Mulheres foram alvo de 68,2% dos comentários
ofensivos no 2º turno
O 2º turno das
eleições 2024, talvez as mais violentas dos últimos tempos, chegou ao fim. As
mulheres que enfrentaram a disputa enfrentaram a tensão política de forma
diferente, desafiadas pela violência de gênero que marcou toda a campanha deste
ano.
As que superaram o 1º
turno continuaram sendo alvo de insultos e ataques misóginos que foram além da
crítica profissional, expondo o ódio contra as mulheres que permeia as redes
sociais. A jornada eleitoral de algumas dessas candidaturas foi acompanhada mais
uma vez pelo MonitorA – observatório de violência política de gênero online do
Instituto AzMina, InternetLab, Núcleo Jornalismo e Laboratório de Humanidades
Digitais da Universidade Federal da Bahia (LABHD-UFBA) -, que em 2024 analisou
comentários feitos em transmissões de debates no YouTube por todo o Brasil.
Nesta terceira etapa,
foram coletados 6.673 comentários potencialmente ofensivos, 56,8% direcionados
a mulheres candidatas, e 23% aos candidatos homens. Do total de interações
confirmadas como ofensivas a candidaturas, 68,2% se dirigem a mulheres, e 31,7%
a homens.
As candidatas foram
alvo de ataques diretos e violentos com mais que o triplo de frequência,
representando 22,1% dos comentários ofensivos, enquanto apenas 6,3% foram
direcionados aos homens. O restante é dividido entre ofensas a eleitores,
jornalistas dos dois gêneros, homens e mulheres não candidatos, grupos
políticos, veículos de mídia e destinatários não identificados.
A pesquisa concluiu
que, sem recorte de gênero, 67% dos comentários nos debates analisados foram
ofensivos, entre insultos e ataques.
A cada edição, o
MonitorA classifica milhares de conteúdos ofensivos dirigidos a candidatas em
redes sociais, e diferencia o que é insulto ou ataque. Os insultos são
expressões desagradáveis, mas considerados parte do jogo político. Já os
ataques, que podem ser misoginia, racismo, transfobia, assédio e incitação à
violência, entre outros, tem recomendação de exclusão das redes.
• As mulheres no 2º turno
Treze cidades
brasileiras, sete capitais, tiveram mulheres disputando a prefeitura no 2º
turno.
O MonitorA coletou
dados de transmissões de debates no YouTube em cinco capitais: Curitiba, Campo
Grande, Porto Alegre, Natal e Porto Velho, com participação de Cristina Graeml
(PMB-PR) e Eduardo Pimentel (PSD-PR), Adriane Lopes (PP-MS) e Rose Modesto
(União-MS), Maria do Rosário (PT-RS) e Sebastião Melo (MDB-RS), Natália
Bonavides (PT-RN) e Paulinho Freire (União-RN), e Mariana Carvalho (União-RO) e
Léo Moraes (Podemos-RO). A candidata Emília Correa (PL-SE) desistiu do debate
em Aracaju.
Nas cidades de regiões
metropolitanas e do interior com mulheres na disputa, analisamos apenas
Londrina, com a candidata Professora Maria Tereza (PP-PR) enfrentando Tiago
Amaral (PSD-PR).
• Quando o gênero é motivo de ataque
No YouTube, termos
como “mentirosa”, “louca”, “despreparada” e “fraca” são frequentemente usados
para as candidatas. A palavra mais frequente em comentários ofensivos às
mulheres, candidatas ou não, é “mulher” (961). O termo “homem” aparece apenas
222 vezes em comentários ofensivos. Eles são mais ofendidos com a expressão
“esquerdista” (294), mostrando que, nesses casos, a conversa gira em torno da
ideologia política, e não do gênero.
Os dados também
mostraram que a inferiorização está em 36,2% dos ataques a mulheres, seguida
por misoginia, com 36,1%. Entre os homens, os ataques mais frequentes são de
etarismo (34%), inferiorização (24,3%) e homofobia (23,1%). No entanto, muitos
ataques classificados como homofobia não eram direcionados a candidatos gays,
mas questionavam sua masculinidade a partir de estereótipos de gênero, usando a
homossexualidade para desqualificá-los.
