segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Pesquisadores mapeiam risco de Alzheimer em pessoas com síndrome de Down

Pessoas com síndrome de Down apresentam envelhecimento acelerado e grande incidência da doença de Alzheimer na velhice. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) mapearam nessa população, por meio de técnicas de medicina nuclear, a presença de neuroinflamação e de um marcador importante desse tipo de demência: a placa beta-amiloide – formada por fragmentos de peptídeo amiloide que se depositam entre os neurônios causando inflamação e interrompendo a comunicação neural.

“Este foi o primeiro estudo no mundo a observar como se dá a neuroinflamação nessa população por meio de tomografia por emissão de pósitrons [PET, na sigla em inglês], com uso de radiofármacos específicos”, contou à Agência FAPESP Daniele de Paula Faria, pesquisadora do Laboratório de Medicina Nuclear (LIM43) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FM-USP).

A investigação foi conduzida no âmbito de um projeto desenvolvido em parceria com o Instituto Jô Clemente, o que possibilitou aos pesquisadores avaliar o cérebro de indivíduos com síndrome de Down de diferentes faixas etárias.

“Já se sabia que o processo de envelhecimento nessa população ocorre cerca de 20 anos adiantado, com menopausa precoce e o diagnóstico de doença de Alzheimer já após os 40 anos, por exemplo. Um aspecto importante é que o gene da proteína precursora amiloide [APP] está localizado no cromossomo 21, que é triplicado na síndrome de Down. Portanto, já era sabido que esses indivíduos produzem mais beta-amiloide que aqueles sem a síndrome. Nosso estudo foi importante, pois ainda não havia um entendimento aprofundado sobre os padrões de neuroinflamação no cérebro vivo de pessoas com síndrome de Down”, explicou a pesquisadora para a Agência FAPESP.

Os pesquisadores também acompanharam, ao longo de dois anos, a progressão da neuroinflamação e das placas beta-amiloide em camundongos modificados geneticamente para desenvolver uma condição semelhante à síndrome de Down. Vale lembrar que o ciclo de vida dos roedores é mais curto que o dos humanos e, portanto, um animal de dois anos equivaleria a um humano de 80.

“Conseguimos avaliar, com um equipamento específico para pequenos animais, toda a progressão da doença nos roedores. O estudo com os camundongos, somado ao feito com o grupo de indivíduos com síndrome de Down, nos trazem respostas importantes sobre o processo de envelhecimento dessa população”, afirmou a pesquisadora.

<><> Por dentro do cérebro

Esses dados ainda não publicados foram apresentados por Faria durante o Simpósio de Imagem Molecular, realizado nos dias 11 e 12 de setembro no Instituto de Radiologia do HC-FM-USP. Um dos objetivos do evento foi comemorar os dez anos da primeira imagem amiloide obtida no Brasil, o que foi possível com a compra dos equipamentos que produzem os radiofármacos (11C-PIB e 11C-PK11195) usados para visualizar as placas e a neuroinflamação no cérebro humano vivo. A aquisição ocorreu por meio de um Projeto Temático liderado por Geraldo Busatto Filho, coordenador do LIM21

Como explica Faria, moléculas marcadas com radioisótopos (chamadas de radiofármacos) são injetadas no cérebro para sinalizar as regiões em que há acúmulo de peptídeo beta-amiloide. Na sequência, é possível visualizar as placas e o avanço da neuroinflamação pela tomografia por emissão de pósitrons, equipamento de imagem parecido com uma ressonância magnética.

A metodologia foi validada no Brasil pelo grupo da USP e, aliada a outras análises, constitui uma ferramenta importante para diferenciar casos de doença de Alzheimer de outros tipos de demências. Também permite estudar como a doença progride em populações específicas, como os indivíduos com síndrome de Down ou com esclerose múltipla.

Na palestra de encerramento do simpósio, Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, afirmou que o projeto é um exemplo da solidez da ciência produzida no Estado de São Paulo. “Isso se deve a três fatores essencialmente. Um deles é o financiamento estável. Essa estabilidade nos permite fazer programas de pesquisa de dez anos, que podem render avanços, nos diferenciar e dar força ao desenvolvimento do Estado. O segundo ponto é o corpo de pesquisadores capacitados. O terceiro é que temos instituições de excelência, como é o caso das universidades dos institutos de pesquisa que têm um grande papel na história e no desenvolvimento de São Paulo. Tudo isso faz com que a estrutura de suporte à ciência e tecnologia se destaque e possa servir de exemplo para o restante do país”, disse.

O presidente da Fundação também apresentou oportunidades de financiamento de pesquisa, sobretudo para os jovens cientistas que participavam do evento. “Atualmente vivemos uma crise de formação de recursos humanos e uma crise de interesse dos nossos jovens pela vida universitária. Então é muito bom fazermos uma conversa sobre possibilidades de financiamento para atrairmos talentos e novos projetos importantes”, acrescentou.

Além de celebrar os dez anos do início da realização de imagens PET amiloide no Brasil e de apresentar os resultados obtidos no período com o uso da técnica, o simpósio teve o objetivo de discutir os aspectos mais atuais da pesquisa em neuroimagem molecular em doenças neurodegenerativas com especialistas nacionais e internacionais.

Entre os presentes estavam Tharick Pascoal, da University of Pittsburgh School of Medicine (Estados Unidos), que falou sobre o uso de biomarcadores em pesquisa; David Jones, da Mayo Clinic (Estados Unidos), que abordou o uso de inteligência artificial nos estudos com imagem molecular; e Juan Fortea, do Hospital de la Santa Creu i Sant Pau (Espanha), que explicou como a síndrome de Down pode ser um modelo de estudo para doenças neurodegenerativas.

•        Alzheimer pode avançar mais rápido em pessoas com síndrome de Down

Um novo estudo mostrou que o Alzheimer pode ter início precoce e avançar mais rapidamente em pessoas com síndrome de Down. As descobertas, publicadas na revista científica Lancet Neurology no último dia 15, podem ter implicações importantes para o tratamento e cuidados deste grupo vulnerável de pacientes.

O estudo comparou como o Alzheimer se desenvolve e progride em duas formas genéticas da doença: uma forma familiar conhecida como doença de Alzheimer autossômica dominante e a doença de Alzheimer ligada à síndrome de Down.

Para Beau Ances, professor da Daniel J. Brennan Neurology e co-autor sênior do estudo, as descobertas são importantes porque “atualmente, nenhuma terapia para Alzheimer está disponível para pessoas com síndrome de Down”. “Isso é uma tragédia porque as pessoas com síndrome de Down precisam destas terapias tanto quanto qualquer outra pessoa” afirma Ances, em comunicado à imprensa.

<><> Ligação entre Alzheimer e síndrome de Down

A síndrome de Down é uma alteração genética caracterizada pela presença de um cromossomo 21 extra. Esse cromossomo carrega uma cópia do gene APP (proteína precursora de amiloide), o que faz com que as pessoas com essa síndrome produzem muito mais depósitos de amiloide em seus cérebros do que o normal.

Estudos anteriores já mostraram que o acúmulo de amiloide é uma das principais causas da doença de Alzheimer. Para pessoas com Síndrome de Down, o declínio cognitivo característico da doença ocorre, geralmente, aos 50 anos.

Já pessoas com doença de Alzheimer autossômica dominante também têm um cronograma que pode aumentar as chances de declínio cognitivo. Essas pessoas herdam mutações em um de três genes específicos: PSEN1, PSEN2 ou APP. Eles tendem a desenvolver sintomas cognitivos na mesma idade que seus pais: na faixa dos 50, 40 ou, até mesmo, 30 anos.

“Como essas duas populações desenvolvem a doença em idades relativamente jovens, elas não apresentam as alterações associadas à idade observadas na maioria dos pacientes com Alzheimer, que normalmente têm mais de 65 anos”, diz a autora correspondente do estudo, Julie Wisch, engenheira sênior de neuroimagem no laboratório Ances. “Isso, combinado com a idade bem definida de início em ambas as condições, nos dá uma rara oportunidade de separar os efeitos da doença de Alzheimer do envelhecimento normal e expandir a nossa compreensão da patologia da doença.”

<><> Como o estudo foi feito?

Para o estudo, os pesquisadores mapearam o desenvolvimento dos emaranhados de tau, um outro marcador de risco para o desenvolvimento de Alzheimer. Eles realizaram tomografia por emissão de pósitrons (PET) do cérebro de 137 participantes com síndrome de Down e 49 com doença de Alzheimer autossômica dominante. Com isso, foi possível examinar quando os emaranhados de tau apareceram em relação às placas amiloides e quais partes do cérebro foram afetadas.

O estudo mostrou que as placas amiloides e os emaranhados de tau acumulam-se nas mesmas áreas do cérebro e na mesma sequência em ambos os grupos. No entanto, o processo começa mais cedo e é mais rápido em pessoas com síndrome de Down. Além disso, os níveis de tau são maiores para um determinado nível de amiloide.

“A progressão normal do Alzheimer é que você vê amiloide e depois tau – e isso acontece com cinco a sete anos de intervalo – e depois neurodegeneração”, explicou Wisch. “Com a síndrome de Down, o acúmulo de amiloide e tau ocorre quase ao mesmo tempo.”

Atualmente, existe apenas um tratamento para a doença de Alzheimer aprovado pela FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora dos Estados Unidos, e que comprovadamente altera o curso da doença: o lecanemab, que tem como alvo a amiloide.

Como o acúmulo de amiloide é o primeiro passo na doença, o lecanemabe é recomendado para pessoas nos estágios iniciais da doença de Alzheimer, com sintomas leves. Também estão em desenvolvimento terapias direcionadas à tau, destinadas a pessoas em fases posteriores da doença, quando a patologia da tau desempenha um papel mais proeminente.

“Como há uma compressão das fases amiloide e tau da doença em pessoas com Alzheimer associado à síndrome de Down, precisaremos atingir tanto a amiloide quanto a tau”, disse Ances. “Podemos precisar encontrar abordagens diferentes para essa população.”

 

Fonte: CNN Brasil

 

Nenhum comentário: