Atores são investigados por se passarem por
médicos para vender produtos que prometem resultados milagrosos
A Polícia Civil de São
Paulo ouviu atores que estão sendo investigados por interpretarem médicos em
produções roteirizadas na internet para vender produtos que prometem resultados
milagrosos.
O g1 e Jornal Hoje
denunciaram o caso em julho deste ano. Os vídeos têm a intenção de parecer
reais e alguns não incluem um alerta ao internauta informando que se trata de
uma encenação.
As denúncias chegaram
ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). O órgão, então, pediu
via ofício que a Polícia Civil e o Ministério Público apurassem a situação. Em
5 de agosto, o Ministério Público concordou que a Polícia Civil abrisse um
inquérito policial.
Os atores Fernanda
Padilha, Rodrigo Gonzales e Renato Chocair foram intimados à delegacia.
Fernanda e Rodrigo prestaram depoimento no dia 22 deste mês.
Fernanda aparece em
vídeos como “Roberta Damasceno”, “Roberta Zanetti” e “Maria Fernandez”, se
passando por oftalmologista, ginecologista e farmacêutica. Ela foi ouvida pela
Polícia Civil na capital paulista nesta terça-feira (22).
A atriz apresentou os
contratos de prestação de serviço que teve com três empresas e um acordo com
uma das contratantes por “prejuízo moral sofrido com a vinculação de seu nome
de forma indevida”.
• O que disse Fernanda Padilha à polícia
À polícia, Fernanda
contou que é atriz há 23 anos e que faz propagandas comerciais. Sobre o
material encaminhado à investigação com sua imagem, ela afirmou que trabalhou
para três empresas e interpretou três papéis:
"Roberta
Damasceno": Padilha disse que interpretou a médica Roberta e esse anúncio
foi veiculado na internet. Ela alegou que a responsabilidade, nesse caso, foi
do contratante, que deveria ter colocado um aviso que se tratava de personagem
fictícia.
"Roberta
Zanetti": sobre a personagem "Roberta Zanetti", uma
pesquisadora, a atriz informou à investigação que foi contratada pela empresa
para anunciar um suplemento natural para a visão, o “VisiControl".
"Maria
Fernandez": sobre a personagem Maria, Fernanda Padilha comentou que foi
paga para falar sobre o suplementou GotasFlux, e argumentou que “todos esses
produtos são suplementos naturais, que sua profissão é atriz e nunca divulgou
os vídeos”.
• O que disse Rodrigo Gonzales à polícia
Rodrigo Gonzales,
segundo a denúncia, aparecia como urologista e falava sobre um aplicativo e o
“truque do pepino”, que seria um “segredo para a infertilidade”. O g1 não
conseguiu contato com a defesa dele até a última atualização desta reportagem.
O publicitário e ator,
de 43 anos, contou aos policiais que eventualmente faz trabalhos para a área
artística e tinha sido contratado para fazer um anúncio, como ator, para um
aplicativo e que “não sabia a finalidade”.
No material, ele
interpretou um especialista em urologia. Durante uma entrevista fictícia, ele
lembrou que “falou bastante sobre os benefícios do pepino para a saúde”, assim
como passou dicas de como o pepino pode ser bom para ereção masculina.
Ao fim do vídeo, ele
dizia que "para mais dicas como essa basta clicar no link abaixo". “O
declarante foi contratado, e afirmou que nunca divulgou tal propaganda”,
finalizou.
• Outros atores
Já Renato Chocair,
também ator intimado pela polícia, interpretava o “doutor Fábio Rocha” e
apresentava um suposto produto para perder peso. Ele ainda deve prestar
esclarecimentos à polícia. Procurado pela reportagem anteriormente, ele não
quis falar sobre o caso.
Sidnei Oliveira
aparecia em vídeos falando sobre produtos para emagrecer e usava até um jaleco
com um nome bordado e sendo entrevistado pela atriz Fernanda Padilha. No
entanto, ele não aparecia como intimado pela polícia no inquérito pelo 15º DP
de São Paulo.
• Conar apura
Em nota atualizada, o
Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária (Conar) diz que desde julho
abriu três representações éticas contra os anúncios com evidências de
testemunhal falso, entre outras desrespeitos ao Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária.
Um deles, com abertura
do processo naquele mês, é contra o anúncio “Gotasflux”, divulgado em espaço
patrocinado em plataformas de redes sociais e em página da internet.
Segundo a entidade, os
casos serão levados a julgamento nas próximas sessões do Conselho de Ética do
Conar.
“Reafirmamos que o uso
de testemunhais falsos é rechaçado pela legislação e pelas regras éticas do
Conar. No caso de testemunhais de especialistas e/ou autoridades, há peso e
gravidade ainda maiores, acerca da possível irregularidade. Os testemunhais falsos,
inclusive, têm sido um dos indicativos de publicidade flagrantemente irregular.
Os suplementos
integram o gênero alimentício. Não podem prometer cura ou benefícios diretos à
saúde.
A partir da pandemia,
verificou-se uma tendência maior de apelos irregulares na publicidade do
segmento, com as promessas enganosas de cura”, informou a entidade.
• O que disse o Cremesp
O Cremesp disse que
nas publicações checadas não tinha nenhuma indicação de que a pessoa que estava
participando do anúncio era ator ou atriz.
"[Solicitamos] a
exclusão imediata destas publicações mentirosas das redes sociais, que só
prejudicam a população e a própria classe médica. Reforçamos, ainda, a
importância do uso do Guia Médico, disponível no site do Cremesp, que permite
checar, pelo nome ou CRM, se o profissional é realmente médico e se possui
especialidade registrada.”
• Relatos no Reclame Aqui
No Reclame Aqui, site
usado para divulgar reclamações e denúncias de consumidores pelo país, uma
usuária descreveu, no dia 8 de julho, que fez a compra do produto apresentado
por "Ricardo Bruno", recebeu comprovantes do pagamento, mas não teve a
mercadoria entregue.
"Em julho de
2024, assisti a um vídeo que apresentava um médico, dr. Ricardo Bruno, que se
diz endocrinologista e professor da USP, mostrando um suplemento/medicamento
aprovado pela Anvisa para emagrecer. Acreditei no suposto 'médico' e comprei o
produto. Preocupada, no dia seguinte entrei em contato com o suporte ao cliente
solicitando o cancelamento da compra."
Em outro relato do
Reclame Aqui, a pessoa afirma que nunca recebeu retorno da empresa.
• Depoimentos sobre os produtos
Ao menos uma pessoa
que aparece como paciente dos médicos fictícios anunciava depoimentos positivos
ensaiados por meio de um site a R$ 25. No site, é possível encontrar a oferta
de diversos tipos de serviço, como tradução e criação de convites, mas também
muitos anúncios de pessoas vendendo propagandas e depoimentos para fazer com
que "o produto venda muito".
Em um vídeo, uma
mulher agradece à “doutora Roberta”, que é interpretada pela atriz Fernanda
Padilha, pela indicação de um produto para os olhos: o VisiControl. “Depois de
6 dias de uso eu já vi os resultados. Eu tirei os colírios, a minha dor de
cabeça passou. Então, assim, muito obrigado doutora Roberta, de coração”,
relata.
A paciente fictícia é
Luciene Parizotto, que se apresenta na internet como especialista em
"prova social" (uma estratégia usada por marcas para incentivar os
consumidores a fazer compras).
Na descrição do seu
serviço no site, Luciene diz que que faz um "comercial persuasivo em vídeo
ou em áudio com total espontaneidade e naturalidade sobre seu
produto/serviço". Ela tinha um portifólio na internet com vídeos em que
interpretava médicas, advogada e pacientes.
Por mensagem de texto,
ela escreveu que um de seus vídeos foi vinculado ao VisiControl, mas que ela
nunca gravou algo do tipo, que foi contratada por uma agência e que foi criado
um avatar. Luciane nega que seja ela no vídeo.
O Conar (Conselho
Nacional de Autorregulamentação Publicitária) afirmou, por meio de nota,
"que o uso de testemunhais falsos é rechaçado pela legislação e pelas
regras éticas do órgão".
• O que dizem os representantes dos
produtos
José Detzel, de 18
anos, representante da Night Slim, disse ao g1 que "Fernanda não
representou nenhum papel de médica", e pediu para a reportagem procurar o
advogado da empresa, mas não encaminhou contato.
Já o advogado que
representa a VisiControl, que contratou Fernanda Padilha para falar de um
produto para a visão, declarou, em nota, que o vídeo da oferta conta com
disclaimers – que são avisos legais para informar ao consumidor que se trata de
uma história fictícia.
Ainda segundo a nota,
"em nenhum momento a atriz foi mencionada ou retratada como médica, sendo
sua atuação meramente ilustrativa e com fins publicitários". "Devido
à adesão abaixo do esperado, o suplemento alimentar 'VisiControl' foi descontinuado
e não se encontra mais disponível para comercialização."
Sobre a Alívio 360,
Fernanda disse que o contratante pediu para não passar informações por questão
de sigilo contratual.
Na internet, outros
atores também aparecem interpretando profissionais da saúde. Alguns depoimentos
como especialistas ou pacientes fictícios chegam a ser vendidos a R$ 20 em um
site.
O Harmony House, dono
do estúdio onde foi gravado o programa "Saúde em Foco" com os dois
atores em São Paulo, afirmou, por nota, que o serviço de gravação foi
contratado por um cliente de nome José. "Nós, como estúdio de locação,
oferecemos serviços para a gravação de conteúdos de áudio e vídeo conforme as
especificações fornecidas pelos nossos clientes. Não temos envolvimento ou
conhecimento sobre o conteúdo dos projetos gravados em nossos estúdios. A
responsabilidade pelo conteúdo, assim como pela contratação dos apresentadores
e demais participantes, é integralmente do cliente", escreveu.
A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) comentou os supostos selos de aprovação usados em
suplementos como o Night Slim: "Não há nenhum medicamento registrado na
Anvisa com o nome Night Slim. Dessa forma, não se trata de medicamento autorizado
para nenhuma indicação terapêutica. Destacamos que somente medicamentos
registrados na Anvisa podem alegar propriedades terapêuticas na Anvisa".
• O que disseram os atores ao g1
O ator Sidnei
Oliveira, que aparece como um médico, afirmou que foi "contratado como
ator para interpretar um personagem simples", mas que se desvinculou do
trabalho. "Eu não faço mais parte. Portanto, não estarei mais nos vídeos e
acredito que me citar na reportagem será em vão, pois minhas cenas estão sendo
retiradas."
Questionado se sabia
sobre o uso da imagem para a venda de produtos e citado como especialista da
USP, Oliveira afirmou, por meio de mensagem de visualização única e áudio, que
não sabia.
Ele disse ainda que
passou o contato do jornalista para os responsáveis por sua contratação e não
deu detalhes sobre o serviço prestado nem quem eram seus contratantes.
Já a atriz que aparece
como uma "apresentadora" é Fernanda Padilha. As personagens dela são
pelo menos quatro: a médica "Roberta Zanetti", que também se diz
diretora de pesquisas há mais de 19 anos, a médica "Roberta Damaceno"
e a farmacêutica "Maria Fernandes", além da apresentadora
"Vanessa Amorim". Ao g1, Fernanda Padilha falou que "estão
circulando vídeos na internet criando uma distorção sobre sua índole e
trabalho".
"Esses vídeos
dizem que eu me passo por médica para vender produtos e insinuam que esses
produtos são meus. Isso é mentira. Eu tenho contratos com todas as empresas
para as quais prestei serviços. Eu não sou médica. Eu sou atriz há mais de 20
anos."
