Salvar o clima para construir outro Brasil
As queimadas, cuja
fumaça só poupou uma capital brasileira, Teresina, e as enchentes, que
destruíram boa parte da região de Porto Alegre, estão mostrando, nesse ano de
2024, que as mudanças climáticas já se tornaram um grande problema para o povo
brasileiro e caminham para se tornar o maior desafio já enfrentado pelo Brasil.
Elas conectam diretamente as grandes cidades do país, onde vive a imensa
maioria da população, 85% dela urbana, à necessidade de preservação do Cerrado,
do Pantanal e da Amazônia.
97% dos brasileiros
aceitam que as mudanças climáticas existem e 78% avaliam que elas têm causas
humanas, um dos maiores índices do mundo. Talvez isso seja resultado de um
aprendizado prático nas condições de existência: 5.233 municípios brasileiros
(94% do total de 5.565) tiveram emergência ou calamidade decretadas entre 2013
e 2023, principalmente por chuvas e cheias torrenciais, deslizamentos ou secas
prolongadas. Mas quando perguntadas sobre quem são responsáveis, a maioria das
pessoas responde com termos genéricos como “os homens” ou “os seres humanos”.
Porém, diferente de muitos outros países, onde as consequências do aquecimento
global parecem resultado de processos sistêmicos mais distantes (principalmente
pelo uso dos combustíveis fósseis), no Brasil temos uma interação entre os
biomas e o clima (e um monitoramento por satélite dos incêndios) que nos
permite obter o CPF e o RG dos grandes interessados e responsáveis pelos
incêndios.
·
Temos o CPF e o RG dos
responsáveis
São os ruralistas, o
segmento da classe capitalista vinculado ao controle de terras, um grupo
numericamente insignificante da população, mas que vertebra o poder no país.
Eles lidam com os territórios que conquistam como enxames de gafanhotos em
guerra contra a terra, explorando-a até esgotar sua capacidade produtiva e
depois se deslocando para outras regiões onde reproduzem o mesmo processo. Eles
vertebram o bloco social de raízes agrárias que dominou com mão de ferro o
Brasil até 1930, quando foram então parcialmente deslocado do centro do Estado,
mas voltaram a controlar o poder depois de 1990, desindustrializando o país e
voltando a colocá-lo no mundo, em grande medida, como uma grande fazenda.
Os ruralistas estão
articulados com o setor financeiro e são coadjuvados, na predação dos
territórios e do clima, pelos envolvidos em setores como a produção e uso de
combustíveis fósseis, a mineração e por seus representantes políticos, agentes
ideológicos e gestores estatais. Como proprietários ausentes, alimentam, nas
grandes cidades, booms imobiliários especulativos, que desfiguram o tecido
urbano. Aliados com pastores neopentecostais, vertebram a vaga neofascista que
vive o país.
A classe dominante
agrária se estabeleceu no Brasil com base no escravismo e no controle do acesso
à terra (formalizado pela Lei de Terras de 1850), depois em formas diversas de
trabalho compulsório, para finalmente adotar o assalariamento, mantendo sempre
a violência para o controle social. Ainda hoje são comuns as denúncias de uso
de trabalho similar ao escravo. Seu outro alicerce foi e é a predação
ambiental. Observamos isso quando olhamos para a Mata Atlântica, que ocupava
1,3 milhões de quilômetros quadrados (15% do território) e da qual restam hoje
fragmentos, boa parte destruída pelo já no século XX. A agropecuária hoje
repete o processo no Cerrado, na Amazônia e no Pantanal.
O ruralismo produtor
de commodities (soja, cana, carne, café) repõe, a cada momento histórico, o que
Caio Prado chamou de “o sentido da colonização”, produzindo riquezas para o
mercado mundial às custas do saque interno da natureza e do trabalho humano. Isso
se distingue da agricultura produtora de comida, voltada para o mercado
interno, quase toda produzida pelo campesinato e pela agricultura familiar,
ambientalmente muito mais responsável. As commodities são parte da alimentação
apenas indiretamente, fornecendo insumos para a “junkie food” ultraprocessada.
A pecuária tem, nessa cadeia, a particularidade de ser também o principal
mecanismo de grilagem de terras e vetor de desmatamento no Bioma Amazônico,
para onde se desloca a fronteira agrícola.
