Os processos contra empresas de Pablo
Marçal: 'Trabalho de domingo a domingo'
Um vigia de 41 anos
acusa empresas do candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) de
empregá-lo sem carteira assinada nem direitos trabalhistas, sem folgas por até
quinze dias seguidos nem pagamento de horas extras. Ele pede R$ 178,4 mil em indenização.
Um eletricista diz ter
trabalhado 15 dias sem folga e ainda ter tido uma redução salarial.
Em outro caso, um
pintor alega ter sofrido um acidente em um carrinho de golfe junto do próprio
Pablo Marçal, durante o trabalho, mas diz que não teve seus direitos
trabalhistas reconhecidos.
Esses são apenas
alguns exemplos dentre vários processos trabalhistas que tramitam ou tramitaram
na Justiça contra empresas do candidato.
Marçal enfrenta uma
disputa acirrada pela Prefeitura de São Paulo com o atual ocupante do cargo,
Ricardo Nunes (MDB), e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL).
Ele apareceu em
terceiro lugar na pesquisa de intenção de voto do Datafolha divulgada na
quinta-feira (19/9), com 19%. Está atrás de Nunes (27%) e Boulos (26%).
Já a pesquisa da
Quaest divulgada na quarta-feira (18/9) mostrou Nunes (24%), Boulos (23%) e
Marçal (20%) empatados dentro da margem de erro.
Por sua vez,
levantamento da Atlas mostra Boulos à frente (28%), Marçal logo atrás (24,4%) e
Nunes em terceiro (20,1%).
A BBC News Brasil
identificou 12 ações trabalhistas contra empresas em que Marçal ou sua holding
(dividida com sua mulher) aparece como sócio.
Dessas, sete
resultaram em pagamento de algum tipo de indenização e duas estão pendentes de
julgamento.
Uma reportagem
publicada pelo jornal Folha de São Paulo também citou diversos processos contra
empresas do candidato.
O principal alvo de
ações é a Resort Digital, mas é comum que outras empresas, como a Fazenda
Toscana e a Marçal Participações, sejam citadas nos mesmos processos.
Em alguns casos, um
mesmo funcionário diz ter trabalhado para várias empresas do grupo.
Entre outros pontos,
os ex-funcionários acusaram as empresas de violarem direitos trabalhistas, como
contratar sem registro na carteira de trabalho ou outro tipo de acordo formal,
impor jornadas de duas semanas seguidas com apenas uma folga, não pagar de
horas extras e morar no mesmo local de trabalho sem expediente definido.
Marçal fez fama como
coach e influenciador digital oferecendo uma mistura de treinamentos de
inteligência emocional e marketing digital.
O candidato coleciona
dezenas de milhões de seguidores em suas redes sociais — e também muitas
polêmicas.
Em um de seus cursos
motivacionais, por exemplo, ele levou seguidores ao Pico dos Marins, na Serra
da Mantiqueira, no Estado de São Paulo. O grupo precisou ser resgatado pelo
Corpo de Bombeiros, depois de enfrentar chuva e ventania.
Mais recentemente,
nesta eleição, em que se lançou candidato pelo nanico PRTB, sigla sem
representação no Congresso, Marçal teve suas redes sociais suspensas pela
Justiça por pagar apoiadores para divulgar vídeos seus, culpou a rival Tábata
Amaral (PDT) pela morte do próprio pai e foi associado por concorrentes à
facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC (o que ele nega).
Em uma discussão com o
candidato José Luiz Datena (PSDB) em um debate recente, na qual provocou o
apresentador recordando uma acusação de abuso contra Datena (que nega) e
dizendo que o adversário não teria coragem de agredí-lo como havia prometido,
Marçal acabou sendo alvo de uma cadeirada disparada pelo candidato do PSDB.
Marçal também se
apresenta como um símbolo de prosperidade e empresário de sucesso.
Declarou ao Tribunal
Superior Eleitoral um patrimônio de R$ 169 milhões — o maior dentre todos os
candidatos do pleito em São Paulo.
A lista de bens inclui
participação em variedade de negócios, que vão de consultoria a hotéis, além de
aplicações e investimentos.
Ele e sua holding
figuram como sócio ou administrador de pelo menos 26 empresas, número que pode
ser maior se considerados os CNPJs que estão no guarda-chuva dessas empresas.
Várias estão em nome
da Marcal Holding Ltda., cujo capital social é dividido entre Marçal e sua
mulher. O levantamento foi feito pela BBC News Brasil com uso da plataforma
Cruzagrafos.
