Moeda comum do BRICS pode ser concorrente
do dólar e euro, diz deputado guineano
Na Cúpula do BRICS em
Kazan ficou claro que a associação tem boas perspectivas, inclusive na questão
da criação de uma moeda comum, que poderia se tornar concorrente do dólar e do
euro, disse Abdoulaye Kourouma, membro da Assembleia Nacional da Guiné, à Sputnik.
Kourouma ressaltou que
o BRICS junta os países não apenas para se desenvolverem, mas também para
estabelecerem uma moeda única.
Ele acredita que o
dólar dos EUA e o euro, moeda da União Europeia, poderão ter um concorrente na
forma de uma moeda comum do BRICS no futuro.
"Já existem o
dólar e o euro. Se os principais países se unirem para desenvolver algo assim,
acho que é uma possibilidade. É a concorrência que vai definir suas regras. E a
concorrência favorece o mercado. Concordo que deve haver concorrência em todos
os níveis", disse Kourouma.
O parlamentar guineano
observou que novos parceiros do BRICS, como a Turquia, estão demonstrando
interesse na associação.
"Os grandes
países estão batendo na porta. Na minha opinião, ainda é necessário ir à África
e fazer o que as organizações clássicas não foram capazes de fazer."
Ele disse que a
evolução do BRICS e de suas instituições, inclusive o Novo Banco de
Desenvolvimento, chefiado por Dilma Rousseff, vai fazer com que a associação
desempenhe um papel mais importante.
Segundo ele, a 16ª
Cúpula do BRICS em Kazan, que ocorreu de 22 a 24 de outubro, mostrou que a
Rússia não está isolada e está se desenvolvendo apesar da pressão das sanções
ocidentais.
"Esta cúpula está
mais bem organizada do que as eleições nos EUA. O mundo inteiro está aqui.
Estou surpreso, há milhares de jornalistas aqui. [...] A Rússia não está
isolada", afirmou.
Ele acrescentou que as
sanções se tornaram uma boa oportunidade para o desenvolvimento da Rússia.
<><> Cúpula
em Kazan culminou presidência russa
O BRICS é uma
associação interestatal criada em 2006. A Rússia assumiu a presidência do BRICS
em 1º de janeiro de 2024. Em 2025, a presidência vai passar da Rússia para o
Brasil.
O ano começou com a
entrada de novos membros na associação: além da Rússia, Brasil, Índia, China e
África do Sul, o BRICS agora inclui o Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes
Unidos e Arábia Saudita.
A 16ª Cúpula do BRICS
em Kazan, com a participação de representantes de 36 países e seis organizações
internacionais, foi realizada de 22 a 24 de outubro.
O Brasil foi
representado pelo ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira, pois o chefe
de Estado Lula da Silva teve que cancelar sua viagem um dia antes devido a um
acidente doméstico.
A cúpula foi o evento
final da presidência russa da associação, e foi realizada sob o lema de
fortalecer o multilateralismo para o desenvolvimento global equitativo e a
segurança.
¨ Domínio do dólar resiste a moedas alternativas no comércio
global
Em sua participação na
reunião do Brics, na última quarta-feira (23), o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva voltou a defender a adoção de uma moeda comum para uso nas transações
comerciais entre os países do bloco, como alternativa ao quase onipresente e
onipotente dólar.
Não foi o único tema
abordado em seu discurso, transmitido por videoconferência a partir de Brasília
para os líderes nacionais, reunidos em Kazan, na Rússia. Porém, é assunto quase
tão recorrente quanto os demais tratados pelo presidente brasileiro em encontros
desse tipo, como a transição para uma economia menos destrutiva ao meio
ambiente ou a reforma das instituições multilaterais, para citar apenas
dois.
Um dia antes, a
presidente do Banco dos Brics, Dilma Rousseff, havia defendido a mesma proposta
de moeda comum em encontro com o presidente russo Vladimir Putin, anfitrião da
16ª Cúpula dos Brics e líder político do 11º PIB mundial e quarta maior economia
do bloco, atrás de China, Índia e Brasil, nesta ordem. Por sinal, foi Dilma
quem, presidente do Brasil, lançou oficialmente a proposta da então chamada
“moeda dos Brics”, na 6ª Cúpula do bloco, em Fortaleza, no ano de 2014. Na
mesma ocasião, foi criado o banco que ela iria presidir, quase 20 anos
depois.
A proposta de uma
moeda comum, já realizada pela Comunidade Econômica Europeia, ao lançar o euro
no início de 2002, é antiga e periodicamente volta a ser defendida por blocos
internacionais, com o desejo de maior liberdade em relação ao dólar, ainda o mais
poderoso meio de pagamento internacional.
Segundo balanço
do FMI, o dólar, no vintênio 1999-2019, representou 96% das faturas comerciais
nas Américas, 74% na região da Ásia-Pacífico e 79% no resto do mundo.
Há tentativas de
promover outras moedas nas trocas comerciais entre países, como o Sistema de
Pagamentos em Moeda Local (SML), em vigor no Mercosul a partir de 2008, após
acordo entre Brasil e Argentina. Desde então, o SML obteve adesão de mais dois
países, Uruguai e Paraguai.
Porém, a participação
das moedas nacionais nas exportações e importações no Mercosul é tímida. Em
2023, por exemplo, apenas R$ 4,2 bilhões exportados pelo Brasil à Argentina, do
volume total de R$ 16,7 bilhões, foram pagos pelo SML.
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Exemplo do euro
A mais bem-sucedida
moeda alternativa ao dólar no comércio internacional, o euro surgiu, como
ideia, no final dos anos 1960, quando o sistema de trocas era baseado no padrão
ouro-dólar, e os países da Europa ocidental passaram a questionar a hegemonia
estadunidense no fluxo internacional de divisas.
Os europeus começavam
a estruturar o chamado mercado comum, que foi oficialmente instalado em 1º de
julho de 1968, com a abolição das tarifas aduaneiras entre Alemanha, França,
Itália, os Países Baixos, a Bélgica e Luxemburgo, os seis primeiros países a aderir.
Estava criada a Comunidade Econômica Europeia, cujo nome mudaria para União
Europeia em 1993, com o Tratado de Maastricht. A assinatura do tratado foi
decisiva para a adoção de padrões econômicos mínimos por todos os países que
quisessem aderir.
Já a preparação da
nova moeda durou três décadas, até que, em 1999, a União Europeia lançasse sua
divisa comum, até hoje alvo de controvérsias. Um dos personagens que mais se
destaca nas idas-e-vindas é a Inglaterra. O país havia aderido ao bloco em 1973,
mas sem adotar o euro – a libra esterlina permaneceu sempre como sua moeda
nacional –, até que decidisse sair de vez da UE em 2016, com o plebiscito que
ficou conhecido como Brexit.
Atualmente, apesar de
consolidado, o euro não se tornou majoritário nas transações dos próprios
países de sua zona de influência. Em 2023, segundo a agência Eurostat, a moeda
comum foi usada em 51,6% de todas as exportações dos países europeus, ficando o
dólar em segundo lugar, com 31,6%. Outras formas de pagamento responderam pelo
restante. Nas importações, os países da União Europeia usaram o dólar em 50,3%
das compras, ficando o euro com 41,2%.
Recuando algumas
décadas nessa história de disputas, encontra-se a gênese da primazia do dólar
nas transações internacionais.
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Bancor derrotada em Bretton Woods
Sobre os escombros da
2ª Guerra Mundial, que atingiu especialmente a Europa, mas também o restante do
mundo, o debate dos virtuais vitoriosos opôs duas propostas centrais para a
reconstrução, durante a Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944.
Uma dessas propostas,
capitaneada pelo representante da delegação inglesa, John Maynard Keynes,
colocou sobre a mesa a criação de uma moeda internacional, o bancor, com taxa
de câmbio controlada pelo ICU (International Clearing Union), entidade que
deveria ser composta pelos bancos centrais dos países representados,
responsável por registrar e compensar todos os pagamentos internacionais.
Uma das premissas do
bancor era de que a moeda não pertencesse a nenhum país, mas a todos que
aderissem ao bloco, e que a quantidade em posse de cada um deles fosse
compatível a seu volume de comércio internacional. O padrão-ouro, medida que
teoricamente definia o valor das moedas nacionais pela quantidade de ouro que
cada país possuía, deixaria de reger o câmbio internacional.
Já os balanços de
pagamentos nacionais (diferença entre o que se compra e o que se vende), na
visão de Keynes, seriam equilibrados pela oferta de bancor, por parte dos
países com excesso em caixa, em favor daqueles que entrassem em
déficit.
Na memória de Keynes
estavam vivas as consequências impostas pelos vencedores da 1ª Guerra Mundial,
que exigiram dos países derrotados o ressarcimento dos gastos do conflito. Um
dos frutos dessas condições draconianas foi a ascensão do fascismo na Itália e
na Alemanha, fortalecidos por suas propostas autoritárias para reconstruir suas
economias, devastadas por aquela nova derrota pós-guerra.
Outra hipótese para
explicar as motivações de Keynes para propor a criação do bancor era a perda de
hegemonia da libra esterlina, o que dificultava promovê-la a moeda de
referência.
Fim da guerra:
americanos leem as notícias em 1945. Foto: ONU/Lundquist
Ao final, a proposta
vencedora em Bretton Woods foi a apresentada pelos Estados Unidos, já a maior
potência econômica do mundo. O país, cuja principal autoridade à mesa era Harry
White, funcionário do Departamento do Tesouro, propunha a manutenção do padrão-ouro
e que o dólar fosse seu correspondente em papel-moeda. De início, o valor do
dólar era medido em onças de ouro.
Os estadunidenses,
lastreados pelo Fort Knox – depósito onde estariam protegidos os alegados
lingotes de ouro que sustentavam o valor de cada dólar em circulação pelo mundo
– passaram a ter reconhecida, institucionalmente, sua hegemonia sobre as
transações internacionais.
Quem quisesse exportar
ou importar, teria primeiro de trocar suas moedas nacionais por dólares. Em
lugar do ICU proposto por Keynes, surgiu o FMI. Moedas nacionais passariam por
ajustes no câmbio, mas o dólar, como referência internacional, estaria mais
protegido que as outras.
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Mostre o ouro
As décadas seguintes,
em grande parte impulsionadas pelos esforços de reconstrução na Europa, com
forte presença de investimentos públicos e com os Estados Unidos à frente, em
iniciativas como o Plano Marshall, produziram forte crescimento econômico no mundo
ocidental. O período ficaria conhecido como os 30 Anos Gloriosos.
Naquela quadra
histórica, sob a sombra do regime soviético que se apresentava como alternativa
ao capitalismo, países europeus investiram também na construção de políticas
sociais e de distribuição de renda, com forte presença do Estado, no modelo que
passou a ser chamado Estado de Bem-Estar Social.
No final dos anos
1960, os desequilíbrios no comércio internacional, entre países com maior
e menor capacidade exportadora, passaram a ser mais nitidamente sentidos,
inclusive em déficits na balança dos próprios Estados Unidos. A recuperação
econômica na Europa havia consolidado concorrentes de peso no comércio mundial.
No entanto, detentores
da moeda oficial das trocas internacionais, os americanos sustentavam sua
posição, a despeito dos déficits. O dólar continuava forte. Os questionamentos
passaram a se intensificar na década seguinte.
Um episódio marcante
dessa tensão é atribuído ao presidente francês, Charles de Gaulle, que desafiou
os Estados Unidos a mostrar o ouro de Fort Knox.
Apesar de o personagem
ser associado pelos brasileiros à anedota “o Brasil não é um país sério”, frase
atribuída ao velho general, o desafio aos Estados Unidos foi feito de forma
prática: a França passou a comprar lingotes de ouro, supostamente guardados no
Fort Knox, com as reservas de dólar que havia acumulado. A tendência passou a
ser seguida por outros países europeus com dólares em caixa.
Em 1971, atolado na
Guerra do Vietnã e com problemas econômicos domésticos, os Estados Unidos, sob
o presidente Richard Nixon, decidem unilateralmente romper com o padrão-ouro,
desmantelando um dos princípios acordados em Bretton Woods. O dólar fica fragilizado,
mas ainda permanece como meio de pagamento internacional, inclusive por força
de contratos já firmados. Os efeitos práticos e simbólicos da iniciativa
francesa de trocar reservas de dólar por ouro, que colocava em dúvida a
veracidade do lastro que guiava o valor das moedas, desfazem-se no ar.
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Crises do petróleo e dos juros
A partir de 1973,
outra disputa comercial entrou em cena e, embora sem relação direta com o
padrão-dólar, sacudiu as certezas em torno da hegemonia nas transações
internacionais. Os países proprietários das maiores jazidas de petróleo,
reunidos na Opep, reduzem a produção do ouro negro, o que impõe ao mundo uma
crise de grandes proporções. Mais dependentes do petróleo do que atualmente, as
grandes potências sofrem com a escassez e os altos preços dos combustíveis e a
atividade econômica cai bruscamente.
Oito anos depois, Paul
Volcker, então presidente do Federal Reserve – o banco central estadunidense –
adotou medida drástica e tão unilateral quanto o rompimento com o padrão-ouro:
elevou fortemente as taxas de juros nos Estados Unidos, como forma de tentar
conter a inflação e atrair especuladores interessados em papéis do governo.
Entre outros resultados, a medida valorizou o dólar. O princípio de busca
de controle internacional do câmbio ia, assim, para o espaço.