A atriz argumentou que
um contratante disse que "pessoas estão roubando as imagens" e usando
ferramentas de sincronia labial e mudando o texto gravado.
Segundo a atriz, ela
foi contratada para ao menos três produtos: Night Slim, VisiControl e Alívio
360. O que diz Fernanda Padilha
• Leia a nota da atriz na íntegra:
"Recentemente,
fui contratada por algumas empresas de suplementos vitamínicos para interpretar
personagens fictícias em seus vídeos publicitários. Há aproximadamente três
semanas, enviaram-me um vídeo produzido por um influencer que atribuía a mim responsabilidades
que são das empresas contratantes, além de distorcer o meu trabalho e minha
índole.
Por exemplo, o vídeo
me acusa de “vender medicamentos falsos”, induzindo a audiência à ideia errada
de que a responsabilidade pelos produtos é minha e de que existiu uma intenção
minha de “vender medicamentos falsos”. Primeiramente, nunca fiz um vídeo publicitário
para medicamento. Todos são suplementos nutricionais. Todo material
publicitário foi gravado para a venda de suplementos alimentares e não de
remédios.
Em nenhum momento foi
gravado por mim algum conteúdo prometendo tratamento terapêutico ou até mesmo
cura de doenças. Todos os contratos me eximem de toda e qualquer
responsabilidade com relação à concepção do produto, sua validação perante
órgãos pertinentes, conteúdo do roteiro, qualquer garantia expressa explícita
ou implícita relacionada ao produto, além de qualquer ação legal decorrente do
projeto. Além disso, as empresas têm a responsabilidade de informar
expressamente que sou uma atriz interpretando uma personagem fictícia.
Os vídeos do
influencer criaram uma falsa narrativa sobre meu trabalho e minha índole.
Pessoas começaram a entrar na minha rede social para me xingar e difamar de
forma extremamente agressiva. Esses vídeos foram compartilhados em grupos do
WhatsApp pelo Brasil todo indiscriminadamente, me afetando pessoalmente. Foi
então que comecei a fazer vídeos na tentativa de esclarecer sobre o trabalho do
ator e sobre o que aconteceu comigo. Além de tudo isso, descobri sofrendo na
pele que esse meio apresenta um problema sério que afeta principalmente a nós,
atores, já que estamos expostos. Indivíduos que não possuem o direito da nossa
imagem usam uma IA para fazer uma sincronização de lábio, mudam o texto
completamente ou aproveitam parte do texto gravado e fazem o que querem com a
nossa imagem, utilizando-a indevidamente.
Ontem fui informada de
que 3 vídeos contendo minha imagem manipulada estavam circulando na rede. Antes
de ontem, foram 4. Eu recorro aos contratantes que detêm a guarda da minha
imagem para que solicitem a retirada do ar. Infelizmente, não tenho controle
sobre isso porque as propagandas não chegam a mim. Assim que fui informada que
alguns vídeos não tinham a legenda informando expressamente de que sou uma
atriz e que as personagens são fictícias, solicitei aos meus contratantes, os
quais não haviam colocado tais legendas, que retirassem os vídeos do ar
imediatamente."
• O que diz o Sindicato
De acordo com o
Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de São
Paulo (Sated-SP), as empresas que produzem as mercadorias é que devem ser
responsabilizadas.
Por meio de nota, Rita
Teles, presidente do Sated-SP disse que, como entidade que representa os
artistas, "defende que as empresas que produzem os medicamentos Night
Slim, VisiControl e Alívio 360 sejam responsabilizadas".
"É importante
afirmar que o Sated-SP apoia e incentiva a regulamentação da atividade
publicitária através de convenções coletivas, monitorando o descumprimento das
legislações vigentes por parte das empresas contratantes, e principalmente no
que diz respeito à relação dessas empresas com os artistas que contratam",
escreveu.
"Não é justo que
a responsabilidade recaia sobre atrizes e atores que comprometem-se a cumprir o
que está previsto no contrato de trabalho", complementa.
Fonte: g1
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