segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Amy Goodman: ‘Enquanto o planeta arde, ativistas ambientais estão na mira’

Um enorme furacão no estado da Louisiana, incêndios florestais na Califórnia, na Grécia e no Brasil, inundações e deslizamentos de terra no sudeste asiático: os impactos cada vez mais devastadores da emergência climática são sentidos em todo o mundo. Somente os negacionistas mais ferrenhos do clima rejeitam as evidências científicas que apontam a atividade humana como a responsável por esses desastres. Negociações formais para abordar a crise estão em andamento, mas não ocorrem com rapidez suficiente. O planeta está em um ponto de inflexão, à beira de uma catástrofe climática acelerada por um ciclo de retroalimentação irreversível. Ativistas ambientais se manifestam cada vez mais por meio de protestos de ação direta não violenta para exigir mudanças. Muitos enfrentam processos judiciais, penas de prisão, agressões violentas e até a morte como represália.

Nonhle Mbuthuma, ativista ambiental sul-africana e ganhadora do Prêmio Goldman 2024, escreveu o prefácio do novo relatório da organização Global Witness, intitulado Vozes Silenciadas: A Violência Contra Defensores da Terra e do Meio Ambiente. No início do prefácio, Mbuthuma declara: “Hoje é minha vez, como defensora, de pressionar as elites do poder a tomarem medidas radicais que nos afastem dos combustíveis fósseis e nos conduzam a sistemas que beneficiem toda a sociedade”.

A Global Witness é uma organização não governamental internacional que investiga e expõe abusos contra o meio ambiente e os direitos humanos nas indústrias extrativistas, como mineração e combustíveis fósseis, além dos fortes laços políticos e financeiros relacionados a esses abusos.

Este último relatório da organização detalha os assassinatos e desaparecimentos de defensores da terra que ocorreram em 2023, revelando que 196 ativistas ambientais perderam a vida durante esse ano ao redor do mundo.

Laura Furones, consultora da campanha de defensores da terra e do meio ambiente da Global Witness, disse ao Democracy Now!: “Infelizmente, 2023 foi outro ano atroz para aqueles que defendem suas terras e o meio ambiente. [...] Estamos vendo níveis de violência sem precedentes em todo o mundo, que ocorrem com crescente frequência. Realmente tememos que isso se intensifique à medida que as consequências da crise climática se tornem mais evidentes”.

Em 2023, mais de 70% dos assassinatos ocorreram em quatro países: Brasil, Colômbia, Honduras e México. A Colômbia encabeça a lista como o país mais letal para quem se mobiliza em defesa da terra e do meio ambiente, com pelo menos 79 mortes, representando 40% do total de mortes registradas.

Durante a entrevista ao Democracy Now!, Furones acrescentou: “O caso da Colômbia é particularmente trágico. [...] Se olharmos todos os dados históricos que a Global Witness tem coletado desde que começamos a registrar casos em 2012, veremos que a Colômbia lidera consistentemente. Estamos falando de comunidades indígenas, como os povos Nasa e Nahua, e outros povos originários. Metade dos defensores da terra assassinados na Colômbia e, de fato, 49% dos ativistas ambientais mortos em todo o mundo são de povos indígenas e comunidades afrodescendentes”.

Furones explicou: “Isso não é uma coincidência. [...] A ciência nos diz claramente que os povos indígenas são especialmente bons em proteger as terras em que vivem. É por isso que os recursos naturais cada vez mais escassos do planeta, que continuamos a extrair, estão localizados em terras indígenas”.

A mineração é, de longe, a indústria mais ligada aos assassinatos e desaparecimentos de defensores da terra, e metade dessas mortes relacionadas ao setor ocorreram na América Latina. No entanto, como relata a Global Witness, os ativistas pela justiça climática e ambiental também enfrentam grandes riscos na África e na Ásia.

O relatório da Global Witness inclui uma morte de defensor da terra nos Estados Unidos em 2023. Trata-se de Manuel Esteban Terán, de 26 anos, conhecido como Tortuguita. Tortuguita foi morto pela polícia após ser atingido por 57 tiros enquanto protestava pacificamente contra a construção do centro de treinamento policial conhecido como “Cop City”, na cidade de Atlanta, estado da Geórgia, um projeto avaliado em dezenas de milhões de dólares. Até o momento, nenhum policial foi acusado pela morte de Tortuguita.

