Como navios nazistas naufragados ameaçam a
costa brasileira
Há cerca de cinco
anos, o Brasil foi palco do que ficou conhecido como o maior derramamento de
óleo já registrado em águas tropicais. Cinco mil toneladas de petróleo
atingiram 130 cidades de 11 estados, deixando consequências até os dias atuais.
Aquela, entretanto, não era a única ameaça à biodiversidade marinha e às
populações costeiras brasileiras chegando por meio do mar.
Um ano antes, em 2018,
outro material de origem desconhecida começou a surgir nas praias do Nordeste.
Eram fardos de látex, matéria-prima utilizada na indústria de borracha, que
brotavam na água e areia. As caixas, que pesavam até 200kg, chegaram primeiro
às praias de Sergipe, Alagoas e Bahia, mas desde então já foram encontradas
também em Pernambuco, Paraíba, Rio de Janeiro, São Paulo e no Rio Grande do
Sul.
Utilizando simulações
matemáticas e analisando as correntes existentes entre o Brasil e a África,
pesquisadores das Universidades Federal de Alagoas (Ufal) e do Ceará (UFC)
identificaram que o material estava dentro de dois antigos navios da Alemanha
nazista naufragados durante a Segunda Guerra Mundial no Atlântico Sul.
As duas descobertas,
de acordo com os pesquisadores, mostram como os naufrágios ocorridos durante a
Segunda Guerra Mundial no Atlântico Sul são uma ameaça de poluição à costa
brasileira. Segundo eles, há pelo menos 548 navios afundados nessa região,
sendo 53 da Alemanha nazista, parte deles carregando não só fardos de borracha,
mas também petróleo e derivados, o que poderia desencadear outra tragédia
ambiental como ocorreu em 2019, quando o óleo se espalhou pelas praias brasileiras.
"Você tem mais de
500 naufrágios que estão aí no fundo do mar sem nenhum tipo de monitoramento,
de estudo, para saber a atual situação deles. E muitos carregavam óleo”, alerta
o professor do Labomar Marcelo Soares.
• Por que há tantos navios naufragados no
Atlântico Sul
Em todo o mundo,
estima-se que haja 3 milhões de embarcações afundadas e abandonadas no oceano.
Dessas, 8,5 mil são "naufrágios potencialmente poluentes", de acordo
com a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais
(IUCN, em inglês).
A maioria desses
naufrágios são da Primeira e Segunda Guerra Mundiais e contém poluentes
químicos nocivos, munições não detonadas e cerca de seis bilhões de galões de
óleo combustível pesado.
A borracha era um
material fundamental para a produção de carros, aviões e uniformes durante o
período das guerras mundiais. Durante a Segunda Guerra, os alemães iam até o
Sudeste Asiático, em locais como Singapura, Malásia e a antiga Indochina -
atualmente Vietnã, Laos e Camboja - para buscar os fardos de látex. Com eles,
também vinham cargas de metais como cobalto e tungstênio.
Para chegar à Europa,
entretanto, eles precisavam contornar a África pelo Atlântico Sul, numa
tentativa de furar os bloqueios impostos aos países do Eixo - grupo formado
pela Alemanha, Itália e Japão - pelos aliados - Estados Unidos, França, União
Soviética e Reino Unido. Os alemães utilizavam os chamados navios furadores de
bloqueio e, mesmo fugindo de rotas mais próximas pelo Oriente Médio,
encontravam resistência nos mares do Atlântico.
"Havia um
bloqueio naval aqui. Os americanos tinham estabelecido bases navais no Nordeste
brasileiro, então há vários documentos mostrando que os pescadores recolhiam já
naquela época os fardos dos navios que eram afundados. Mas isso tinha caído no esquecimento”,
afirmou o professor Luis Ernesto Bezerra, do Labomar.
O site Sixtant, que
armazena informações sobre os navios afundados no Atlântico Sul e foi utilizado
pelos pesquisadores da UFC durante a investigação da origem dos fardos, mostra
25 submarinos alemães e um submarino italiano que foram afundados num esforço
conjunto das Marinhas norte-americana, brasileira e britânica.
O site quantifica 548
navios afundados no Atlântico Sul entre 1939 e 1945, sendo 56 deles de origem
alemã. Os meses de setembro a dezembro de 1939 e julho a setembro de 1943 foi a
época em que mais navios e submarinos nazistas naufragaram no Atlântico Sul,
quando foram afundadas respectivamente nove e 10 embarcações.
Há navios, por
exemplo, não estudados que carregavam mais de 7 mil toneladas de óleo
combustível 1,2 mil toneladas de óleo diesel para consumo próprio, como o Esso
Hamburg, afundado em junho de 1941. Um levantamento da DW no Sixtant
contabiliza pelo menos quatro embarcações que tinham carga de óleo combustível
e cinco com carga de borracha.
As pesquisas
realizadas no Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da UFC, mostraram que os
primeiros fardos de borrachaque chegaram em 2018 e 2019 ao Brasil eram do navio
SS Rio Grande. A embarcação de origem alemã foi afundada em 1944, pelos Estados
Unidos, quando tentava furar o bloqueio naval imposto pelos americanos. Já o
material encontrado em 2021 era do navio alemão WS Weserland, que naufragou em
janeiro do mesmo ano, também pela ação da Marinha dos Estados Unidos.
O MV Weserland, por
exemplo, saiu de Yokohama no Japão no dia 26 de outubro de 1943, com destino à
Europa. No dia de ano novo de 1944, o navio foi visto por um esquadrão de
reconhecimento na Ilha de Ascensão, no Atlântico Sul, a cerca de 2,2 mil
quilômetros da costa da América do Sul. No dia 3 de janeiro, o navio foi
afundado, carregando borracha, estanho e volframita (material de onde o
tungstênio é extraído). Ele está a uma profundidade de 5 mil metros.
• Por que os naufrágios são uma ameaça à
costa brasileira
A hipótese dos
pesquisadores da UFC é de que os fardos de borracha estejam se soltando dos
navios por dois motivos: a deterioração natural dos cascos das embarcações e a
ação de piratas e empresas irregulares, em busca dos metais e cargas afundadas
com os barcos. "Já vai fazer 70, 80 anos, desses naufrágios. Esse é
justamente o tempo de deterioração dos navios”, afirma Marcelo Soares.
Em um estudo
pré-aprovado para publicação na revista acadêmica Ocean and Coastal Research,
os pesquisadores analisam que a exploração desses navios naufragados é
facilitada pelo fato de que essas embarcações estão em águas internacionais, ou
seja, fora de áreas legisladas pelos países sul americanos e africanos.
Os pesquisadores
mostraram que a carga do MV Weserland poderia chegar a custar entre 17 e 68
milhões de dólares, considerando o preço do estanho em maio de 2021, ano em que
os fardos foram vistos na costa nordestina. "Esse navio (MV Weserland)
carregava tungstênio, uma commodity que bombou na Bolsa de Valores,
principalmente na pandemia, porque é usado para fazer celular, tablet e
computador”, explica Luis Ernesto Arruda.
Segundo ele, os metais
contidos nesses navios também são considerados valiosos porque foram extraídos
antes das explosões atômicas de 1945. Há outros navios já identificados
carregando cargas valiosas, como o navio nazista MV Bungerland, que tem uma
carga de 2 mil fardos de borracha, estanho e óleo, e está naufragado a mil
quilômetros da costa do Recife, em Pernambuco.
"A empresa vai
lá, quebrar um navio para tirar o metal, e como efeito colateral pode vazar
borracha e óleo, que chegam ao litoral porque as correntes trazem para cá.
Então, a questão não é se esse óleo vai vazar, mas quando irá”, afirma Luis
Ernesto Arruda.
Além da chegada dos
materiais tóxicos e fardos de borracha, os navios naufragados podem facilitar a
chegada de espécies invasoras no litoral brasileiro. Num artigo publicado no
Marine Pollution Bulletin, em 2020, pesquisadores da UFC demonstraram que esses
naufrágios da Segunda Guerra servem como trampolins para a chegada de espécies
como o coral-sol, que ajudam a espalhar outras espécies invasoras e alteram a
biomassa dos peixes.
"Existem algumas
espécies marinhas que só se fixam em substratos duros, então esses naufrágios
acabam virando o local de colonização delas. Então, elas podem ir colonizando
de naufrágio em naufrágio”, acrescentou Arruda.
• Brasil não fiscaliza naufrágios como
deveria, defendem pesquisadores
Os pesquisadores
alertam que o Brasil não tem monitorado os naufrágios como deveria, para
identificar navios que são potenciais poluidores. Para eles é fundamental
implementar legislações e criar estruturas para prevenir que a chegada de
materiais provenientes dos naufrágios cause danos ao meio ambiente, bem como
para identificar quem são as empresas ou pessoas que estão explorando a carga
existente nas embarcações.
"Cada naufrágio é
único, eles têm uma arquitetura e material de construção específico, e estão em
locais e profundidades diferentes. Então, eles precisam ser avaliados
individualmente”, ressalta Luis Ernesto Arruda.
De acordo com ele, os
Estados Unidos é um dos países do mundo que consegue fazer um monitoramento da
situação dos navios naufragados próximos à sua costa. Com isso, é possível
identificar qual a carga existente neles, o valor para extraí-la e também coletar
amostras de óleo para confrontar com eventuais manchas que aparecem nas praias.
A UFC planeja tentar
fazer um mapeamento dos navios naufragados para classificar quais os riscos
eles trazem à costa brasileira. "Mas não é uma pesquisa simples, pois a
maioria desses navios estão a mais de 4 mil metros de profundidade”, pondera
Marcelo Soares.
De acordo com a
Marinha, os incidentes de poluição por óleo na costa brasileira são geralmente
reportados por meio de um documento chamado "Comunicação Inicial do
Incidente” ou por meio de denúncia direta aos agentes da autoridade marítima.
Há também ocorrências que surgem das fiscalizações realizadas pelas capitanias,
delegacias e agências das capitanias dos portos espalhadas por todo o Brasil.
Até julho deste ano já
foram inspecionadas 211 mil embarcações. Em 2020, ano em que o maior volume de
óleo derramado foi identificado na costa brasileira e começou a pandemia da
Covid-19, entretanto, houve a menor quantidade de inspeções realizadas - 202
mil.
Entre 2020 e julho de
2024, a Marinha Brasileira registrou uma média de 14 incidentes envolvendo
derramamento de óleo na costa brasileira por mês, sendo 758 incidentes no
total. Neste ano, já foram identificados 87 casos, com derramamento de 153,7
mil litros. Em 2020, ano posterior ao derramamento de óleo nas praias do
Nordeste, foram 169 incidentes, mas com um volume de 1,3 milhão de litros.
A Marinha Brasileira
afirmou que o país tem um Grupo de Acompanhamento e Avaliação permanente desde
2020 para acompanhamento e avaliação da dimensão e importância de incidentes de
poluição por óleo. A DW procurou o Ministério do Meio Ambiente e Mudança no
Clima e o Ibama, para saber como a chegada desses fardos de borracha vem sendo
monitorada na costa brasileira, mas não obteve retorno até a publicação desta
reportagem.
Fonte: DW Brasil
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