Carolina Parreiras,
pesquisadora do departamento de Antropologia e membro do Laboratório
Etnográfico de Estudos Tecnológicos e Digitais (LETEC) na Universidade de São
Paulo (USP), defende que a internet se tornou um ambiente propício à misoginia
e ao machismo, por acelerar a circulação desses conteúdos. “O gênero passa a
ser um marcador muito importante para entender essas questões”.
Sua posição é
corroborada por achados do MonitorA 2022. Ao analisar perfis de candidatos
homens, a pesquisa identificou ofensas a partir de marcadores sociais como
orientação sexual e raça. “Diferentemente das mulheres, eles não foram atacados
por serem homens, mas por pertencerem a grupos historicamente marginalizados”,
aponta Catharina Vilela, pesquisadora do InternetLab.
Curitiba foi a cidade
com maior participação da audiência, com 2.584 comentários no embate entre
Cristina Graeml (PMB-PR) e Eduardo Pimentel (PSD). A candidata – que é filiada
ao Partido da Mulher Brasileira, mas não traz a palavra mulher em seu plano de
governo -, considerada ‘azarona’ na capital paranaense, com uma campanha
apoiada no extremismo de direita, é aliada de Jair Bolsonaro (PL) e foi apoiada
por Pablo Marçal (PRB-SP).
Em seguida, aparecem
Campo Grande (1892), Natal (1349), Londrina (790), Porto Alegre (35) e Porto
Velho (23). Com exceção da capital de Rondônia, todas as cidades analisadas
tiveram mais de 60% de comentários ofensivos (somando insultos e ataques).
• O caso de Campo Grande
Candidata à reeleição
em Campo Grande, Adriane Lopes (PP-MS), foi chamada de “lixo”, “imunda”,
“capacho de marido”, “bandida desgraçada” e mais. Sua oponente, Rose Modesto
(União-MS), foi descrita pela audiência como “cara de louca”, “feia”, “fraca”,
“horrível”, entre outros.
O debate de Campo
Grande foi o único entre duas mulheres, e o mais violento em comentários da
audiência do YouTube. Luciane Belin, pesquisadora em gênero e misoginia em
plataformas digitais no NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), relata evidências científicas de que mulheres na política recebem mais
ataques digitais que seus colegas, com questionamentos sobre sua capacidade
pública e ataques pessoais, “com xingamentos de teor sexual ou sobre aparência
física e ofensas à família”.
A pesquisadora cita
ainda o Censo das Prefeitas Brasileiras de 2020, que mostrou que homens
comandam quase 90% dos municípios do país. “O dado ilustra como, longe dos
grandes centros, há uma tendência à perpetuação da divisão sexual da sociedade,
com homens à frente da esfera pública e mulheres responsáveis pela vida
doméstica.” No 1º turno desse ano, o Brasil elegeu 4.744 prefeitos e 723
prefeitas. Elas são agora 14%, contra os 10% de 2020.
• Ódio e violência dão mais lucro
A popularidade em
Curitiba não livrou Cristina Graeml (PMB-PR) das ofensas da audiência. Durante
o debate na TV Band, ela foi alvo de 446 ataques e 326 insultos, com frases
como “bruxa Cristina tenebrosa”, “Cris louca”, “Coitada da Cristóxica”, “mandar
(sic) essa mulher calar a boca” e “Chupa Cris”, entre outras. A candidata não
respondeu nossos pedidos para comentar a questão.
Carolina Parreiras, do
LETEC/USP, concorda, mas não acredita que o gênero explica tudo, chamando a
atenção para a lógica algorítmica das plataformas digitais. Essa ‘nova
economia’ tem a produção e captação de dados como moeda, mas esse processo não
é neutro nem visível; tudo é rastreado e vigiado com ‘tecnologias opacas’. “O
ódio e a violência dão muito mais lucro que postagens positivas. Não só
misoginia, racismo, transfobia e homofobia, mas tudo que tem grande potencial
de escalabilidade”, afirma.