Embora as mortes de defensores da terra sejam raras nos Estados Unidos, ativistas ambientais na Europa Ocidental e na América do Norte enfrentam processos judiciais e severas condenações por participarem de mobilizações pacíficas.

Linda Lakhdir, diretora jurídica da organização Climate Rights International, disse ao Democracy Now!: “Em vários desses países ricos e democráticos, as sentenças impostas a quem se mobiliza contra as mudanças climáticas estão atingindo níveis extremamente repressivos. Estão sendo impostas penas de prisão muito longas. Há pessoas em prisão preventiva para impedi-las de participar de protestos. Usam canhões de água para dispersar manifestantes pacíficos e métodos dolorosos, como a chamada ‘torção de pulso’, para imobilizá-los. É realmente surpreendente como esses países, que se apresentam como símbolos do Estado de Direito, estão reprimindo o que são, basicamente, protestos pacíficos”.

A Climate Rights International investiga as consequências das mudanças climáticas para os direitos humanos, como detalhado no novo relatório da organização intitulado Na Corda Bamba: Respostas Desproporcionais a Manifestantes Contra as Mudanças Climáticas em Países Democráticos.

A próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, denominada COP29, será realizada em novembro, em Baku, capital do Azerbaijão. Assim como muitas cúpulas climáticas anteriores, esta ocorrerá em um petro-Estado ditatorial onde protestos são proibidos e não há liberdade de expressão.

O tempo está se esgotando e é fundamental avançar decisivamente em todas as frentes para prevenir os piores impactos da crise climática. Aqueles que lideram o movimento por um futuro sustentável deveriam ser elogiados, não perseguidos.

 

•        Governo brasileiro vai destinar mais recursos contra queimadas, diz Casa Civil

O governo federal se comprometeu a liberar mais recursos para o combate às queimadas e a aquisição de equipamentos, a fim de ajudar os estados a enfrentar uma das piores estiagens em décadas no país.

A declaração foi feita pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, após uma reunião com governadores das Regiões Centro-Oeste e Norte, realizada na tarde dessa quinta-feira (19) no Palácio do Planalto.

A reunião foi uma iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também se encontrou esta semana com os chefes dos Poderes para discutir a ampliação das medidas contra as queimadas.

De acordo com o ministro, além dos R$ 514 milhões de crédito extraordinário já liberados, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) criará uma linha de crédito destinada à compra de viaturas e equipamentos para os bombeiros. Os estados receberão novos recursos com base na apresentação de suas demandas específicas.

"Vamos recepcionar, nos próximos dias, todos os pedidos de ajuda, dois estados já enviaram, e estamos avaliando e autorizando de forma sumária. Como vocês já viram, foi publicado já o primeiro crédito, de outros que serão publicados, no valor de R$ 514 milhões, a assim como falou também, o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], já até a semana que vem, está autorizado e liberando um pouco mais de R$ 400 milhões para apoio aos corpos de bombeiros desses estados da Amazônia Legal, para compra de materiais, equipamentos, viaturas, o que já soma os dois juntos perto de R$ 1 bilhão", afirmou o ministro.

Ele complementou: "E outros créditos serão publicados na medida em que os governadores apresentem e materializem suas demandas", segundo a Agência Brasil.

Participaram do encontro os governadores Hélder Barbalho (Pará), Mauro Mendes (Mato Grosso), Ronaldo Caiado (Goiás), Ibaneis Rocha (Distrito Federal), Eduardo Riedel (Mato Grosso do Sul), Wilson Lima (Amazonas), Gladson Cameli (Acre), Wanderlei Barbosa (Tocantins) e Antonio Denarium (Roraima). Também compareceram os vice-governadores Sérgio Gonçalves da Silva (Rondônia) e Antônio Pinheiro Teles Júnior (Amapá).

<><> Afetados

Mais de 11 milhões de pessoas já foram afetadas diretamente pela onda de incêndios que afeta o Brasil desde o início do ano em meio a uma seca histórica. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios, na comparação com o mesmo período do ano passado, o aumento dos casos é alarmante: em 2023 foram somente 3,8 mil pessoas afetadas e 23 municípios em situação de emergência.

Já os prejuízos econômicos com as queimadas chegaram a R$ 1,1 bilhão. Por conta da situação enfrentada no Brasil, a CNM defende a criação do Conselho Nacional de Mudança Climática, além da Autoridade Climática Nacional e o Fundo Nacional de Mudança Climática. A proposta prevê ainda 3% da arrecadação do Imposto de Renda e do IPI para o fundo.

 

¨      Terra Indígena Kayapó tem mais de 17% de área tomada pelo fogo

Um levantamento divulgado nesta sexta-feira (20) pelo Greenpeace Brasil mostra que o mês de setembro concentrou 61,25% dos focos de calor registrados durante todo este ano nas comunidades que compõem a Terra Indígena (TI) Kayapó, que se estende pelos estados de Mato Grosso e do Pará. A porcentagem corresponde a 1.799 de um total de 2.937 focos identificados no período pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ao todo, 571.750 hectares (17,41%) do território já foram consumidos pelo fogo. É o pior índice desde 2012, quando o monitoramento foi iniciado.

De acordo com a organização não governamental (ONG) Greenpeace Brasil, houve um pico de focos no dia 4 de setembro, véspera da Operação Xapiri Tuíre, de caráter interinstitucional, que teve como meta coibir crimes relacionados ao garimpo no território. Agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Polícia Federal (PF) participaram da ação, inutilizando combustível e maquinário dos invasores. As equipes se depararam com a estruturação de cinco vilas de garimpeiros.

“A operação foi concluída em 10 de setembro e, no dia seguinte, observou-se novo pico na concentração de focos de calor. Essa data é emblemática, pois um em cada cinco focos de calor na Amazônia foi identificado em terras indígenas. No total, as TIs de todo o bioma somaram 511 focos de calor, enquanto toda a Amazônia contabilizou 2.512 focos”, diz relatório da ONG. Segundo o relatório, em alguns casos, os incêndios florestais se sobrepõem ou estão perto das novas áreas de garimpo encontradas em 2024.

Em entrevista à Agência Brasil, o coordenador da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil, Jorge Dantas, disse que já é possível bater o martelo quanto à severidade das queimadas em solo kayapó, inclusive pela velocidade e dimensão das chamas. “Já dá para dizer com clareza que a TI é o território mais impactado por incêndio florestal”, afirmou Dantas.

A TI Kayapó lidera a lista de territórios com maior presença de garimpeiros, algo que marca a trajetória deste povo, assim como sua capacidade de organização coletiva na garantia de direitos. Ao lado desta TI, aparecem na relação as TIs Yanomami e Munduruku.

“O que a gente viu, basicamente, na semana passada, em um sobrevoo, foi que o mundo kayapó, as terras indígenas desse povo, todas estão queimando. Essa terra, em específico, está em uma situação muito dramática, mas não é a única”, comenta.

“O único levantamento que nosso time de pesquisa fez aqui, e isso tem uns 20 dias, está meio desatualizado, já dava conta de que mais de 300 terras indígenas de todo o país estavam sofrendo com as queimadas”, acrescentou.

Como enfatiza Dantas, os povos indígenas são, comprovadamente, os que mais preservam a biodiversidade, o que os caracteriza como os guardiões dos diversos biomas. “A conservação, a proteção dos territórios indígenas não é algo benéfico só para os povos indígenas. A gente está em um momento de crise climática, em que precisa defender as florestas, a saúde dos indígenas”, argumenta.

Ele enfatizou que, pelo menos no contexto brasileiro, as terras indígenas são as que melhor cumprem essa função e exercem esse trabalho, que contribui para mitigar os efeitos da crise climática. “Então, é de interesse de todo brasileiro preocupado com o futuro deste país, deste planeta, que a gente defenda os territórios indígenas e que o governo federal acelere os processos demarcatórios.”

 

Fonte: Correio da Cidadania/Sputnik Brasil/Agencia Brasil

 

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