 e 1992, mas não obtêm resultado. Com o fracasso
de tais negociações, a situação só volta a se “normalizar” no final do primeiro
mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC). O Ministro da Fazenda Pedro Malan
logra assinar um acordo com o Fundo em 1998, por meio do qual o Brasil recebe
um total de US$ 41,5 bilhões.
O problema são
as contrapartidas impostas pelo Fundo. Como sempre, trata-se da exigência de
implementação das orientações previstas no Consenso de Washington, tais como a
privatização de empresas estatais, a liberalização geral da economia e a imposição
de regras rígidas de austeridade fiscal. Boa parte de tais iniciativas já
estavam em curso desde a posse de Collor de Melo em 1990, mas FHC acelera em
1998 a venda do sistema público de telecomunicações e de energia elétrica. Além
disso, o seu governo encaminha um projeto de lei ao Congresso Nacional que se
converte na Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Complementar nº 101 de 2000.
<><> FMI e
as recomendações conservadoras.
Com a posse de Lula em
2003, houve uma melhoria sensível nas contas externas brasileiras. Com isso, em
2005 o País quitou sua divida junto ao Fundo e em 2009 avançou ainda mais,
comprando U$10 bi em bônus da instituição e tornando-se, pela primeira vez na
História, credor do FMI. Apesar da falta de exigência formal de uma política
econômica seguindo as regras da ortodoxia conservadora, a duplinha Antonio
Palocci no Ministério da Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central (BC)
mantiveram a essência do austericídio, com rigor fiscal de índices de superávit
primário até então inéditos e taxas de juros também rolando na estratosfera.
Durante os 14 anos em
que o Partido dos Trabalhadores esteve no governo federal, a presença do FMI
sempre passou ao largo do debate e da subserviência explícita ao organismo. A
existência de um estoque significativo de reservas cambiais e a manutenção de
uma recorrente folga na Balança Comercial deixaram para um segundo plano a
necessidade de eventual ajuda para solucionar eventuais problemas nas contas
externas. Em 2003, elas estavam em US$ 39 bi. Em 2007 superam a marca dos US$
100 bi. Em 2008, atingem US$ 200 bi. Em 2011, as reservas atingem e superam os
US$ 300 bi. Atualmente estão na faixa de US$ 370 bi.
Ocorre que o
“golpeachment” praticado contra Dilma Roussef e a posterior eleição de
Bolsonaro em 2018 institucionalizaram o conservadorismo na política econômica
de forma escancarada. Sem nenhuma pressão formal do FMI, os governos
recuperaram a pauta da privatização das estatais, da redução do Estado à sua
dimensão mínima e do aprofundamento da pauta da austeridade fiscal.
<><> Lula
3.0 e a esperança de mudança.
No entanto, as
esperanças depositadas na eleição de Lula para um terceiro mandato em 2022
começaram a se verem frustradas com a indicação de Fernando Haddad para o
Ministério da Fazenda. O que se assistiu desde então foi a retomada da agenda
conservadora de austeridade, com a troca do Teto de Gastos de Temer pelo Novo
Arcabouço Fiscal (NAF). Com isso, manteve-se a essência da estratégia de
redução do peso do Estado na economia e a preparação para que parte dos
serviços públicos, das políticas públicas e da infraestrutura sejam assumidos
pelo capital privado.
Nesse contexto de
aproximação com os interesses do financismo local e global, Fernando Haddad
acaba por incorporar de forma plena a pauta do povo da finança. A manutenção da
austeridade fiscal como ponto essencial da política econômica termina por
comprometer toda a capacidade de recuperação do protagonismo do Estado. O
Ministro da Fazenda busca se apresentar como representante do bom mocismo junto
aos representantes do financismo e se concentra em obter bons resultados
fiscais. Isso se concretiza, por exemplo, na obsessão em zerar o déficit fiscal
primário em 2024.
Mas o aspecto
recente mais impressionante foi a aceitação e a concordância passiva de Haddad
com as orientações do FMI. O Fundo apresentou um novo relatório a respeito da situação da economia brasileira e realizou
algumas projeções para os próximos períodos. Como era de se esperar, as
conclusões apontam para uma suposta “explosão” da dívida pública brasileira.
Esse é um dos principais argumentos em favor de um endurecimento ainda maior no
controle dos gastos governamentais.
<><>
Haddad: conversão ao conservadorismo neoliberal.
O documento do FMI faz coro às manifestações dos escribas do sistema
financeiro nos grandes meios de comunicação: o governo estaria sendo conivente
com o retorno ao espírito da “gastança generalizada”, uma vez que ele não se
compromete seriamente com o rigor necessário na condução da política
fiscal. Haddad assume esse sentimento de culpa e declara:
(…) “Estamos agora
tendo que repensar essa estratégia para fortalecer o arcabouço fiscal. Mas do
ponto de vista fiscal, eu penso que o fortalecimento do arcabouço fiscal é
o remédio mais adequado para o momento que estamos vivendo” (…)
Além disso, o
Ministro avança em suas afirmações, cedendo às pressões para aprofundar ainda
mais o extremismo fiscal. Indagado a respeito da suposta incapacidade em
atingir as metas este ano e nos próximos exercícios, ele deixa aberta
possibilidade de um maior rigor nas regras previstas atualmente no NAF. O
dispositivo que se converteu na Lei Complementar 200 estabelece a
obrigatoriedade de que as despesas só possam crescer a 70% do ritmo de elevação
das receitas. Como existem algumas garantias constitucionais para saúde e
educação, além do compromisso de Lula com a valorização do salário mínimo acima
da inflação, é possível que as metas austerizadas não sejam efetivamente
cumpridas. Mas o Ministro, ao invés de defender a maioria da sociedade
brasileira contra os intentos do financismo, termina por concordar com o
diagnóstico conservador e sugere um aprofundamento ainda mais severo dos
mecanismos de contenção. Segundo ele, o diferencial entre despesas e receitas
poderia ser ainda mais elevado. Uma loucura!
(…)
“é necessário manter os gastos entre 50% e 70% da receita para
retomar a uma posição de equilíbrio” (…)
Se Lula quiser
efetivamente cumprir com suas promessas de campanha e com a es exigências de um
País que precisa romper o círculo vicioso da pobreza e da desigualdade, é
fundamental sair da camisa de força imposta pela austeridade fiscal. Não faz
sentido um governo presidido pelo Partido dos Trabalhadores somar esforços
junto ao FMI para completar a imposição da pauta neoliberal em nossas terras.
¨ Precisamos salvar Fernando Haddad. Por Moisés Mendes
O que pode ser dito
por alguém que, em meio aos escombros da tempestade, põe a cabeça de fora e
tenta enxergar o que sobrou? Pode ser dito que, no projeto para o futuro de
curto e médio prazo das esquerdas, Fernando Haddad volta a fazer parte da pauta
do começo da reconstrução.
Vamos começar por um
nome? Vamos pelo menos tentar incluí-lo na conversa sobre inevitáveis pacotes
com ideias de reabilitação do PT. Para que seja possível voltar a entender o
Brasil que a esquerda passou a ouvir, se é que ouve, apenas em eleição.
A esquerda sabe bem,
desde muito antes do domingo, que Brasil é este, que não é mais o do século 20.
Haddad talvez seja um dos que mais sabem, por suas vivências em várias frentes
e pela capacidade de entendimento da realidade.
O ministro seria, na
tentativa de reconstrução das esquerdas e da preparação da transição da
liderança de Lula, o nome que se apresenta com naturalidade. Podem até
contestar, como contestam, se é de fato de esquerda, mas essas classificações
quase colegiais cada vez importam menos.
Haddad poderia ser
essa figura, para oferecer perspectiva a quadros e bases dispersas e abaladas,
se estivesse num ministério da área social. Parece óbvio demais. Só que hoje
Haddad conversa com a Faria Lima e com investidores estrangeiros, para acalmar e
animar mercados. E vai ter que avalizar e anunciar os cortes de 'despesas'.
Lula chamou Haddad
para perto para cuidar da área mais decisiva para o sucesso de um governo.
Haddad será forte se contemplar, também, e talvez até antes de qualquer outra
coisa, a confiança e as expectativas do mercado. Enquanto isso, Boulos seria
testado.
Mas há como Haddad
conversar pela manhã com um banqueiro, no gabinete, e à tarde, por live, com a
comunidade do Vidigal? Parece ruim para um projeto de resgate das esquerdas
puro e imaculado, como muitos desejam, mas é o que temos. E ainda teremos os
cortes.
Porque o segundo turno
deixou claro que Guilherme Boulos não é essa figura. Não para o daqui a pouco.
Porque Haddad conversa com os homens da Moody's, mas nunca conversaria, em
encontro a dois, com Pablo Marçal.
Haddad não se
submeteria à armadilha de ficar cara a cara com a figura que desdenhou e
agrediu não só Boulos, mas atacou muito mais os gays, os pobres e as mulheres.
Haddad não falaria com esse sujeito sem escrúpulos.
Mas isso é relevante?
Pode não ser para quem acha que as esquerdas, por seus líderes, não precisam
voltar a ser referência para a base extraviada. Pode não ser para quem
subestima a perda de poder das esquerdas de inspirarem os jovens que, segundo
Bolsonaro, votam na esquerda.
Tudo o que foi escrito
antes nesse artigo é para dizer que, juntando as peças do que sobrou da
eleição, não se remonta um Boulos competitivo para mais adiante.
Teriam que descobrir
fórmulas capazes de reduzir o alto índice de rejeição e dizer, num Brasil que
correu para a direita, em parte disfarçada de centro, que Boulos será logo mais
uma outra pessoa amadurecida pela derrota.
As esquerdas estão
diante do retrato assustador da direita, que é mais jovem do que parece e
lançou nomes com força eleitoral como a esquerda conseguia décadas atrás e não
consegue mais.
