'1 − 1 + 1 − 1 +...', a curiosa explicação
de matemático sobre como Deus criou o mundo
A matemática poderia
explicar o significado da vida, do universo e de todo o resto?
Vai saber. Mas sempre
vale tentar.
Uma das tentativas de
demonstrar a probabilidade de algo tão desconcertante como o início de tudo foi
com algo que está representado como você vê na imagem acima.
Com ∑, ∞ e vários n
pode parecer um pouco intimidador.
Mas tudo isso pode ser
representado de outra forma: 1 − 1 + 1 − 1 +…
São operações simples,
mas se as repetirmos ao infinito, tornam-se uma soma que ocupou os maiores
matemáticos desde o século 18.
A grande questão era:
qual é o resultado dessa soma infinita?
Uma resposta
intuitivamente óbvia é que não há resposta: se continuar infinitamente, se
alterará entre 0 e 1 sem nunca chegar a valor único.
No entanto, essa é
apenas uma das 4 opções consideradas ao longo do tempo.
E talvez a mais
surpreendente seja que a que mais convenceu o primeiro matemático a chamar a
atenção para este quebra-cabeça conhecido como série Grandi.
• O instigador
Luigi Guido Grandi
(1671 - 1742) foi um padre, filósofo, matemático e engenheiro nascido em
Cremona, hoje na Itália.
Seu interesse pela
matemática demorou a surgir, mas com seu primeiro livro, "Geometrica
divinatio Vivianeorum problematum", publicado em 1699, ele ganhou
reconhecimento no seu e em outros países.
Sua reputação o
levaria a virar, em 1707, o matemático da corte do Grão-Duque da Toscana, Cosme
3º de Medici, e no cargo foi responsável por importantes projetos de
engenharia, incluindo a drenagem do Vale de Chianna.
Também colaborou na
publicação da primeira edição das obras de Galileu Galilei (1718), publicou uma
versão italiana dos "Elementos" de Euclides (1731), aconselhou o Papa
Clemente sobre a reforma do calendário e introduziu na Itália as ideias de
Gottfried Leibniz sobre cálculo.
Admirado também no
exterior, tornou-se membro da prestigiada Royal Society of London em 1709,
depois de Isaac Newton publicar seu trabalho sobre teoria musical.
Uma de suas obras mais
admiradas foi o estudo da rosa polar, uma família de curvas que lembram flores,
que chamou de rhodoneas (do grego rhodon, rosa), em seu livro "Flores
Geometrici" (1725).
Mas foi uma outra obra
sua que despertou não só o interesse de seus pares, mas também uma acalorada
polêmica em torno da série que leva seu nome.
• 0, 1, 1/2
O livro, publicado em
1703 e com o título de “Quadratura do Círculo e da Hipérbole”, continha um
resultado que chamou bastante atenção.
Grandi estudou aquela
soma infinita de 1 − 1 + 1 − 1 + · · ·
E observou que
adicionando parênteses, chegava-se a resultados diferentes.
(1 - 1) + (1 - 1) + (1
- 1)... resultava em 0 + 0 + 0..., que é igual a 0.
Mas se fosse escrito
assim: 1 + (- 1 + 1) + (- 1 + 1) + (- 1 + 1)... então a soma seria 1 + 0 + 0 +
0..., o que daria 1.
Isso por si só já era
surpreendente.
Mais surpreendente
ainda foi ele afirmar que a soma de infinitos 0s é igual a 1/2.
Grandi preferiu
explicar esse resultado com uma parábola em que imaginava dois irmãos que
herdaram dos pais uma joia valiosa.
Eles foram proibidos
de vendê-la e dividi-la à metade destruiria seu valor.
Os irmãos concordaram
que alternariam a propriedade da joia, trocando todo dia de Ano Novo.
Supondo que o acordo
continuasse indefinidamente, então, do ponto de vista de cada irmão, a
propriedade da joia pode ser representada pela série
1 − 1 + 1 − 1 + · · ·
Assim, cada irmão
possui a joia pela metade do tempo, então o valor desta série seria 1/2.
Você pode ficar
surpreso, mas vários matemáticos relevantes da época concordaram que essa era a
resposta.
O renomado Leibniz
chegou à mesma conclusão por outros métodos e declarou que 1/2 era a resposta
que lhe parecia correta, embora reconhecesse que o argumento era mais
"metafísico do que matemático".
O suíço Leonhard
Euler, um dos maiores e mais prolíficos matemáticos de todos os tempos, fez
seus próprios cálculos e escreveu em 1760:
“Não pode restar
dúvida de que, de fato, a série 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + etc. e a fração 1/2 são
quantidades equivalentes e que é sempre permitido substituir uma pela outra sem
erro."
Tal como eles, outros
matemáticos em toda a Europa discutiram a série infinita, chegando a suas
próprias conclusões.
Mas um deles, em
particular, não gostou muito das ideias de Grandi.
• Do nada a tudo
Alessandro Marchetti
(1633 - 1714) era o professor de matemática na Universidade de Pisa e
ressentiu-se da fama internacional de Grandi.
Tentando
desacreditá-lo, criticou duramente seu livro.
Em resposta, Grandi
publicou uma segunda edição de "Quadratura..." em 1710.
Mas desta vez ele foi
autorizado a incluir um comentário que os censores haviam exigido que fosse
removido da versão anterior, condição com a qual ele concordou, não sem
relutância.
Era uma afirmação
ainda mais surpreendente do que os resultados que ele tinha obtido.
Sua reflexão foi de
que ao se adicionar parênteses à expressão 1 − 1 + 1 − 1 + · · · era possível
obter, de maneiras diferentes, 1 ou 0, “então a ideia de criação ex nihilo era
perfeitamente plausível”.
A criação ex nihilo é
a criação a partir do nada.
Além disso, se uma
quantidade finita podia ser obtida a partir de uma soma infinitamente
prolongada de zeros, era necessário “reconhecer aquele poder infinito”, uma
força que mesmo “multiplicando o que em si não é nada, transforma-o em algo, da
mesma forma que, dividindo uma magnitude finita, força-a a degenerar em
nada."
E tinha sido “pelo
poder infinito do Deus Criador que todas as coisas foram feitas do nada, e
todas as coisas podem ser reduzidas ao nada”.
Assim, Grandi parecia
ter chegado a uma prova matemática de que Deus havia criado tudo do nada.
É claro que isso
serviu para jogar lenha na fogueira: Marchetti publicou então um ataque a essa
segunda edição em 1711, ao qual Grandi respondeu com outro artigo em 1712.
A polêmica continuou
até a morte de Marchetti, em 1714.
O interesse pela série
de Grandi, no entanto, persistiu.
Embora seus argumentos
não resistam ao escrutínio matemático moderno, existe um marco para somas
infinitas em que a série de Grandi é igual a 1/2.
É conhecida como soma
de Cesàro, em homenagem ao matemático italiano Ernesto Cesàro, do final do
século XIX.
No entanto,segundo
diversas fontes, a opinião geral dos matemáticos hoje é que o valor da série de
Grandi não é 1, nem 0, nem 1/2: o resultado dessa soma infinita é nenhum.
Mas, se fosse algum,
seria 1/2.
Fonte: BBC Future
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