terça-feira, 24 de setembro de 2024

Os 5 dados assustadores sobre o clima extremo ligados ao aumento do calor na Terra

Eventos climáticos extremos idealmente deveriam ser acontecimentos raros, que incluem ondas de calor e de frio, enchentes, secas, tornados e ciclones tropicais, diz a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a agência especializada da Organização das Nações Unidas para assuntos meteorológicos.

As características do que é chamado de "clima extremo", no entanto, podem variar de um lugar para outro, mas – de forma geral –apresentam características fora do usual em termos de "magnitude, localização, momento ou extensão", detalha a fonte.

Por isso mesmo, dados publicados pela OMM acendem um sinal de alerta. Eles mostram que os eventos climáticos têm ocorrido de forma cada vez mais frequente e em uma intensidade que os cientistas não esperavam. "A mudança climática induzida pelo homem, além da variabilidade climática natural, incluindo eventos extremos mais frequentes e intensos, causou impactos adversos generalizados e perdas e danos relacionados à natureza e às pessoas", detalha também o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (da sigla IPCC, em inglês), de 2022.

De olho nesse cenário, National Geographic separou cinco pontos que mostram como o clima está sob pressão em decorrência do aquecimento global.

•        1. Se a temperatura da Terra aumentar 1°C o resultado será… Enchentes

Segundo a OMM, a projeção é de que "para cada 1°C de aquecimento global aconteça um aumento de 7% nas chuvas diárias extremas".

Por isso, é importante limitar a já prevista mudança climática em, no máximo, 1,5 °C em vez de 2°C, o que resulta em "420 milhões de pessoas a menos no mundo expostas com frequência aos impactos de eventos extremos".

•        2. Viver em um mundo com temperaturas acima dos 40°C já é realidade

A OMM alerta que serão cada vez mais comuns temperaturas extremas de mais de 40°C e até de 50°C em todo o mundo.

Somente este ano, por exemplo, três cidades no Paquistão tiveram temperaturas superiores aos 50°C quando o país foi atingido por uma onda de calor no último mês de maio, como informou o Centro Nacional de Meteorologia paquistanês.

Já no México, também em maio de 2024, o Ministério da Saúde local confirmou a morte de mais de 20 pessoas em decorrência de uma onda de calor que elevou a temperatura no país para acima dos 45°C em diversas regiões.

Dados do observatório europeu Copernicus mostram que em 22 de julho de 2024 a temperatura média global diária atingiu um novo recorde de alta: chegou a com 17,15°C, superando os registros anteriores de 17,09°C em 21 de julho de 2024, e os 17,08°C de 6 de julho de 2023, explica a OMM sobre os últimos dados da fonte europeia.

•        3. Tornados e furacōes já impactam 200% mais pessoas globalmente

O número é chocante: 200% é a porcentagem de quanto aumentou o total da população que vive em regiões propensas a ciclones tropicais.

Para a temporada de ciclones de 2024 no Atlântico norte, por exemplo, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA) prevê um aumento acima da média na formação de furacões.

"O alto conteúdo de calor oceânico e o desenvolvimento previsto do La Niña devem alimentar uma temporada de furacões acima da média", afirma a OMM.

•        4. Ondas de calor que duram dias a fio devem ser o "novo normal"

A agência meteorológica da ONU ressalta que é bom o mundo se preparar para a ocorrência de ondas de calor muito mais extensas do que se "considerava normal".

"Em 2022, uma onda de calor na China durou mais de 70 dias, tornando-se a pior já registrada no país", detalha a OMM. Já no Reino Unido, ondas de calor "quebraram o recorde nacional anterior de 38,7°C", diz a fonte, elevando a temperatura para 40.3°C.

O resultado de ondas de calor tão longas assim são secas, incêndios, inundações repentinas e poluição do ar – "o que causa impactos combinados nas pessoas e na natureza", diz a OMM. 

•        5. Clima extremo nas cidades: temperaturas podem subir de 5°C to 10°C em grandes centros urbanos

A entidade da ONU para o clima alerta ainda que "áreas urbanas podem ser até 5°C a 10°C mais quentes do que as áreas vizinhas", ou seja, locais com menos aglomerados de pessoas.

Esse registro reforça os riscos decorrentes das ondas de calor para milhares de pessoas. "As ondas de calor se espalharam rapidamente para novas regiões do globo e ocorrem em épocas do ano fora do usual", diz a fonte.

O IPCC afirma que, "com a continuação do aquecimento global, podemos esperar um aumento na intensidade, na frequência e na duração das ondas de calor", finalizam os dados da OMM.