Boa parte da cara da
direita, mesmo a velha, que venceu no primeiro e foi para o segundo turno, é
terrivelmente jovem. A direita ressuscitou antigas bases, com a mesma índole de
velha Arena, incorporada por PSD, PP e por parte do MDB, com gente com menos de
40 anos.
Os evangélicos, o
empreendedorismo, as emendas PIX, o desalento, a universidade sequelada pelo
bolsonarismo, os sindicatos sem força, as milícias digitais ainda atuantes, os
grileiros, o conservadorismo paroquial que voltou com tudo. Esse é o cenário
que desafia as esquerdas, e que não é hegemonicamente bolsonarista.
Por que falar de um
nome em meio a esse ambiente desconfortável? É simples assim, é só citar um
nome, mesmo que Lula esteja ativo e pronto para a disputa da reeleição? Não, é
bem complexo.
Mas é também a hora de
buscar âncoras. Haddad continua no primeiro lugar da fila. Podemos começar pelo
que é mais simples e que todos nós entendemos, e não só os cientistas
formuladores de ideias, que dominam o debate público nas esquerdas há muito
tempo.
Vamos começar de novo
por um nome, mesmo que seja conhecido e já tenha sido testado e derrotado.
Vamos voltar a falar de Haddad. Lula foi eleito na terceira tentativa.
Mas lembremos que
antes temos os cortes, a Moody´s, a Faria Lima, o Congresso e a incógnita
Gabriel Galípolo. É preciso salvar Haddad.
• Stephen Phipson: "empresas
internacionais observam o Brasil como uma grande oportunidade"
Durante a Lide Brazil
Conference em Londres, Stephen Phipson, uma das principais vozes do setor
industrial do Reino Unido destacou o Brasil como uma “grande oportunidade” para
parcerias comerciais, especialmente na área de inovação e sustentabilidade. Em
um evento que reuniu líderes e especialistas de diversos setores, o
representante da organização Make UK – que agrega empresas do setor
manufatureiro britânico – apresentou um panorama do setor e reforçou o papel
fundamental da indústria no desenvolvimento econômico e sustentável.
O porta-voz da Make
UK, que representa aproximadamente 23 mil empresas do setor de manufatura no
Reino Unido, com um contingente de mais de um milhão de funcionários,
enfatizou: “as pessoas não pensam mais no Reino Unido como uma nação de
manufatura, mas nós somos sim ainda”. Segundo ele, o setor contribui
significativamente para a economia, gerando cerca de 2 bilhões de libras por
ano e sendo responsável por 45% das exportações britânicas. “Somos um dos
maiores investidores no Reino Unido”, acrescentou, destacando o investimento
anual de 65 bilhões de libras em manufatura no país, que envolve grandes
empresas multinacionais.
O evento também
abordou o novo direcionamento do governo britânico para impulsionar a
indústria, com a criação de uma estratégia de manufatura que deve entrar em
vigor entre março e abril do próximo ano. O plano, que cobrirá um período de
dez anos, tem como objetivo guiar o Reino Unido na transição para uma economia
de carbono zero, o que, segundo o representante, representa “uma grande
oportunidade” para colaborações com outros países.
Ao comentar sobre o
comércio exterior, o porta-voz ressaltou a importância de diversificar
mercados, mencionando que os Estados Unidos absorvem cerca de 20% das
exportações britânicas, mesmo sem um acordo de comércio formal. Essa abertura,
diz ele, também pode ser aplicada ao Brasil: “20% de nossas exportações são com
os Estados Unidos, onde nós não temos nenhum acordo de comércio e, na nossa
opinião, não há nenhum motivo para que não possa ser o caso com o Brasil”.
Além dos mercados
americanos e europeus, o Reino Unido vê com bons olhos a possibilidade de
expandir o comércio com o Brasil em áreas inovadoras, como a produção de
componentes para a indústria aeronáutica, dispositivos médicos e tecnologias de
defesa. Essa abertura é vista como estratégica após a saída do Reino Unido da
União Europeia, permitindo ao país estabelecer novos acordos comerciais e
fortalecer laços com economias emergentes.
A expectativa da Make
UK é que o aumento da cooperação em setores inovadores possa atrair novos
investimentos e impulsionar a criação de empregos. Stephen Phipson comentou:
“nós acreditamos que o crescimento onde temos oportunidade de trabalhar com
outros países adicionará mais por volta de 40 milhões de libras com centenas de
milhares de novos empregos”.
Ao final do discurso,
Stephen Phipson reforçou a confiança da indústria britânica nas novas parcerias
com o Brasil: “as grandes empresas internacionais veem o Brasil como uma grande
oportunidade para trabalhar em conjunto e ajudar na sustentabilidade, porque
isso vai ser o foco da indústria de manufatura do Reino Unido pelos próximos 10
anos”. O interesse do setor britânico aponta para um futuro promissor, onde o
Brasil e o Reino Unido possam caminhar juntos na direção de uma economia mais
sustentável e inovadora.
Fonte: Brasil 247
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