“Estou recebendo
ataques apenas pelo fato de ser mulher. São ataques machistas, como os que
dizem que ‘não raspo sovaco’, junto de ataques criminosos que chegam ao ponto
de incentivarem minha morte”, revela Natália Bonavides (PT-RN), deputada
federal e atual candidata à prefeitura de Natal. Sua equipe jurídica monitora
os ataques, denuncia à polícia e aciona a Justiça para derrubá-los, estratégia
fora do alcance de muitas candidatas.
• Hostilidade no Bluesky
A partir de um
levantamento da SimilarWeb, o cientista de dados Henrique Xavier verificou que
os acessos ao X (antigo Twitter) no Brasil caíram 81% após o bloqueio
determinado pelo Superior Tribunal Federal (STF) em setembro de 2024, contra
11% no resto do mundo. Já a rede social Bluesky, uma das principais
concorrentes do X, passou de 747 mil acessos no Brasil em julho para 48 milhões
em setembro de 2024. Um aumento de mais de 6000%. No resto do mundo, a Bluesky
cresceu 31% no mesmo período.
A migração em massa de
usuários do Twitter para o Bluesky gerou dúvidas sobre a capacidade da
plataforma emergente para acomodar tantos novos usuários durante as eleições. A
moderação de conteúdo seria suficiente para conter o ódio? A equipe do MonitorA
analisou 1.206 comentários potencialmente ofensivos, com dados coletados pelo
LABHD-UFBA, e encontrou um cenário de hostilidade. A amostra tinha respostas a
posts de 27 candidatas e candidatos no Bluesky, a maioria de partidos de Centro
e Esquerda.
Os dados mostram que
27% dos ataques foram contra mulheres candidatas, e 15% a candidatos homens.
Sem recorte de gênero, os comentários considerados insultos somaram 33,2%.
Termos como “burra”, “canalha” e “incompetente”, e comentários sexistas, como
“gostosa” e “vadia”, mostram que a retaliação à ascensão das mulheres na
política que extrapola os ambientes conservadores.
A análise mostrou que
18,16% dos ataques direcionados a candidatas foram de ofensa moral e descrédito
intelectual. Para Fernanda K. Martins, diretora de pesquisa do InternetLab e
pesquisadora do MonitorA, “o crescimento de usuários no Bluesky Brasil nos leva
a questionar que tipo de futuro a rede social pode ter, e a pensar em saídas
para conter a ‘twitterização’ do Bluesky”. Ela defende que a redução da
violência política de gênero ‘só será possível com um olhar permanente para
candidaturas e figuras políticas, mesmo depois das eleições’”.
Segundo a cientista
social e pesquisadora do LABHD-UFBA especializada em discurso de ódio Juciane
Pereira de Jesus, o futuro da rede dependerá dos interesses do CEO da
plataforma, Jay Graber. “Para que o Bluesky não se transforme em um ‘Twitter
2.0’ a esperança maior está no surgimento de algum tipo de regulação jurídica e
política que constranja não só o Bluesky, mas todas as plataformas a
respeitarem os preceitos democráticos da lei”.
• Legislação é insuficiente
Na opinião de Maíra
Recchia, do Observatório Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil em São
Paulo (OAB-SP), a legislação brasileira atual não atende à realidade de
violência de gênero na política. Ela entende que a Lei de Violência Política
contra a Mulher é um avanço a celebrar, porque protege candidatas e detentoras
de mandato, mas lembra que outras lideranças políticas atingidas não estão
protegidas. “Assim como acontece na Lei Maria da Penha, precisamos de medidas
protetivas de urgência, para cessar imediatamente a violência”, reivindica,
explicando que muitos processos se estendem por meses e até anos, sem que haja
responsabilização dos agressores.
A Lei de Violência
Política Contra a Mulher aumenta a pena de crimes online, mas não especifica
práticas digitais. Mesmo assim, A cientista política Beatriz Sanchez,
pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e da Rede
de Pesquisas em Feminismos e Política, afirma que a norma é importante por
nomear o problema, evitando a normalização da violência. “A gente tem que
falar. Não podemos promover a cultura do silenciamento”, diz, ressalvando que,
no cenário atual, “nem sempre é vantajoso que as mulheres façam a denúncia”.
Fonte: AzMina
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