Ao longo de duas
semanas, a reportagem pediu entrevista para a assessoria de Marçal e advogados
que respondem pelas suas empresas para comentar os casos identificados, mas não
obteve resposta até a publicação do texto.
Em uma entrevista à
Jovem Pan, um jornalista questionou Marçal sobre um tema semelhante — a
totalidade de processos de suas empresas na Justiça, que também envolvem
reclamações de consumidores.
"Você imagina um
grupo multibilionário só com cem processos", retrucou Marçal.
"Geralmente, quem
tem um grupo do meu tamanho, a envergadura das nossas companhias, tem é 5 mil
[processos]. A gente tem muito pouco processo.”
• ‘Trabalho de domingo a domingo’
O processo do ex-vigia
citado no início desta reportagem tramita no Tribunal Regional do Trabalho da
15ª Região.
O funcionário alega
que foi contratado em março de 2023 por diversas empresas do grupo de Marçal,
que incluem a Marçal Participações Ltda., Plataforma Digital de Desenvolvimento
Humano Ltda. e Fazenda Toscana Ltda..
Entre suas funções,
estariam a compra de mercadorias, levar funcionários ao local de trabalho e
orientar a entrada e saída de pessoas, recebendo correspondências e atendendo
ligações telefônicas.
Para receber o
pagamento, o ex-funcionário diz que emitia notas fiscais no nome de um CNPJ da
sua irmã — as notas fiscais foram anexadas ao processo.
O ex-funcionário
afirma que trabalhou para as empresas até 12 de dezembro do ano passado, quando
foi demitido sem justa causa, "sem ter sua CTPS (carteira de trabalho)
assinada, bem como não lhe foram pagas as verbas rescisórias, horas extras,
horas sobreaviso e adicional noturno", segundo o processo.
O ex-vigia diz que
trabalhava de domingo a domingo e em diversos feriados, sem receber a mais por
isso, e que só eram concedidos a ele dois dias de folga a cada 15 dias
trabalhados.
Disse ainda que
trabalhava das 7h às 18h e que residia no local de trabalho, ficando de
sobreaviso para assumir a portaria a qualquer momento em que fosse acionado.
Para sua defesa, isto
o "inviabilizava de assumir quaisquer compromissos, em clara restrição à
liberdade do trabalhador".
O caso, apresentado em
junho deste ano, ainda não foi julgado, e a juíza do trabalho substituta
Christina Feuerharmel marcou uma audiência para tentativa de conciliação.
As empresas ainda não
tinham apresentado uma defesa no momento em que a BBC News Brasil acessou os
processos, no início de setembro.
A reportagem contatou
as empresas para que elas pudessem se manifestar, mas não recebeu resposta até
a publicação desta reportagem.
A decisão dependerá,
dentre outros fatores, de a Justiça reconhecer se houve vínculo trabalhista no
período em que o ex-vigia prestou serviço para as empresas.
"Para que o
trabalhador tenha direito ao reconhecimento de sua condição como empregado, ele
precisa preencher alguns requisitos", explica à BBC News Brasil Paulo
Renato Fernandes, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio.
"Basicamente são
quatro: tem que trabalhar de forma pessoal, de forma não eventual, de forma
onerosa (recebendo salário) e de forma subordinada."
• Eletricista trabalhava por quinze dias
seguidos e teve redução salarial
Em outro caso, um
eletricista foi contratado em dezembro de 2020 em uma emprestava que prestava
serviços para o resort de Marçal, por um salário de R$ 4 mil.
Em sete meses, ele
conta que trabalhou para pelo menos três empregadores diferentes, mas sempre no
mesmo lugar, fazendo a mesma coisa.
Nesse período, teve o
pagamento reduzido para R$ 2,5 mil, ainda que, segundo ele, continuasse com as
mesmas atribuições, até sua dispensa, em junho de 2021.
O eletricista diz
ainda que trabalhava quinze dias seguidos para só então ganhar uma folga no fim
de semana.
A Resort Digital não
se defendeu da ação, que também era direcionada a outra empresa que o
subcontratou e admitiu que ele trabalhava no local, mas que seria de forma
esporádica.
Esses argumentos não
foram aceitos pela juíza Francina Nunes da Costa, que reconheceu, no mesmo ano,
que havia vínculo de trabalho, e determinou a assinatura da carteira.
Para ela, o molde de
contratação visou "fraude e desvirtuamento de preceitos
trabalhistas".
• Gestor de fazenda foi expulso à noite
com esposa e filhos
Um terceiro caso foi
amplamente explorado pelo candidato Guilherme Boulos em suas redes sociais em
críticas a Marçal.
Um ex-funcionário de
uma empresa de Marçal diz que já se passava das 21h quando ele foi chamado por
seu chefe.
O homem, que
trabalhava como gestor e porteiro para o Resort Digital, foi acusado de ter
supostamente praticado "atos ilegais", o que ele negou.
O funcionário foi
então informado que teria que pegara esposa, os filhos (entre eles, um bebê), e
deixar o resort imediatamente.
O homem tentou
argumentar que não tinha para onde ir, mas, segundo seu relato, "de nada
adiantou".
O ex-funcionário da
empresa de Marçal diz que começou a contrair dívidas depois de seus chefes
prometeram que ele poderia iniciar seu negócio próprio no resort, incluindo a
criação de uma cozinha industrial para fazer marmitas e até uma oficina
mecânica.
Segundo a defesa do
ex-funcionário, "tais promessas nunca foram cumpridas por parte do Resort
Digital, tão somente impulsionando o autor a adquirir equipamentos que seriam
utilizados na montagem do ora antes prometido".
Na ação que moveu
contra a empresa, o ex-funcionário disse que não teve direitos trabalhistas
garantidos, morava na fazenda e não cumpria horário específico para entrar no
trabalho, sem horários definidos de entrada e saída.
A empresa de Marçal
não se manifestou até a decisão da juíza Michele do Amaral, que determinou o
pagamento dos direitos trabalhistas.
A empresa entrou com
um recurso alegando falta de provas para comprovar as alegações do funcionário,
que foi indeferido.
• ‘Acidente em carrinho de golfe, ao lado
de Marçal’
Um episódio recente,
de maio deste ano, também corre na Justiça.
Um pintor diz que
teria pegado uma carona em uma madrugada com o próprio Marçal, em um carrinho
de golfe, em estrada de terra, para chegar a uma obra.
O carrinho teria
tombado no trajeto, e o peso do veículo teria ficado em cima de seu braço,
causando supostos danos nos nervos e o impedido de continuar trabalhando para a
empresa.
No processo, foram
anexados relatórios médicos para reforçar as alegações.
O pintor conta que, ao
ser afastado, continuou recebendo salário da empresa e tratamento médico.
Mas o ex-funcionário
alega que não teve direitos trabalhistas respeitados, a começar porque não
tinha registro em carteira de trabalho e não contribuía para o INSS, dentre
outras supostas irregularidades, como falta de pagamento de décimo terceiro
salário.
Na ação, as empresas
ainda haviam apresentado sua defesa até o momento em que a reportagem acessou
os autos, no início de setembro.
O caso ainda não foi a
julgamento.
• Jardineiro e auxiliar de limpeza
reclamam de ambiente 'insalubre'
Em dois processos,
movidos por pessoas diferentes e empresas diferentes, empresas do candidato são
acusadas por trabalhadores de terem sido submetidos a condições insalubres, sem
nenhum pagamento a mais por isso e sem equipamento adequado.
Um jardineiro que
trabalhou para o Resort Digital em 2021 afirmou à Justiça que foi obrigado a
trabalhar com diversos produtos químicos, venenos, agrotóxicos, gasolina,
diesel e que também ficava em um ambiente de muito ruído, calor, pó, dentre
outros problemas.
Isso porque, segundo
ele, a empresa começou a lhe dar mais funções do que as de jardineiro, como
manutenção de cozinha, tratorista e manutenção de máquinas.
Um laudo técnico feito
a pedido da Justiça confirmou parcialmente essa situação.
Com o depoimento do
funcionário e do perito, o juiz reconheceu parcialmente as demandas e
determinou os pagamentos devidos.
A empresa discordou
das conclusões da perícia em um recurso e afirmou que havia falta de provas do
trabalhador, mas não conseguiu reverter a decisão.
Em outro caso, uma
auxiliar de limpeza que trabalhou para a Marçal Participações Ltda disse que
limpava banheiros em que circulavam cerca de cem pessoas por dia.
Um entendimento do
Tribunal Superior do Trabalho acabou pautando a decisão da Justiça neste caso
de que trabalhadores que fazem a limpeza de banheiros públicos de grande
circulação de pessoas devem receber o chamado adicional de insalubridade.
• Candidato provocou com carteira de
trabalho em debate na TV
Marçal, que possui
dezenas de milhões de seguidores em suas redes sociais, ganhou ainda mais
projeção digital no início da campanha ao apontar uma carteira de trabalho ao
adversário Guilherme Boulos, do PSOL, durante um debate de TV com os outros
candidatos, dizendo que iria "exorcizá-lo" com o objeto e alegando
que Boulos nunca teria trabalhado.
"Eu vou exorcizar
o demônio com a carteira de trabalho, que nunca trabalhou, um grande vabagundo
nessa nação. Aceito sim exorcizar. Você nunca vai ser prefeito de São Paulo
enquanto tiver homem aqui nessa cidade", disse ele.
Antes, Boulos havia
dito que Marçal era o "Padre Kelmon" dessas eleições, em referência a
um candidato que disputou a presidência da República em 2022, pelo PTB.
"Você veio para tumultuar, você é uma caricatura", disse Boulos.
Para se ter uma ideia
do alcance, o nome de Marçal naquela semana foi mais buscado na internet do que
de todos os seus adversários e até mesmo do que nomes como o do presidente Luiz
Inácio Lula dea Silva (PT) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PSL), segundo
dados do Google Trends — e um dos assuntos mais comuns dessas buscas era
justamente o tema da carteira de trabalho.
Em resposta a esta
provocação, Boulos apresentou, em vídeo, a história de uma condenação
trabalhista envolvendo o Resort Digital, empresa de Marçal, relacionada à falta
de assinatura de carteira de trabalho e desrespeito a direitos trabalhistas —
um dos processos mencionados nesta reportagem.
Líderes nas pesquisas
enfrentam acusações de desvios, agressão e omissão em caso de rachadinha
Os outros dois
candidatos à frente das pesquisas, Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, também já
foram alvos de acusações e processos.
O prefeito e candidato
à reeleição Ricardo Nunes, do MDB, é alvo de críticas principalmente em relação
a dois casos: um deles é um boletim de ocorrência registrado pela atual esposa
por ameaça e violência, em 2011, que ele diz ser forjado.
A esposa do político
também recuou da denúncia e chegou a defender o marido em um dos debates.
O outro caso é um
esquema que ficou conhecido como "máfia das creches", suposto desvio
de recursos destinados para atender crianças na capital paulista.
De acordo com a
Polícia Federal, organizações que geriam creches na cidade teriam desviado R$
14 milhões no governo Bruno Covas, quando Nunes era vice.
O jornal Folha de São
Paulo diz que uma das empresas investigadas repassou dinheiro a Nunes e à
empresa da família dele, em 2018. Ao Programa Roda Viva, da TV Cultura, ele
negou as acusações.
"Na minha
história toda, 30 anos em que eu atuo na política como filiado, vereador,
presidente de diretório, vice-prefeito, prefeito, nunca tive indiciamento,
nunca tive condenação e eu nunca vou ter, porque minha vida é limpa, é correta.
Eu combato corrupção", disse aos jornalistas, na ocasião.
Já o candidato
Guilherme Boulos, do PSOL, enfrenta críticas por já ter sido detido pela
Polícia Militar durante o período em que esteve à frente do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Criado em 1997, o MTST
diz, em seu site, ter como principal missão a garantia de direito
constitucional à moradia digna, e é alvo de críticas por seus métodos, que
incluem ocupação de imóveis privados.
O Ministério Público
paulista já acusou Boulos por dano ao patrimônio, mas o processo prescreveu sem
punições.
Outro episódio que tem
sido citado recorrentemente, tanto por opositores quanto pela imprensa, é o de
um parecer emitido por Boulos propondo o arquivamento da cassação do deputado
federal André Janones por suspeita da prática de "rachadinha" (quando
uma figura publica pede a funcionários que lhe devolvam parte de seus salários,
de forma ilegal).
Boulos era o relator
do caso no Conselho de Ética da Câmara.
O candidato do PSOL
tem dito em suas entrevistas que considera que rachadinha é crime,
independentemente de quem o fizer, mas que o que estava em jogo no Conselho de
Ética seria uma tentativa de adversários de linchar o deputado.
"Os deputados que
quebraram tudo no 8 de janeiro [quando apoiadores de Jair Bolsonaro invadiram a
praça dos três poderes e destruiu símbolos da República], que estimularam, que
gravaram vídeo na rede social apoiando ato golpista, não foram sequer julgados
pelo Conselho de Ética, sob o argumento de que isso aconteceu antes da atual
legislatura, foi 15 dias antes", disse ele à CNN Brasil.
"O fato de que
Janones é acusado aconteceu no mínimo três anos antes da atual legislatura.
Então você não pode ter um critério para um e outro para outro caso porque é de
um campo político diferente."
Fonte: BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário