terça-feira, 29 de outubro de 2024

Os grandes vencedores (e os perdedores) das eleições municipais

Com o segundo turno das eleições municipais neste domingo (27/10), ficou mais claro quem foram os vencedores e perdedores na política brasileira em 2024.

Entre os grandes vencedores destas eleições estão: o Centrão, a direita e centro-direita, que juntos, vão comandar a maior parte das prefeituras do Brasil.

O destaque fica com o PSD de Gilberto Kassab, partido que obteve o maior número de prefeituras no país, desbancando o MDB.

O PSD também vai administrar o maior número de capitais: cinco (Florianópolis, Rio de Janeiro, São Luís, Curitiba e Belo Horizonte) - mesmo número do MDB, que vai administrar Macapá, Boa Vista, Porto Alegre, Belém e São Paulo.

No segundo turno, também saíram vitoriosos governadores da direita que se sobressaíram frente a um "bolsonarismo raiz".

É o caso de Ronaldo Caiado (União), de Goiás, que elegeu Sandro Mabel (União) na capital Goiânia, e Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, que elegeu Eduardo Pimentel (PSD) em Curitiba.

O PL do ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu aumentar em 50% o número de prefeituras conquistadas, mas teve derrotas em cidades importantes no segundo turno, como Fortaleza, Goiânia, Belém e Manaus.

Já o PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva registrou um aumento no número de prefeituras comandadas em comparação a 2020, mas muito atrás dos partidos de direita.

Neste segundo turno, porém, o partido conseguiu uma vitória importante em Fortaleza, única capital que irá comandar.

Entre os grandes derrotados destas eleições estão, de acordo com os analistas: o PSDB, partido que já ocupou a Presidência do país por duas vezes e que tinha uma virtual hegemonia sobre a política de São Paulo - e não elegeu sequer um vereador na capital paulista; e o PDT e o clã da família de Ciro Gomes no Ceará.

Mas até entre os derrotados também há ressalvas: Pablo Marçal (PRTB) não passou ao segundo turno da capital paulista, mas se consagrou como um dos fenômenos da eleição.

<><> Confira abaixo a análise detalhada:

•        Governadores de direita se impõem diante do bolsonarismo

Em duas importantes capitais, o segundo turno foi disputado entre candidatos da direita mais "tradicional", representada pelo grupo do governador, e o bolsonarismo. Nas duas, o governador saiu vitorioso.

O ex-presidente Jair Bolsonaro passou este domingo de eleição em Goiânia, onde apoiou até o fim a candidatura de Fred Rodrigues (PL). Mas a vitória na capital de Goiás ficou com Sandro Mabel (União), candidato do governador Ronaldo Caiado (União), que conseguiu 55% dos votos.

Caiado, que já se coloca como um possível nome da direita para as eleições presidenciais de 2026, tem tentado uma estratégia para se distanciar do bolsonarismo. Ele chegou a dizer que "a direita não dono" em declarações à imprensa.

Neste domingo, Bolsonaro tentou acalmar ânimos e disse a jornalistas em Goiânia que a "direita não tem racha".

Em Curitiba, o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), também conseguiu eleger seu apadrinhado: Eduardo Pimentel (PSD).

Apesar de o vice na chapa de Pimentel ser Paulo Martins, do PL de Bolsonaro, foi a candidata adversária derrotada, Cristina Graeml (PMB), que encampou mais as ideias bolsonaristas.

Ela foi uma surpresa no primeiro turno, quando recebeu a autorização do próprio Bolsonaro a usar a imagem do ex-presidente na campanha.

O ex-presidente preferiu não ir à capital paranaense no segundo turno, mas chegou a dizer numa chamada com Graeml, postada por ela nas redes, que "não abro voto por você, você sabe o motivo. Mas torço por você e ponto final".

Governadores também mostraram força no Pará, onde Helder Barbalho (MDB) elegeu Igor Normando (MDB) em Belém; e no Ceará, onde Elmano de Freitas (PT) conseguiu a vitória de Evandro Leitão (PT) em Fortaleza. Nas duas capitais, o PL foi derrotado.

•        'Maior oferta' de candidatos à direita

O resultado do segundo turno das eleições municipais consolidou um cenário que já podia ser visto no primeiro turno: o crescimento significativo no número de prefeituras que serão comandadas por legendas do chamado Centrão ou de direita e centro-direita a partir de 2025.

O Centrão é o nome dado a um grupo de partidos, normalmente de centro-direita ou de direita, que orbita em torno da Presidência da República em troca de participação no governo.

Entre os partidos com mais prefeituras, estão PSD (887), MDB (853), PP (747), União Brasil (583), PL (516) e Republicanos (433). Todos cresceram em relação às eleições de 2020.

A centro-esquerda só aparece com o PSB (309), o sétimo partido desta lista, que ficou à frente de PSDB (272) e do PT (252).

O Centrão e a direita e centro-direita tiveram vitórias importantes em capitais neste segundo turno, como Belo Horizonte (Fuad Noman, do PSD), Curitiba (Eduardo Pimentel, do PSD) e Goiânia (Mabel, do União Brasil) .

Em João Pessoa (PB), o prefeito Cícero Lucena (PP) se reelegeu ao vencer o ex-ministro Marcelo Queiroga (PL). E, em Natal (RN), Paulinho Freire (União) bateu a petista Natália Bonavides (PT).

Esses resultados se somam às vitórias expressivas no primeiro turno, como Bruno Reis (União) em Salvador e Lorenzo Pazolini (Republicanos) em Vitória.

Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil após o primeiro turno, a ampliação no número de prefeituras conquistadas pela direita no país é resultado de uma série de fatores e não pode ser, necessariamente, atribuído a uma suposta vitória do bolsonarismo, ainda que Jair Bolsonaro se mantenha como o principal nome deste campo político no Brasil.

O doutor em Ciência Política e diretor do Ipespe Analítica, Vinícius Alves, disse que, historicamente, as legendas de direita levam mais vantagem que as da esquerda em eleições municipais.

Um dos motivos, segundo ele, é o maior número de partidos de direita no Brasil em comparação com as rivais à esquerda.

"Há um ambiente com maior oferta de candidatos de legendas à direita. Isso tem influência no resultado", disse o especialista.

Um levantamento feito pela reportagem mostra que dos 29 partidos registrados atualmente junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somente nove são de esquerda ou de centro-esquerda: PT, PDT, PSB, PCdoB, PCB, PSTU, UP, PSOL e PCO. Os demais ou são de direita, centro-direita ou não se manifestam sobre isso em seus estatutos.

Para o cientista de dados e CEO da empresa de análise dados AP Exata Sérgio Denicoli, as eleições deste ano trouxeram uma “consolidação” da direita no Brasil.

"Eu diria que houve uma consolidação de um espaço político que é o espaço da direita. Antes, havia um certo receio em candidatos se assumirem como de direita. Hoje, não há mais essa preocupação [...] E como o Brasil é um país muito conservador, os membros das antigas elites políticas do país usaram suas antenas para captar esse sentimento", disse.

•        Gilberto Kassab e o PSD: partido chega ao topo

Dentro do Centrão, um partido se destaca: o PSD.

Liderado pelo ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, é o partido que vai comandar mais prefeituras em todo o país. A sigla criada por Kassab venceu em 887 cidades do Brasil.

É a primeira vez que um partido fica à frente do MDB em número de prefeituras desde a redemocratização do Brasil, em 1985. Neste pleito, o MDB elegeu 853 mandatários.

Em 2020, o PSD elegeu 657 prefeitos, mas, nos últimos anos, o partido ganhou mais de 300 prefeitos com trocas de filiação.

No segundo turno, uma das vitórias mais importantes do PSD ocorreu em Belo Horizonte. Fuad Noman (PSD) conseguiu se reeleger na disputa contra o bolsonarista Bruno Engler (PL).

No primeiro turno, o destaque foi no Rio de Janeiro, com a reeleição do prefeito Eduardo Paes, que se filiou ao partido de Kassab em 2021. Paes teve mais de 60% dos votos válidos.

Ex-prefeito de São Paulo, Kassab hoje ocupa o cargo de secretário de Governo e Relações Institucionais do governo de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), de oposição ao governo Lula.

Mas o PSD de Kassab também está no governo de presidente Lula, comandando três ministérios: o de Minas e Energia, o da Agricultura e o da Pesca.

O bom desempenho do PSD nas eleições municipais deixa o partido bem-posicionado para tentar mais espaço no governo Lula, um uma provável reforma ministerial, avalia Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria. Ele também avalia que a legenda também se cacifa para as articulações políticas das eleições de 2026.

•        Gol de honra do PT em Fortaleza

As eleições municipais deste ano trouxe um resultado ambíguo para o PT, partido do presidente Lula.

Por um lado, o partido aumentou em 38% o número de prefeituras vencidas neste ano em comparação com as 183 de 2020. Neste ano, foram 252 prefeituras vencidas.

Mesmo assim, é um número consideravelmente distante do pico obtido pelo partido em 2012, quando o partido conquistou 624 municípios.

Ao mesmo tempo, poucas das principais cidades do país estarão sob comando petista.

O único alento ao partido de Lula neste segundo turno aconteceu em Fortaleza. Evandro Leitão (PT) se consagrou como prefeito eleito numa disputa acirradíssima contra André Fernandes (PL). A diferença foi de menos de 11 mil votos e terminou 50,38% x 49,62%.

Fortaleza será a única capital do país a ser administrada pelo PT a partir de 2024.

No segundo turno, o partido perdeu as disputas em Natal, onde Natália Bonavides (PT) perdeu para Paulinho Freire (União); Cuiabá, onde Lúdio (PT) perdeu para Abílio (PL); e Porto Alegre, onde Maria do Rosário (PT) perdeu para Sebastião Melo (MDB).

Em São Paulo, a derrota de Guilheme Boulos (PSOL), apoiado pelo PT, para Ricardo Nunes (MDB) também é vista como um revés ao partido. Nas eleições de 2022, Lula venceu Bolsonaro na capital paulista.

Especialistas apontam que o cenário inspira preocupação no partido.

O pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eduardo Grin, disse à BBC News Brasil após o primeiro turno que a situação é paradoxal.

"O PT perdeu ganhando. Ele ganhou mais prefeituras do que tinha, mas perdeu porque ficou menos relevante politicamente do que se imaginava, especialmente nos grandes centros urbanos", disse.

Ainda segundo analistas, o PT ainda não conseguiu se recuperar do tombo pós-impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e da operação Lava Jato.

•        Bolsonarismo relevante, mas não hegemônico

Apesar de o PL ter tido algumas derrotas importantes no segundo turno, como em Manaus, Fortaleza, Goiânia e Belém, o partido sai fortalecido destas eleições.

O partido conseguiu aumentar em 50% o número de prefeituras conquistadas, saindo de 344 em 2020 para 516 em 2024.

O desempenho, somado a vitórias de candidaturas que foram abrigadas em outras legendas, mas que defenderam agendas próximas à encampada pelo partido, mostra que o campo bolsonarista sai fortalecido das urnas.

Essa é a ideia central da análise que cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil fazem sobre a corrida eleitoral.

Ao mesmo tempo, há uma avaliação de que os resultados mostram que há uma redistribuição das forças do bolsonarismo no espectro político.

Guilherme Casarões, coordenador do Observatório da Extrema Direita, categoriza como "racha": de um lado, um bolsonarismo institucional, que caminhou para a costura de alianças partidárias, da articulação de apoios partidários no Congresso.

De outro, um movimento mais radicalizado, algo novo que aparece nessas eleições com a ascensão de Marçal em São Paulo, por exemplo.

Ou seja, se o campo bolsonarista sai aparentemente fortalecido, ainda que rachado, o mesmo não pode ser dito sobre Jair Bolsonaro.

"Acho que essa situação de disputa entre as lideranças do campo bolsonarista também acaba enfraquecendo a própria figura do do Bolsonaro", avalia a cientista política Camila Rocha, do CCI-Cebrap. "Antes ele era o árbitro absoluto dos conflitos nesse campo, e agora ele perdeu força, ele perdeu poder."

•        Força de Tarcísio de Freitas em SP: aposta deu resultado

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), viu sua principal aposta eleitoral dar certo.

Ele viu seu candidato na capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), ganhar a eleição com quase 60% dos votos contra Guilherme Boulos (PSOL).

No discurso de vitória, Nunes disse que Tarcísio era seu "líder maior".

Tarcísio foi o principal fiador da candidatura de Nunes e sempre esteve ao lado do prefeito.

Foi o governador, que tem pretensão de disputar a Presidência em 2026, quem costurou o apoio de Jair Bolsonaro ao atual prefeito, mesmo que o ex-presidente não tenha se empenhado na campanha como a coligação esperava.

Bolsonaro não apareceu em eventos nem chegou a gravar para o horário eleitoral de Nunes, ao contrário de Tarcísio.

Embora parte do bolsonarismo tenha aderido à candidatura de Pablo Marçal (PRTB) no primeiro turno, Tarcísio se manteve fiel a Nunes. “Eu preciso de um cara que não lacra, trabalha”, disse ele na semana da eleição, em evento com Nunes.

Para o cientista de dados e CEO da empresa de análise de dados AP Exata Sérgio Denicoli diz acreditar que Tarcísio saiu fortalecido destas eleições.

"O Tarcísio bancou o Nunes e sai bem fortalecido e se consolida como uma liderança hábil neste campo. Ele se coloca como um nome forte da direita e com o aval de Bolsonaro. Penso que o futuro da direita no Brasil passa por ele", disse.

•        Pablo Marçal: derrotado, mas ainda competitivo

Apesar de ter ficado de fora do segundo turno das eleições à Prefeitura de São Paulo e de ter acumulado polêmicas nos últimos meses, o ex-coach Pablo Marçal foi apontado pelo doutor em Ciência Política Vinícius Alves como um dos destaques da disputa neste ano.

Marçal concorreu à Prefeitura de São Paulo pelo PRTB, um partido considerado "nanico" que não contou com tempo de rádio e TV no horário eleitoral gratuito.

Apesar disso, sua enorme popularidade no universo digital permitiu que ele disputasse as eleições de forma competitiva até o final do primeiro turno.

No primeiro turno, Nunes teve 29,48% dos votos, Boulos, 29,07% e Marçal ficou com 28,14%.

Mesmo no segundo turno, Marçal soube se manter nos holofotes. Nas vésperas do pleito, ele fez uma live chamada "entrevista de emprego" com a participação de Boulos, acompanhada por centenas de milhares de pessoas.

Marçal também convidou Nunes para a "entrevista", mas o prefeito não quis participar.

"Considero que o Marçal, do ponto de vista eleitoral, sai como alguém competitivo, com potencial para provocar alguma fissura na direita. Ele conseguiu ficar bem próximo dos dois que avançaram ao segundo turno, equilibrando até os últimos minutos de apuração uma disputa que de início parecia que seria apenas em torno de Nunes e Boulos", afirmou Alves.

O especialista ponderou, no entanto, que as polêmicas nas quais Marçal se envolveu, entre elas a divulgação de um laudo falso indicando que Boulos teria sido internado por uso de drogas em 2021, pode trazer problemas para o seu futuro político.

•        Ciro Gomes e a crise no PDT

O PDT e o grupo político formado pela família do ex-governador do Ceará Ciro Gomes foram dois dos principais derrotados das eleições.

O partido pelo qual Ciro Gomes disputou as eleições presidenciais em 2022 conquistou 150 prefeituras neste ano, um número 52% menor que as 314 obtidas no primeiro turno das eleições de 2020.

Em Fortaleza, o PDT do prefeito José Sarto ficou de fora do segundo turno, que será disputado por André Fernandes (PL) e por Evandro Leitão (PT). O prefeito não conseguiu avançar em sua tentativa de buscar a reeleição.

No segundo turno na capital cearense, Ciro acenou um apoio ao candidado bolsonarista ao fazer críticas a Leitão nas suas redes. Segundo o o jornal O Estado de S.Paulo, isso levou a um movimento de deputados do PDT que querem a expulsão de Ciro do partido.

O PDT também perdeu a prefeitura de Aracaju, em Sergipe. Edvaldo Nogueira (PDT) não conseguiu eleger seu sucessor Luiz Roberto (PDT). A prefeita eleita foi Emília Corrêa (PL).

Além disso, o clã Gomes, que vive um racha entre os irmãos Ciro e o senador Cid Gomes (PSB), viu um opositor da família vencer no seu principal reduto político, a cidade de Sobral.

Lá, Oscar Rodrigues (União Brasil) venceu Izolda Cela (PSB).

•        Derrocada tucana

O PSDB foi um dos grandes derrotados desta eleição, não elegendo nenhum prefeito de capitais. Pior: não irá disputar o segundo turno em nenhuma delas.

Nessa eleição, os tucanos elegeram 272 prefeitos. Quatro anos atrás, eles eram 520.

Mas foi em São Paulo, berço do partido, onde a derrota do PSDB foi mais marcante.

Os tucanos já governaram a cidade de São Paulo em três ocasiões, com José Serra (2005-2006), João Doria (2017-2018) e Bruno Covas (2018-2021).

Dessa vez, o candidato do partido, José Luiz Datena, teve 1,84% dos votos no primeito turno — a pior votação do partido em uma eleição municipal de São Paulo na história.

Na Câmara da capital a situação foi pior ainda. Os tucanos não elegeram nenhum vereador neste ano — em 2020 foram oito, a maior bancada da Casa junto com o PT. Essa é a primeira vez em que o partido não elege nenhum parlamentar na cidade desde sua fundação.

O fracasso eleitoral do PSDB na capital é mais um capítulo da derrocada do partido no Estado onde foi criado. Em 2022, depois de 24 anos, a sigla deixou de ocupar a cadeira de governador. Tarcísio Freitas (Republicanos), aliado de Bolsonaro, venceu a disputa.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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