A agropecuária
produtora de commodities destroi imensas parcelas do
território tão somente em benefício próprio, tendo sempre se oposto à
construção nacional. É por responsabilidade dela que, ao contrário do discurso
vigente, o Brasil não é uma vítima detentora de uma dívida climática para com o
Norte. Esse discurso só leva em conta as emissões industriais; somos, ao
contrário, o quarto maior emissor acumulado de carbono depois de 1850 devido ao
desmatamento – atrás apenas dos EUA, da China e da Rússia, segundo o
levantamento da Carbon Brief. Ou alguém acha que a destruição da
enorme Mata Atlântica, do Cerrado e de parte da Amazônia pelo ruralismo
brasileiro não jogou e continua jogando bilhões de toneladas de carbono na
atmosfera; ou que o rebanho bovino brasileiro, maior que a população do país,
não constitui um passivo ambiental gigantesco? Se tomarmos a sério a dinâmica
do colapso ambiental em curso, o ruralismo brasileiro é, junto com os
produtores de petróleo e carvão, um dos vilões maiores do clima do planeta, um
dos grandes inimigos da humanidade.
·
A dinâmica
global-local da emergência climática
O aquecimento global
evidenciou, desde junho de 2023, um salto de qualidade, produzindo
consequências por todas as partes do planeta. Uma boa síntese das conclusões
dos cientistas tem sido apresentada por Johan Rockstrom em suas conferências
recentes, como em “Os pontos de virada da mudança climática – e onde estamos” (disponível com legendas em português). O aquecimento global
está se acelerando: de 0,18° por década passou, depois de 2010,
para 0,26° por década. Vamos, certamente, ultrapassar o aquecimento
de 2° acima da temperatura pré-industrial antes de 2050, talvez
atingindo 2.5°. Entre nós, Carlos Nobre tem reproduzido o mesmo diagnóstico. A grande aceleração capitalista extrapolou as fronteiras
naturais do planeta e aponta para a ruptura, nos próximos anos, de vários
“tipping points” decisivos do Sistema Terra. A crise da civilização capitalista
ganha contornos dramáticos: guerras, crise social, deslocamentos de população e
fascismo acompanham o colapso climático, inclusive a possibilidade de colapso
da Amazônia O destino da Floresta Amazônica, que as pesquisas de Luciana Gatti
mostra que está se tornando uma emissora de carbono, é uma questão candente
para toda a humanidade.
O clima perdeu a
estabilidade relativa que teve nos últimos dez mil anos (o período Holoceno).
Tornou-se, no Antropoceno, o resultado da disputa entre a destrutividade do
capitalismo extrativista e fossilista, que ameaça a biosfera do planeta, e as
forças sociais que buscam uma alternativa que hoje não pode deixar de ser
qualificada como ecossocialista. É, cada vez mais, o vetor resultante da luta
civilizatória da vida contra a morte, travada pelos povos sempre no terreno
local, mas que se projeta no espaço nacional e global. Não há hierarquias
rígidas e, embora alguns territórios sejam decisivos para toda a humanidade
(como, no nosso caso, a Floresta Amazônica) ou para um país (como o Cerrado, a
caixa d’água do Brasil, e o Pantanal, fonte de biodiversidade única), as
escalas são muito variáveis, dependendo das condições ecológico-territoriais,
sócio-econômicas e políticas. Um programa ecossocial tem que envolver múltiplos
atores e situações, alianças e encadeamentos de transição.
O problema não está
apenas no campo, mas também nas cidades, que estão se transformando em ilhas de
calor infernais. O expansionismo do setor imobiliário nas cidades intensifica o
calor, destroi as áreas verdes e recusa toda ideia de esponjas urbanas. Uma
cidade como São Paulo é de 5 a 10 graus mais quente que as regiões de vegetação
da Mata Atlântica remanescente ao redor. Os grandes empreendimentos
imobiliários são a contrapartida urbana da irresponsabilidade do agronegócio no
campo.
O engajamento na
disputa política se dá, assim, em múltiplas dimensões, inclusive a global. As
cláusulas ambientais no comércio internacional são um instrumento de pressão
imprescindível contra o comportamento criminoso de inúmeros setores econômicos.
A pecuária brasileiro é exemplar de um setor que precisa ser enquadrado por
estruturas políticas muito mais fortes que as do governo brasileiro. Ela não
aceita rastrear a origem do gado cuja carne é exportada porque grande parte
dele é criado ilegalmente na Amazônia desmatada e depois levado para estados de
outras regiões para abate. A União Europeia está implementando, a partir de
2025, uma lei contra o desmatamento que afetará as importações de commodities
como carne e soja – as mais destrutivas para o meio ambiente brasileiro.
Segundo o Itamaraty e o Ministério da Agricultura, que protestam contra a
legislação junto às autoridades europeias, ela deve afetar 30% das exportações
do setor para a Europa. Por outro lado, o Observatório do Clima defendeu, corretamente,
que a Europa inicie a fiscalização já no início do próximo ano. É só o início
de uma pressão que todos nós devemos procurar fazer crescer de forma
exponencial.
·
Construir as alianças,
focalizar o inimigo, aproveitar as oportunidades
As queimadas atuais
têm um forte componente de incêndios criminosos por parte do agronegócio. Como
afirma Luciana Gatti, a
Floresta Amazônica está sendo assassinada e
sabemos por quem. Os focos de incêndio no Pantanal e nos canaviais paulistas
também têm CPF e RG. Desde a promulgação do Novo Código Florestal sob o governo
Dilma, em 2012, assistimos uma ofensiva crescente do setor contra todos os
mecanismos de limitação de suas atividades e proteção da natureza. Do uso de
todo tipo de agrotóxico banido na Europa à atual ofensiva de flexibilização da
legislação que conseguimos manter, passando pela porteira para a boiada de
Salles e Bolsonaro, a maioria venal do Congresso é uma máquina para referendar
a destruição dos biomas brasileiros.
Como afirma Luiz
Marques em uma recente entrevista ao site O joio e o trigo, “O agronegócio é o grande problema do Brasil. Se ele não for
extirpado, o Brasil não tem a mais remota chance de viabilidade como sociedade
e como natureza. É uma atividade social basicamente criminosa e predadora. E
eles controlam o Congresso Nacional por meio da frente parlamentar da
agropecuária e têm como aliados, inclusive, as bancadas da Bíblia e da bala.
Então, o Brasil está numa situação muito clara: ou nós reagimos a isso, com uma
ruptura muito vigorosa em relação a esse processo ou nós não temos nenhuma
chance de sobrevivência como sociedade”.
Isso pode parecer uma
missão impossível. Mas quem, vendo o Brasil no ano de 1928, imaginaria que,
cinco anos depois, a oligarquia cafeeira teria sido derrubada do poder no
estado central? Como lembra Chico de Oliveira no seu Ornitorrinco,
a possibilidade de mudanças estruturais nas sociedades da periferia está
diretamente ligada a cenários de crise geral do sistema internacional, que
possam ser aproveitadas por atores políticos internos bem posicionados.
Deixamos para trás a globalização vigorosa e entramos em uma fase de disputas
interimperialistas que estão fragmentando o mercado mundial e produzindo uma
certa desglobalização, que só tende a se aprofundar. O mundo vai ficar um
ambiente cada vez mais hostil em todos os sentidos possíveis nos próximos anos.
O projeto do
agronegócio brasileiro é vulnerável, de uma parte, por ser ambientalmente
suicida em um mundo onde as condições de sustentabilidade se tornarão condições
de sobrevivência de uma sociedade. Mas também é vulnerável porque reitera a
velha dependência livrecambista dos ciclos de commodities da economia mundial,
que retiram todas as condições do Brasil resistir às flutuações da economia
mundial em um mundo cada vez mais instável. O que faz Lula senão aprofundar
estas vulnerabilidades? Como afirma Liszt Vieira, “de
pouco adianta um Ministério do Meio Ambiente que não pode impedir a degradação
ambiental provocada, por exemplo, pelo Ministério da Agricultura bancando o
agronegócio que desmata florestas, pelo Ministério do Transporte bancando a
pavimentação da BR-319 que vai devastar a Amazônia e pelo Ministério da
Energia, bancando a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas”.
Na medida em que se
torna cada vez mais parasitário e destroi suas próprias condições de
existência, o agro também se revela cada vez mais destrutivo para a vida da
maioria da população brasileira. Podemos resumir a dinâmica dizendo que ou o
Brasil acaba com o ruralismo ou o ruralismo acaba com o Brasil. Quem poderá
fazer frente a essa tarefa? Uma esquerda distinta da que existe hoje,
paralisada frente ao agro. Como lembra E.P.Thompson, as classes se formam na
luta de classes.
Um forte movimento
pelo clima no Brasil será um movimento por uma transição ecossocial no país, organizada desde os atores populares, capaz de enfrentar os
responsáveis nacionais pela predação da natureza e lutar pela restauração dos
biomas florestais. A alternativa para o Brasil será criada na luta política por
outra economia, por outra sociedade, por outro metabolismo com a natureza.