 

•        Como o clima extremo propício para incêndios tem o potencial de resfriar o planeta

O calor extremo costuma provocar queimadas florestais graves. Nos Estados Unidos e do Canadá, ondas de calor sem precedentes alimentaram enormes focos de incêndios, assim como na região do Mediterrâneo e na Sibéria. Mas, paradoxalmente, incêndios florestais mais intensos podem provocar o efeito oposto nas temperaturas ao resfriar a superfície terrestre, tanto em nível regional quanto global.

A fumaça densa dos incêndios bloqueia temporariamente a luz solar, que não atinge o solo, e pode fazer com que as temperaturas regionais diminuam vários graus. A fumaça de incêndios florestais também pode causar o resfriamento global ao aumentar a reflexividade das nuvens presentes na camada mais baixa da atmosfera ou bloquear a penetração da luz do sol na camada mais alta da atmosfera, semelhante ao efeito causado por erupções vulcânicas.

Cientistas passaram a analisar esses efeitos recentemente, sendo que o primeiro registro de resfriamento global induzido pela fumaça de incêndios florestais detectado por pesquisadores ocorreu na Austrália, nos anos de 2019 e 2020. O efeito é muito pequeno comparado ao aquecimento global causado por humanos e pesquisadores afirmam ser muito cedo para prever seu papel no sistema climático como um todo.

Porém, com temporadas de incêndios cada vez mais intensas em todo o mundo e o desencadeamento de ondas de clima propício para incêndios na América do Norte e em outros lugares durante o verão, a busca por respostas tornou-se cada vez mais urgente.

“Está muito claro que pesquisas relacionadas ao efeito dos incêndios florestais no clima são relevantes”, afirma Sergey Khaykin, especialista em climas propícios para incêndios da Universidade Sorbonne, na França.

<><> Céu mais escuro, nuvens mais claras

Um coquetel de partículas minúsculas, vapor de água e gases é lançado no ar cada vez que um incêndio florestal ocorre. Carregada pelo vento, a fumaça desses incêndios pode poluir o ar em um raio de centenas a milhares de quilômetros.

Moradores do nordeste dos Estados Unidos foram os primeiros a observar esse efeito, em meados de julho de 2023, quando uma onda de fumaça proveniente de um incêndio florestal no sul do Canadá flutuou sobre as cidades de Nova York, Filadélfia e Washington D.C., avermelhando o pôr do sol e desencadeando alertas sobre a qualidade do ar.

No fim de julho, a fumaça causada por incêndios florestais canadenses espalhou-se pelo estado de Minnesota, causando níveis “sem precedentes” de poluição do ar. Há pouco tempo, a cidade de Atenas também sofreu com a fumaça causada por incêndios florestais que assolaram áreas próximas. Atualmente, o Dixie Fire é o maior incêndio do estado da Califórnia, que destruiu mais de 100 casas e arrasou uma cidade histórica.

Além de ser prejudicial à saúde, a fumaça densa de incêndios florestais que pairam perto do solo pode bloquear a luz em níveis suficientes para reduzir as temperaturas da superfície. Desde meados da década de 1950, cientistas tem mensurado esse efeito ao comparar as temperaturas em dias de fumaça intensa com as temperaturas previstas para ocorrer na ausência dela.

“O efeito varia dependendo da distância da origem do incêndio, do seu tamanho e da quantidade de fumaça gerada”, explica Robert Field, cientista pesquisador do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa. Mas, quando a fumaça do incêndio é espessa o suficiente, continua Field, “é possível obter um breve efeito de resfriamento de cinco graus Celsius”.

Field descreve esses efeitos de resfriamento como “ocasionais” e “quase uma curiosidade acadêmica” se comparados aos impactos da fumaça de incêndios florestais na saúde pública. No entanto pesquisas realizadas durante a temporada de incêndios florestais de 2019 e 2020 na Austrália apontam outra maneira, potencialmente muito mais significativa, através da qual a fumaça de incêndios florestais pode resfriar a superfície terrestre.

Em um estudo publicado recentemente na revista científica Geophysical Research Letters, cientistas do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica relataram que os incêndios australianos produziram tanta fumaça na atmosfera do Hemisfério Sul a ponto de desencadear um efeito de resfriamento global “forte e rápido” de cerca de 0,06 grau Celsius.

De acordo com o principal autor do estudo, John Fasullo, isso ocorreu devido à maneira com que as partículas de fumaça interagiram com as nuvens na camada mais baixa da atmosfera, ou troposfera.

Partículas de fumaça agem como sementes para o vapor d’água formar gotículas, resultando em nuvens menores, com mais gotículas e que refletem mais luz solar. Mesmo que as nuvens não retenham a fumaça por muito tempo, os incêndios florestais australianos duraram meses, lançando mais e mais fumaça na atmosfera, tornando as nuvens mais claras.

“Não é um efeito impactante, mas ao abranger o Oceano Antártico inteiro, ele se torna cumulativo”, comenta Fasullo.

De fato, o impacto parece ter se propagado por todo o sistema climático. Modelos criados por pesquisadores mostraram que, no Hemisfério Sul, o resfriamento induzido pela fumaça alterou a rota de um cinturão crítico de tempestades tropicais, a Zona de Convergência Intertropical, movendo-a mais ao norte.

Fasullo diz que essa mudança pode ter contribuído para os efeitos do fenômeno La Niña no ano passado, que esfriou a temperatura da superfície do oceano na região do Pacífico Equatorial Oriental, embora mais pesquisas sejam necessárias para confirmar essa hipótese.

No entanto, de acordo com Fasullo, não restam dúvidas de que “incêndios florestais podem gerar uma condição climática própria ou instigar uma resposta climática”.

<><> Clima alimentado pelo fogo

A pesquisa de Fasullo destaca os efeitos de resfriamento na camada mais baixa da atmosfera provocados pela fumaça, mas ocasionalmente ela rompe a troposfera e chega à estratosfera, camada atmosférica que tem início a cerca de 16 quilômetros de altura. Nesse ponto, é possível ocorrer efeitos adicionais no clima.

A fumaça atinge a estratosfera quando o calor provocado por um incêndio intenso cria uma corrente ascendente que se combina com a umidade da atmosfera gerando nuvens carregadas. Conhecidas como pirocúmulos, essas nuvens alimentadas pelo fogo podem atuar como chaminés, canalizando a fumaça até a camada mais alta da atmosfera, onde ela pode circundar o planeta e permanecer lá durante meses.

Esse efeito aconteceu na Austrália, no fim de 2019 e início de 2020, quando uma “grande rajada” inédita de 38 pirocúmulos impulsionou cerca de um milhão de toneladas métricas de fumaça até a estratosfera inferior. Uma pesquisa conduzida por Khaykin e publicada em setembro passado mostrou que a fumaça formou uma sombra sobre a superfície da Terra por vários meses, provavelmente produzindo um pequeno efeito adicional de resfriamento global, além de clarear as nuvens.

Há indícios de que a temporada de incêndios no oeste da América do Norte, em 2021, tenha começado de forma intensa, com os meses de junho e julho apresentando temperaturas excepcionalmente quentes e diversos incêndios florestais na Califórnia, noroeste do Pacífico e Colúmbia Britânica. Além dos incêndios, cientistas testemunharam uma torrente de pirocúmulos, começando com uma enorme nuvem de fogo na Colúmbia Britânica em 30 de junho, que expeliu fumaça a uma altura de cerca de 16 quilômetros. Esse evento deu início “ao que se tornou uma onda de nuvens pirocúmulos que durou vários dias”, conta David Peterson, cientista do Laboratório de Pesquisa Naval e pesquisador desse tipo de nuvem.

Entre o fim de maio e o dia 2 de agosto, o Canadá testemunhou 49 formações de eventos de pirocúmulos, incluindo uma rajada de dez nuvens no dia 15 de julho, que ocupa o segundo lugar no ranking de grandes eclosões australianas, em termos de número de tempestades de fogo que ocorreram durante um único episódio. Outras 21 nuvens pirocúmulos se formaram na região continental dos Estados Unidos durante o verão. Peterson afirma que, se analisados em conjunto, este é o maior número de nuvens pirocúmulos observadas na América do Norte desde 2013, ano em que cientistas começaram a manter registros detalhados deste fenômeno.

Khaykin, que assim como outros cientistas na Sibéria está rastreando a formação de nuvens pirocúmulos, afirma que até o momento elas lançaram consideravelmente menos fumaça na estratosfera do que a eclosão australiana do ano passado. Mas a situação pode mudar, já que ainda faltam vários meses para o fim da temporada de incêndios florestais e condições quentes e secas persistem em grande parte do Ocidente.

Khaykin acrescenta que, enquanto a rajada australiana de nuvens pirocúmulos propagou fumaça para altitudes excepcionalmente altas, neste ano, a fumaça está sendo injetada na parte inferior da estratosfera, local onde as nuvens cirros se formam. Ele explica que isso pode levar a uma “interação melhor de nuvens de aerossol” na estratosfera, “fenômeno realmente pouco conhecido”.

“Ainda estamos começando a compreender a magnitude e a importância dos efeitos dos incêndios florestais”, ele conclui.

 

Fonte: National Geographic Brasil

 

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