Tereza Cruvinel: Um giro à direita. Um não
ao extremismo
A eleição de domingo
não tem ganhador único. Tem vários, e eles não estão na esquerda nem na extrema
direita. Vencedores foram os partidos da direitona, a velha, a que sempre
existiu, inclinando-se ora para um lado, ora para outro.
A extrema direita
mostrou que ainda tem força, mas Bolsonaro, que já não tem grande perspectiva
de poder, colecionou derrotas (e cometeu muitos erros). Não se pode dizer que o
presidente Lula saiu derrotado, pois se envolveu muito pouco, mas sai enfraquecido
pelas derrotas do PT e da esquerda. No caso do PT, foram derrotas importantes,
considerando o fato de estar há dois anos no poder com Lula, que tem feito um
bom governo. Muitos petistas estão invocando o argumento válido de que o
partido foi espancado e jogado no fundo do poço nos últimos anos. Isso é fato,
serve de conforto mas o que a disputa futura vai exigir é musculatura política.
O PT fez até seu gol
de honra em Fortaleza, numa final de 7 a 1, e ampliou ligeiramente seu número
de prefeituras. Para quem não tinha prefeito de capital há oito anos, a
conquista foi um avanço, mas pequeno diante do giro para a direita que saiu das
urnas.
Afora a importante
derrota em São Paulo com a candidatura de Boulos, do PSOL, afora ter ganhado em
apenas uma capital, o PT perdeu em grandes cidades onde já foi forte, como as
do antigo cinturão vermelho paulista. O Norte e o Nordeste são mesmo refratários
à esquerda mas, no Nordeste onde Lula é rei, aqueles cinco maiores partidos
levaram todas as prefeituras, com exceção de Fortaleza.
Óbvio que o PT precisa
descobrir onde é que está errando, ao ponto de não converter em votos os bons
resultados econômicos e sociais do governo Lula. A tal renovação que nunca
acontece continua sendo uma necessidade, assim como as táticas eleitorais. Ontem
mesmo esta discussão teve início no partido.
Os resultados informam
que o eleitorado preferiu os partidos da velha direita, dê-se a ela o nome que
quiser (centro, centrão, direita liberal, envernizada, não extremista etc...),
rejeitou bolsonaristas extremistas e em menor escala os candidatos petistas.
Os partidos do que
chamo direitona colheram o maior quinhão de votos e o maior número de
prefeituras, inclusive nas capitais. O PSD de Kassab completou, no segundo
turno, uma cesta de 887 prefeituras, seguido do MDB com 856, do PP com 745 e
União Brasil com 583. A seguir vem PL com 515. O PT vem em nono lugar com 252
(tinha 184).
Os cinco primeiros
partidos juntos vão governar 68% dos eleitores em 3.615 cidades. Mas, se o PSD
de Kassab ficou com o maior número de prefeituras, o PL recebeu o maior número
de votos, mais de 15 milhões. Isso significa que a extrema-direita continua forte,
o bolsonarismo é que perdeu força com a falta de futuro do inelegível.
Bolsonaro colecionou
derrotas e cometeu muitos erros. Como fez corpo mole em São Paulo na campanha
de Ricardo Nunes, não é sócio daquela vitória, onde o ganhador maior é o
governador Tarcísio Motta. Fora isso, apoiou de forma decidida candidatos que
chegaram em primeiro lugar ao segundo turno mas foram derrotados no segundo:
Fortaleza, João Pessoa, Manaus, Belo Horizonte, Curitiba e Goiânia, onde o mico
foi maior porque ele chegou a brigar com o governador Caiado, que apoiou o
vencer Sandro Mabel, do União Brasil. Bolsonaro ganhou em Aracaju e em Cuiabá,
derrotando o PT numa polarização direta, mas perdeu na refrega dura de
Fortaleza.
Este quadro saído das
urnas fala algumas coisas sobre o futuro próximo.
1. Para ser reeleito,
Lula precisará cooptar um ou alguns partidos da direitona, que estão em seu
governo mas não têm compromisso para 2026.2. O PT precisa mesmo fazer um retiro
para pensar na vida, repensar seu discurso, sua comunicação, suas práticas e
táticas.3. O PSD agora se torna um partido pêndulo importante. Poderá ter
projeto presidencial próprio em 2026, poderá ficar com Lula ou com a extrema
direita (especialmente se Tarcísio for candidato a presidente). Ou mesmo
continuar com um pé em cada canoa. Agora, porém, ele já colheu os frutos desta
ambiguidade.4. O PL, segundo seu presidente, Waldemar Costa Neto, talvez tenha
que fazer um giro para o centro, e isso significa disputa com Lula e o PT
apoios dos vitoriosos de ontem.5. O resultado pode ter impacto sobre a disputa
pela presidência da Câmara. Talvez o PSD de Kassab queira agora construir uma
frente para garantir seu candidato, Antônio Brito. Lula e o PT não poderão
errar neste jogo.
No mais, veremos.
¨ Covas, Sereias e o amargo 2024. Por Fernando Horta
A menos que você
queira muito “dourar a pílula”, as eleições municipais de 2024 foram um
fracasso para a esquerda. Nem tanto pelos números totais, que são sim bem
ruins, o PT obteve 252 prefeituras, não chegando nem às 256 de 2016 (quando se
dá o início do golpe contra o projeto de centro-esquerda brasileira) e muito
longe das 635 prefeituras em 2012. Quando se pensa numa análise por estado
apenas no Piauí na Bahia conseguimos algum crescimento e passamos de 32
prefeituras em 2020, para 50 em 2024, mas também muito longe das 93 de 2012. Em
São Paulo e em Minas Gerais houve um leve incremento, mas não muda a queda nos
números vistos em outros estados também, como no RS.
Se estratificarmos
isso pelo número de habitantes em cada cidade conquistada, o partido tem apenas
seis prefeituras das pouco mais de 150 cidades brasileiras com mais de 200 mil
habitantes. Mesmo o número de vereadores eleitos (que chegou a 3129 em 2024 contra
2668 de 2020) fica muito atrás dos 5166 de 2012. Há quem faça, erroneamente, a
comparação qualitativa com 2020 para dizer que “estamos melhorando”. Esse tipo
de tiro retórico, contudo, não pode ser aceito. Em 2020 tínhamos o PIOR cenário
possível, com o bolsonarismo na presidência, controlando todo o orçamento,
criminalizando a política e, principalmente a esquerda com o presidente Lula
recém solto e ainda numa discussão interminável sobre a validade da Lava a
Jato.
Comparar, pois, com
2020 serve apenas para mascarar o problema. Ademais, entre 2020 e 2024 temos
quase 10 trilhões de reais de diferença, eis que desde 2023 a esquerda controla
(ou deveria controlar) o orçamento federal de 5,5 trilhões de reais. Ou seja,
nem de posse do orçamento, podendo implementar políticas públicas de qualidade
a esquerda conseguiu transformar isso em força eleitoral e já hoje, sem nem
esperar as eleições esfriarem, “o mercado” pressiona Lula por mais corte de
gastos e “austeridade”, imaginando que a força do presidente é decrescente, e
que pode arrancar nacos da carne da sociedade brasileira enquanto o ferro da
eleição ainda está quente.
É preciso se perguntar
por que um resultado tão diferente entre as eleições de 2022 e 2024? E Por que
isso é tão preocupante?
É preciso começar pelo
básico, quem acreditou que a vitória de Lula seria o fim do processo de
fascistização do Brasil não conhece a história. O fascismo brasileiro –
exatamente como ocorrido também na Europa do entreguerras – não termina com um
ou outro revés. Hitler foi preso em 1923, tentando dar um golpe na Alemanha,
para somente em 1933 se nomeado chanceler. Fascismo não se combate prendendo
fascistas. Se combate com programas específicos na Educação, Cultura e punindo
os crimes deles na justiça. Infelizmente o Brasil não está fazendo nada disso.
Nem os crimes estão sendo punidos (a menos que você considere as “corajosas”
penas dadas pelo STF aos “bagrinhos” do 08/01), nem a educação de Camilo
Santana tem qualquer projeto para disputar a “meritocracia neoliberal” que, a
bem da verdade, é parte da doutrina de educação desta esquerda neoliberal que
se apossou do MEC.
Mas acho que três
outras razões precisam ser explicitadas aqui:
1) O mau gasto do
dinheiro público: O gasto público pode ser avaliado por diversas formas.
Podemos ver se ele é adequado às necessidades do país, se é constitucional, se
está em consonância com os objetivos de desenvolvimento do país e assim vai.
Mas é também preciso avaliar se o gasto está sendo efetivo em transformar o
controle do orçamento em força eleitoral. E nisso os ministros do presidente
Lula (pelo menos os de esquerda) têm sido tremendamente incompetentes. Todo
gasto real que não é pago por dentro de uma plataforma social soberana, que
reúne informações e exige contrapartida é dinheiro posto fora. Não adianta
gastar com programas sociais, como se fazia no início do século XXI, se a
população tem sua atenção sequestrada pelas plataformas digitais, e as razões
dos pagamentos são ressignificadas por vídeos e conteúdos que retiram as ações
e decisões do governo da causa de existência destes programas. Tem razão a
presidenta Gleisi quando responde ao ministro Padilha. A sanha da
governabilidade pode ter vitórias de Pirro, mas 2026 é logo ali e 2024 um aviso
eloquente.
2) O velho problema da
comunicação: não vou me estender muito, mas nove entre dez militantes de
esquerda concordam que a comunicação do governo e dos partidos de esquerda é
tremendamente incapaz (o outro um militante tem cargo de confiança). E não se
trata de uma avaliação comparativa que poderia chegar a essa conclusão porque
estaríamos lutando contra uma força muito maior (os algoritmos) e contra muito
mais dinheiro do lado de lá. Na realidade, a comunicação é ruim mesmo porque
quase sempre apadrinhada e pouco profissional. Privilegia-se um conceito
estranho de “confiança” sobre competência, e quem toma essas decisões não
capacidade técnica de avaliar “competência” em si nessa área. E já tivemos
tempo para aprender. De 2013, quando as Jornadas de Junho mostraram o que era o
sequestro de um movimento social pela comunicação digital, para cá são 11 anos.
Tempo mais do que suficiente para a inteligência humilde aprender.
3) As reformas
eleitorais de Cunha e as máquinas de reeleição: Pouca gente está falando nisso,
mas Eduardo Cunha é o coveiro da esquerda no Brasil. Não apenas pelos crimes
que cometeu contra a presidenta Dilma, e por ser responsável por todo o
desarranjo institucional que passamos até hoje, mas também por uma ‘reforminha’
que fez passar em outubro de 2013 que basicamente diminui o tempo de campanha,
proibiu a militância de ajudar mais efetivamente nas campanhas e criou
mecanismos para privilegiar que já tem mandato nas corridas eleitorais. O
resultado é um desastre. As eleições se tornaram ainda mais dependentes do
dinheiro e mesmo na esquerda há quem adore isso, ou porque são milionários, ou
porque já têm seus mandatos e assim se sentam em cima das verbas dos partidos.
Resultado? Mais de 80% de reeleição em 2024, que é agravado ainda pelas emendas
secretas do Lira e a “governabilidade” de Padilha e Ruy Costa. Este cenário de
coisas é basicamente fúnebre para qualquer ideia de esquerda transformadora e,
enquanto a direita voa nos financiamentos e se renova, tudo o que nós, na
esquerda, temos é o susto do acidente doméstico sofrido pelo presidente que se
mostra em 2024 como o único – ainda – capaz de deter um retorno da direita em
2026.
E que não venham falar
somente do PT, porque é uma crise em toda esquerda. Basta ver que o PSOL perdeu
a única prefeitura que tinha e Boulos fez quase que exatamente a mesma votação
percentual que teve em 2020, quando concorreu contra Bruno Covas.
O PT não acabou e nem
acabará porque o PT é a força viva da esquerda brasileira. Com todos os seus
problemas, erros e acertos, segue como única barreira entre a civilização e a
barbárie. Mas, se quisermos ter alguma chance e 2026 é preciso mudar tudo. Reformular,
reinventar e renovar. Até para que o presidente Lula pare com a peregrinação
que parece fazer atrás de figuras como Tabata Amaral, João Campos e Eduardo
Paes. Figuras que nem são de esquerda e nem são novidade. Fazem parte da velha
luta de classes que copta a periferia com acenos de bolsas no exterior, maquia
velhas oligarquias como “alternativas democráticas”, ou apresenta um populismo
egocêntrico como projeto político integrador. Já vimos isso antes. Se cairmos
no canto dessas sereias, será por vontade de continuar errando.