¨ Seca: capital da Colômbia intensifica racionamento de água após
2 anos sem chuvas significativas
Após uma longa seca e
a queda nos níveis dos reservatórios urbanos, o governo de Bogotá precisou
retomar o racionamento do consumo de água, com proibições e multas pelo uso. A
capital colombiana se prepara para restrições ainda mais rigorosas diante da seca,
informou o prefeito Carlos Galán.
"A partir de 29
de setembro a cidade terá novamente restrições diárias de água, em dez turnos,
que foram inicialmente estabelecidas em 11 de abril. Estamos voltando ao
esquema que estava em vigor de abril a junho deste ano", disse Galán, em
uma transmissão nas redes sociais do governo municipal.
Segundo o prefeito, a
situação do abastecimento de água potável na capital se agrava após dois anos
secos durante a estação chuvosa. As medidas restritivas adotadas pelas
autoridades municipais não permitem aumentar o nível do reservatório de
Chingaza e apenas reduzem a velocidade da sua queda.
"O dia zero
ocorrerá quando o sistema de Chingaza atingir 36%. Atualmente, está em 45,4%.
Então, teremos que adotar medidas ainda mais restritivas e voltar à tendência
de redução do consumo de água em Bogotá", acrescentou Galán.
Além do racionamento,
o governo de Bogotá, segundo Galán, planeja emitir um decreto que incluirá
proibições no uso de água potável e sanções. Entre as proibições está o uso de
água encanada para lavar fachadas, estacionamentos e veículos.
¨ Seria a energia geotérmica a solução para os apagões que assolam
o Equador? Especialista responde
O governo equatoriano
aposta na energia geotérmica – que utiliza o calor subterrâneo – para resolver
a crise energética que provoca apagões massivos.
Em entrevista à
Sputnik, o especialista Jorge Luis Hidalgo disse que o país tem "grande
potencial geotérmico" graças aos seus vulcões, embora não seja possível
tornar algo urgente, visto que precisa de vários fatores para se consolidar.
Ao tentar lidar com a
crise energética que acumula apagões massivos em diversas partes do país, o
Equador colocou sobre a mesa uma possível nova alternativa para se abastecer no
longo prazo: a energia geotérmica, ou seja, energia que pode ser extraída do
calor do interior da Terra.
A ideia foi levantada
pelo ministro de Energia e Minas do Equador, Antonio Goncalves, durante
entrevista à rádio FM Mundo. Questionado sobre soluções energéticas de longo
prazo para o país, o secretário de Estado defendeu a aposta na energia
geotérmica, que descreveu como "a única energia renovável que é estável e
não depende das alterações climáticas".
Com efeito, a energia
geotérmica é obtida a partir do calor interno do planeta e, como afirma um
artigo do Instituto Catalão de Energia, "pode ser considerada contínua e
inesgotável à escala humana". Nesse sentido, Gonçalves relembrou que o primeiro
projeto de energia geotérmica foi desenvolvido em 1904 na cidade italiana de
Larderello e "ainda fornece energia".
"O Equador tem um
grande potencial geotérmico porque é um dos países que deve ter mais vulcões
ativos por quilômetro quadrado. Temos um potencial geotérmico abundante",
confirmou, consultado pela Sputnik, o especialista equatoriano em questões energéticas
Jorge Luis Hidalgo.
O especialista
esclareceu que se trata de uma solução que "hoje o país não tem" e
que poderá demorar "pelo menos dez anos" para que possa ser
implementada porque "terão de ser elaborados regulamentos, mecanismos e
estudos experimentais que devem ser realizados".
O próprio ministro
Goncalves admitiu que não pode ser considerada uma solução imediata para a
crise atual, dado que primeiro "é preciso experimentar, é preciso
conseguir os túneis com a geologia correta para que seja permeável e possa ser
utilizado a todo o momento".
Os poços para esse
tipo de projeto podem ter entre 3 mil e 6 mil metros de profundidade e exigem
diversos estudos geológicos para determinar a quantidade de energia que pode
ser extraída e como isso será feito.
Apagões
A situação se agravou
durante o mês de setembro e, na quarta-feira (18), foram anunciados apagões com
duração de até oito horas nas próximas semanas. O primeiro ocorrerá das 22h00
às 06h00 (no horário local), e estão previstos outros três no mesmo horário.
Diante da medida e da
crise de segurança pública que vive o Equador, ainda foi anunciado um toque de
recolher em várias províncias e vários municípios do país. O governo chegou a
decretar neste ano situação de "conflito armado interno".
Fonte: Por José Correa
Leite, em Outras Palavras/Sputnik Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário