'Fórmula de Midas', a equação criada por
gênios matemáticos para fazer fortuna que causou desastre (e é usada até hoje)
Esta é a história de
uma brilhante descoberta científica – uma elegante fórmula matemática que
prometia fazer algo aparentemente impossível.
No século 20, surgiu
um projeto científico dos mais incomuns: procurar uma forma, usando a
matemática, de eliminar a regra do capitalismo de que, para ganhar dinheiro, é
preciso assumir riscos.
A ideia era encontrar
uma equação que permitisse que alguém se tornasse incrivelmente rico sem correr
risco algum.
Os corretores da
bolsa, com sua experiência, tinham a certeza de que o sucesso nos mercados
estava relacionado ao critério e à intuição humana – duas qualidades que nunca
poderiam ser reduzidas a uma fórmula.
Mas um importante
grupo de acadêmicos estudou matematicamente os mercados. Eles acreditavam que
este sucesso, em grande medida, era questão de sorte. E esta visão gerou uma
descoberta inesperada.
Na década de 1930,
acadêmicos decidiram estudar se os corretores da bolsa conseguiam realmente
prever as mudanças de preços. E, como não encontravam nenhuma base científica
para esta hipótese, eles realizaram uma série de experimentos.
Em um destes estudos,
eles simplesmente escolheram ações ao acaso, lançando dardos em um exemplar do
The Wall Street Journal com os olhos vendados. E, no final do ano, as ações
escolhidas aleatoriamente superaram as previsões dos melhores corretores.
Surgiu, então, uma
revelação. O resultado significava que os preços das ações flutuam de forma
totalmente aleatória. Por isso, seria impossível, por definição, fazer qualquer
previsão a respeito.
Era uma conclusão
devastadora. Apesar de todas as declarações dos corretores, aparentemente
qualquer pessoa que conseguisse fazer uma previsão correta no mercado de
valores não fazia por competência, mas sim por mera casualidade.
A descoberta da
aleatoriedade indignou os corretores da bolsa, mas mobilizou os acadêmicos.
Afinal, eles já haviam usado a matemática com sucesso em fenômenos aleatórios e
imprevisíveis, que variavam desde o crescimento da população até o clima.
Foi assim que começou
uma busca científica e racional sobre como controlar os mercados, utilizando o
poder da matemática para vencer os riscos.
• A chave-mestra do acaso
Por muito tempo,
acadêmicos tentaram controlar os riscos por meio da probabilidade, mas suas
previsões continuavam sendo imprecisas. Era necessário ter uma forma de
proteção que fosse muito mais confiável.
Em 1955, o eminente
economista americano Paul Samuelson (1915-2009) descobriu algo muito importante
na biblioteca da Universidade de Paris, na França.
Era um livro
desconhecido escrito em 1900 por um estudante francês de pós-graduação chamado
Louis Bachelier (1870-1946). Nele, o autor propunha algo que ninguém havia
feito antes.
Utilizando uma série
de equações, Bachelier criou o primeiro modelo matemático completo dos
mercados.
Ele observou que os
preços das ações flutuavam ao acaso e que era impossível fazer previsões
exatas. Mas afirmava ter encontrado uma solução – uma forma maravilhosa de
descartar os riscos: um contrato financeiro quase mágico, chamado de opção.
O matemático
acreditava que, se fosse possível descobrir uma fórmula que permitisse o uso
geral deste contrato incomum, seria possível dominar totalmente o mercado.
A obra de Bachelier
revelou o Santo Graal do mercado de ações: era preciso descobrir a fórmula
perfeita para avaliar e fixar o preço das opções. Mas ele morreu antes de
conseguir encontrá-la.
• As opções
Os acadêmicos ficaram
entusiasmados e pesquisaram o estranho contrato que tanto havia intrigado
Bachelier.
Eles descobriram que
as opções, teoricamente, seriam uma forma milagrosa de seguro financeiro,
funcionando de maneira extraordinária.
O risco do mercado de
ações é comprar uma ação hoje e seu preço cair amanhã. Com isso, perdemos
dinheiro.
O contrato de opções
dá o direito de esperar e comprar a ação se, no futuro, ela atingir um preço
definido, mas sem termos obrigação. Se a ação não atingir aquele preço, podemos
desistir da compra, perdendo apenas o custo da opção.
Teoricamente, as
opções são uma forma perfeita de descartar o risco, mas havia um problema.
Quanto alguém pagaria por uma tranquilidade tão absoluta?
O valor aparentemente
dependeria da confiança pessoal de cada investidor. Ninguém poderia estabelecer
um acordo padronizado para determinar o preço das opções.
Era um problema
desconcertante, do tipo que atrai os acadêmicos. E eles o estudaram com afinco.
Os acadêmicos
desenvolveram modelos ao longo da década de 1960. Eles estavam convencidos de
que, se conseguissem descrever matematicamente a confiança emocional dos
investidores, o problema estaria resolvido.
Eles acrescentaram
cada vez mais símbolos durante o processo. Símbolos do nível de satisfação,
razoabilidade, agressividade, conjecturas, aversão ao risco...
Os estudiosos logo
formaram uma gigantesca construção matemática. Mas o preço das opções parecia
tão distante quanto antes, já que ele dependia de dados totalmente impossíveis
de serem observados no mundo real.
Mas tudo estava a
ponto de mudar.
• Sem riscos
Em 1968, os
economistas Fischer Black (1938-1995) e Myron Scholes se puseram a abordar o
problema que já havia ocupado tantas mentes brilhantes.
Eles sabiam que os
preços de todas as ações aumentavam e diminuíam constantemente. E, com isso, o
valor da opção sobre cada ação específica também flutuava, mas não havia uma
relação previsível.
Para criar a fórmula,
eles decidiram tentar algo diferente. Eliminaram da montanha de equações já
existentes todos os símbolos que representavam algo que não poderia ser medido.
A ideia foi brilhante.
A exclusão daqueles elementos não gerou nenhuma alteração dos cálculos.
Eles finalmente
ficaram com a essência do problema – os elementos que, segundo todos
concordavam, precisariam ser conhecidos para definir o valor de uma opção:
• o preço da opção
• sua volatilidade
• a duração do contrato
• a taxa de juros
• o nível de risco
Todas estas variáveis
podiam ser quantificadas, com exceção da última: o nível de risco.
Paralelamente, os
estudiosos pensaram que, se não pudessem medir o risco com precisão, talvez
houvesse uma forma de torná-lo menos significativo.
Eles partiram da
antiga ideia da cobertura, uma técnica usada pelos jogadores para cobrir suas
apostas com apostas contrárias.
O método que eles
idealizaram se tornaria uma das descobertas mais importantes da economia no
século 20.
Eles criaram um
portfólio teórico, com uma mistura de ações e opções. Quando alguma delas
flutuava para cima ou para baixo, eles tentavam cancelar o movimento, fazendo
outra aplicação arriscada na direção oposta.
Seu objetivo era
manter o valor geral do portfólio em perfeito equilíbrio, o que era
extremamente difícil.
Mas, utilizando
álgebra complexa e uma grande quantidade de cálculos, eles conseguiram
equilibrar um primeiro movimento com precisão.
Depois, veio outro e
mais outro... até que eles criaram um equilíbrio perfeito, com os riscos se
anulando uns aos outros.
Eles chamaram o método
de cobertura dinâmica. Era uma forma teórica de não apenas reduzir o risco, mas
eliminá-lo por completo.
E, sem riscos, eles
finalmente obtiveram a fórmula matemática que poderia fornecer o preço de
qualquer opção.
• Peça final do quebra-cabeça
Myron Scholes e
Fischer Black haviam solucionado o problema que desconcertou gerações de
acadêmicos. Foi um feito extraordinário, mas sua fórmula apresentava um
problema prático: era preciso ter tempo para calcular a cobertura dinâmica.
Os mercados se movem
com rapidez. E, durante o tempo de cálculo, eles poderiam mudar, tornando as
contas obsoletas. Era necessário ter uma forma de recalibrar os cálculos
instantaneamente para eliminar o risco continuamente.
E havia uma pessoa
perfeita para ajudá-los: o economista Robert C. Merton, reconhecido pelo seu
extraordinário talento intelectual.
No início dos anos
1970, ele havia conquistado a reputação de utilizar métodos matemáticos
exóticos e abstratos para estudar contratos financeiros como as opções.
Construindo seus
próprios modelos, Merton havia explorado teorias de que ninguém no mundo das
finanças havia ouvido falar. E uma delas seria a peça final do quebra-cabeça.
Merton recorreu à
ciência dos foguetes. Ele estudou as teorias do matemático japonês Kiyoshi Ito
(1915-2008), que havia enfrentado um problema similar ao de Black e Scholes.
Para traçar a
trajetória de um foguete, é necessário saber exatamente onde ele se encontra,
não apenas segundo a segundo, mas todo o tempo.
Ito desenvolveu uma
forma de dividir o tempo em parcelas infinitamente pequenas, até transformá-lo
em um contínuo, de forma que a trajetória possa ser atualizada constantemente.
Merton adaptou esta
ideia à fórmula de Black e Scholes. Utilizando a noção de tempo contínuo, o
valor da opção poderia ser recalculado constantemente e o risco seria
continuamente eliminado.
A fórmula que Black,
Scholes e Merton divulgaram ao público em 1973 era falaciosamente simples, mas
maravilhou os acadêmicos pelas suas ideias assombrosas e pela sua completa
ousadia.
• Muito, muito dinheiro
A fórmula começou
rapidamente a ser usada no mundo real.
Os operadores da bolsa
nunca haviam perdido a fé nas suas próprias habilidades. Mas, agora, parecia
que os acadêmicos haviam inventado algo que poderia complementar sua intuição.
Eles programaram a
fórmula Black-Scholes nas suas calculadoras. Pressionando apenas algumas
teclas, era possível encontrar o preço exato de qualquer opção, a qualquer
momento.
Com isso, homens e
mulheres que nunca haviam ouvido falar em Bachelier, Ito ou no tempo contínuo
começaram a explorar a fórmula acadêmica para ganhar dinheiro... muito
dinheiro.
Eles logo perceberam
que a fórmula não servia apenas para as opções, mas também para realizar
negócios em uma escala que, até então, ninguém sequer sonhava que seria
possível.
Os riscos das ações
poderiam ser cobertos com futuros. Já os riscos dos futuros poderiam ser
cobertos com transações de divisas e todos os riscos recebiam uma diversidade
de novos e complexos derivados financeiros. Vários deles foram expressamente
criados para explorar a fórmula Black-Scholes.
O capitalismo estava
em pleno auge. E a combinação entre a matemática e o dinheiro parecia
inesgotável.
Depois de 25 anos do
desenvolvimento da sua fórmula, os arquitetos desta revolução receberam o
prêmio máximo. Fischer Black já havia falecido, mas Scholes e Merton receberam
o Prêmio Nobel de Economia de 1997.
• A glória
Dois anos antes, no
apogeu da fama, Scholes e Merton decidiram que estava na hora de colher o que
eles haviam semeado.
Em 1994, eles se
uniram aos melhores corretores de bolsa de Wall Street e criaram uma empresa
que se tornou lendária: a Long Term Capital Management (LTCM).
Sua reputação como as
mentes acadêmicas mais brilhantes do setor financeiro facilitou a obtenção de
dinheiro. Os investidores de maior prestígio, bancos, fundos de pensões e
instituições disputaram seus investimentos.
Em questão de meses,
eles arrecadaram US$ 3 bilhões (mais de US$ 6 bilhões em valores de hoje, ou R$
33 bilhões) e idealizaram uma das estratégias de investimento mais ambiciosas
da história.
Eles combinaram todos
os seus conhecimentos, usando as probabilidades para apostar que os
preços-chave sofreriam alterações mais ou menos similares às do passado. Mas,
se alguma previsão não se realizasse, eles estariam protegidos pela ideia
fundamental da cobertura dinâmica da fórmula Black-Scholes.
A LTCM colocou enormes
montantes de dinheiro nos mercados, com total confiança. E funcionou. A empresa
atingiu sucessos espetaculares, superando todas as outras companhias de
investimento.
Merton e Scholes
aparentemente haviam demonstrado que os acadêmicos poderiam triunfar no mundo
real. E aproveitaram seu sucesso.
• A catástrofe
Os primeiros três anos
da LTCM foram realmente fabulosos. Os rendimentos dos seus investidores
atingiram 43%.
Era como se o mundo se
comportasse exatamente como estava escrito. Até que a realidade se mostrou
diferente.
No verão do hemisfério
norte de 1997, os preços das ações desabaram na Tailândia, gerando um pânico
que se estendeu por toda a Ásia.
Bancos quebraram do
Japão à Indonésia. Foi algo tão improvável que não estava previsto em nenhum
modelo matemático.
À medida que os preços
subiam e baixavam como nunca se havia visto antes, os modelos adotados pelos
operadores começaram a fornecer resultados estranhos. Por isso, eles passaram a
confiar no seu instinto.
Em tempos de crise, o
dinheiro em espécie é o que vale. Os operadores pararam de pedir empréstimos e
abandonaram os investimentos em lugares de risco.
Mas, na LTCM, os
modelos indicavam que tudo voltaria logo à normalidade e não havia razão para
entrar em pânico. Afinal, se alguma das apostas desse mau resultado, era
necessário ter apenas uma outra aposta em sentido oposto.
À medida que o pânico
se ampliava, as opções custavam cada vez mais. E a LTCM fez o contrário dos
outros operadores.
A empresa começou a se
endividar em grandes valores. Ela assumiu dívidas de US$ 100 bilhões – quase
US$ 200 bilhões, ou R$ 1,1 trilhão, em dinheiro de hoje.
A LTCM tinha condições
de enfrentar o custo deste endividamento, desde que não houvesse outro evento
totalmente improvável.
Mas, em agosto de
1998, ocorreu algo que ninguém considerava possível. A Rússia, o maior país do
mundo, repentinamente e sem nenhuma explicação, cancelou o pagamento de todas
as suas dívidas internacionais.
Este evento
desequilibrou irremediavelmente todos os cálculos dos modelos da LTCM. A
empresa começou a perder milhões de dólares todos os dias. E, em seis semanas,
perdeu US$ 4 bilhões (quase US$ 8 bilhões ou R$ 44 bilhões, em valores atuais).
A LTCM estava à beira
da falência, o que colocaria em risco a economia mundial.
A empresa havia
apostado um bilhão de dólares, valor que correspondia a um ano de receita do
governo americano. E este valor estava a ponto de desaparecer.
Para evitar o colapso
econômico global, o Federal Reserve (o Banco Central dos Estados Unidos) não
teve outra opção a não ser organizar o resgate da LTCM.
Seus investidores –
entre eles, fundos de pensões, o Banco Central da Itália e o Banco Barclays, do
Reino Unido – perderam, em média, US$ 200 milhões cada um.
Já Merton e Scholes
não só perderam uma fortuna, mas também enfrentaram recriminações públicas de
figuras como o presidente do Federal Reserve e diversos políticos.
"É como se você
fosse atropelado por um caminhão", disse Merton à BBC, meses depois da
retumbante queda da LTCM.
• Foi o fim dos modelos?
Não exatamente.
O modelo de
Black-Scholes continua sendo utilizado milhões de vezes por dia, muitas vezes
com alguns ajustes. Ele é adotado por operadores que, supostamente, sabem
quando confiar nele e quando devem recorrer à sua própria intuição.
Os mercados
financeiros continuam sendo lugares repletos de riscos, que enriquecem alguns
em tempos bons e empobrecem muitos, em tempos ruins.
Fonte: BBC News
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