¨ Hora de enfrentar com método e racionalidade o antipetismo. Por
Bepe Damasco
Você até pode analisar
o desempenho do PT nas eleições municipais olhando para a parte cheia do copo:
o partido passou de 183 prefeituras conquistadas em 2020, para 252 agora,
aumentando em 76% a população governada; o PT venceu em Fortaleza, a maior capital
do Nordeste; o lulismo não se saiu mal, pois aliados do governo obtiveram
vitórias importantes, como no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Belém; das nove
disputas do PL nas capitais, no segundo turno, o partido de Bolsonaro perdeu em
sete; a extrema-direita bolsonarista projetava eleger mil prefeitos, mas acabou
emplacando pouco mais de 500.
Contudo, seria tapar o
sol com a peneira não reconhecer que a performance do PT esteve bem aquém do
esperado para um partido que governa o Brasil, possui enorme capilaridade em
todo o país e sólido capital político, eleitoral e social.
Deixando de lado 2016,
quando o partido foi alvejado pelo golpe contra Dilma Rousseff, e 2020, eleição
em que sentiu ainda fortemente os efeitos do lawfare, que culminou com prisão
ilegal de Lula, o partido elegeu 411 prefeitos, em 2004, 547 prefeitos, em
2008, e 638, em 2012, governando capitais e cidades médias importantes. Se
viajarmos um pouco mais no tempo, vale lembrar que, em 1988, o partido venceu
as eleições em São Paulo, Porto Alegre e Vitória, só para citar alguns
exemplos. As gestões inovadoras e participativas do PT fizeram história.
São diversos os
fatores que contribuíram para a queda na preferência pelo partido nas eleições
deste ano. Da falta de um discurso mais antenado com a questão do
empreendedorismo às debilidades na disputa ideológica e cultural por corações e
mentes, passando pelas falhas de comunicação que fazem o PT perder de goleada
nas redes para a extrema-direita, são várias as causas que ajudam a entender a
votação declinante no partido. A burocratização de parte significativa das
direções petistas, em detrimento do trabalho de base junto ao povo, e as
mudanças profundas no mercado de trabalho também pesam de forma
considerável.
Mas não dá mais para
seguir tocando a bola para os lados e fingir que está superado o dano à imagem
do partido causado por uma caçada midiática-jurídica-parlamentar sem
precedentes na história do país.
As realizações do
governo Lula, por mais benefícios que tragam para a população, não têm o condão
de, isoladamente, reverterem a visão distorcida e negativa que segmentos
expressivos da sociedade têm do PT, especialmente no Centro-Oeste, em maior
escala, mas também no Sul, Sudeste e Norte, tanto nos estratos médios como nas
classes populares.
Desde 2016, quadros
qualificados do partido vêm perdendo eleições pelo simples motivo de
pertencerem ao PT. Muitos eleitores preferem votar em qualquer um, desde que
seja para impedir a vitória de um petista.
Isso vem acontecendo
com frequência. Na eleição municipal desse ano, o caso de Porto Alegre talvez
seja o mais emblemático. Na capital gaúcha, o eleitorado decidiu reeleger um
prefeito com públicas e notórias responsabilidades pela maior tragédia ambiental
do estado apenas para derrotar uma petista, a combativa e preparada deputada
Maria do Rosário.
Penso ter chegado a
hora de o partido enfrentar com métodos científicos o problema do antipetismo,
porque, por ser de extrema complexidade, a questão não tem solução simples, E é
importante frisar que o antipetismo atinge também, em maior ou menor grau, toda
a esquerda.
Por que não fazer uma
ampla pesquisa nacional sobre os motivos da rejeição ao partido? De posse
desses resultados, a direção traçaria políticas e elaboraria estratégias para
tentar desatar, com método e racionalidade, os nós que abalam a imagem do PT no
imaginário coletivo.
Segundo algumas
pesquisas, o contingente de bolsonaristas raiz na população gira em torno dos
20%. Estes parecem caso perdido para um projeto de país democrático, humanista,
inclusivo e soberano, já que compartilham dos valores do neofascismo
brasileiro.
Fora dessa parcela,
existe um mundo de gente a ser disputada, conquistada ou reconquistada, já que
é grande a quantidade de pessoas que se dizem antipetistas hoje, mas que já
simpatizaram e votaram no PT em passado recente.
É urgente que o
partido formule políticas capazes de atrair essa gente de volta. Nada pode ser
mais importante do que se armar politicamente para enfrentar o antipetismo, que
é o anticomunismo com nova roupagem dos dias atuais.
Fonte: Brasil 247
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