A medida produziu
também sofrimento nos países que haviam contraído empréstimos junto aos Estados
Unidos. O choque de juros fez explodir os valores das dívidas dolarizadas. O
Brasil foi um dos prejudicados, entrando em fase marcada pela chamada crise da dívida.
Era a passagem para os anos 1980 e a ditadura militar brasileira caminhava para
seu desfecho. E a imagem do dólar ganhou tonalidades mais fortes de vilão
internacional junto a setores da opinião pública.
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Reservas
No século 21, a moeda
estadunidense continua estendendo seus tentáculos no xadrez político mundial.
Há casos extremos, como o da Argentina, refém da dolarização de sua economia,
em diferentes graus de abrangência, desde os anos 1980. Com Javier Millei, o
país tem aprofundado esse modelo, defendido como alternativa à inflação e
adotado gradativamente pelo atual presidente, desde sua posse.
Lá, tentativas de
fugir a um certo ‘padrão-dólar’ fizeram surgir recentemente moedas locais, como
o chacho, na província de La Rioja. Vítima da interrupção dos repasses do
governo central, o governador implementou o atual meio de pagamentos. As novas
moedas recebidas pelos comerciantes são resgatadas junto ao próprio executivo
local, ao câmbio de 1,17 peso argentino por cada chacho.
No Brasil, nos anos
1990, o Plano Real inicialmente atrelava o valor de sua nova moeda ao dólar.
Atualmente, uma das manifestações mais incisivas da presença da moeda
norte-americana se dá nas reservas internacionais de US$ 350 bilhões, espécie
de “colchão monetário” que protege o País de oscilações externas e de ataques
especulativos. As reservas são objeto de elogios do presidente Lula e do
ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
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Menos dependência
A possibilidade de
formar reservas em outras moedas, diminuindo a dependência do dólar, é a
principal razão para que países ou blocos de países planejem a criação de novos
meios de pagamento. Essa substituição não redundará em menos gastos nas
transações de importação e exportação. Atualmente, operações em dólar são menos
dispendiosas, ao contrário do que pode parecer.
Segundo a Secretaria
de Comércio Exterior (Secex), ligada ao Ministério do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o custo em dólar costuma ser mais baixo
por diversas regras de mercado, como a obrigatoriedade de fazer múltiplas
conversões, caso se opte pelo uso de outra moeda, e despesas bancárias mais
altas.
“O objetivo principal
não é a redução de custos das operações, mas a redução da dependência monetária
em relação ao dólar, e o aumento da capacidade de financiamento em moeda
nacional”, diz o economista Pedro Rossi, professor livre-docente do Instituto de
Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) e vice-presidente do Global Fund
For a New Economy.
“Hoje, os países são
muito suscetíveis às flutuações do dólar, à própria política monetária
americana. Precisam carregar reservas na moeda americana, o que caracteriza uma
assimetria monetária no sistema global. O objetivo de adotar um sistema de
pagamento alternativo é reduzir essa assimetria”, completa Rossi, autor do
recém-lançado livro “Brasil em Disputa – Uma nova história da economia
brasileira” (Editora Planeta).
Mesmo diante da
importância estratégica, a consolidação de moedas alternativas, mesmo quando
bem-sucedida – como no caso do euro –, parece lenta. E é, porque a criação da
moeda é mais simples que inseri-la, de fato, como meio de pagamento
internacional ou em blocos comerciais.
“A adoção de uma moeda
única é bem diferente da adoção de um sistema de pagamento específico, de uma
câmara de compensação que processa créditos e débitos entre moedas nacionais. A
moeda única, tal como o euro, é difícil de sustentar quando não há uma união
fiscal entre os países”, explica o professor, em entrevista à Agência Gov.
“O caso da Europa
mostra isso bem: há uma união monetária, mas não fiscal, e isso gera tensão
entre os países. E os países não emitem suas próprias moedas, e por isso não
dispõem de mecanismos macroeconômicos, como a possibilidade de desvalorização
cambial, ou a possibilidade de financiamento em suas próprias moedas. Eles
perdem autonomia macroeconômica. O mesmo vale para o Mercosul. Eu não vejo
possibilidade de o bloco adotar uma moeda única, pois são países com suas
especificidades”, diz ainda. “Mas eu vejo possibilidade no sentido de comércio
em moeda local, como já existe ente Brasil e Argentina. São iniciativas que
economizam dólar”, completa.
É preciso recordar que
os Estados Unidos, ao contrário dos demais, têm seu próprio sistema para emitir
dólares, uma outra razão para a predominância de sua moeda.
Fonte: Sputnik
Brasil/Agencia GOV
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