A planta com 'cheiro de morte' que atrai
multidões quando floresce
Estou em uma fila de
pessoas caminhando lentamente por um caminho sinuoso, dentro de uma estufa
quente e com cheiro de mofo.
Observamos coleções de
plantas carnívoras e passamos por baixo de rododendros suspensos. Mas todos nós
estamos aqui com um único objetivo: observar a flor-cadáver aberta.
Esta enorme planta do
outro mundo, com seu cheiro característico, atrai a imaginação das pessoas,
inspirando admiração há séculos. Mas foi somente nos anos 1990 que os
pesquisadores começaram a examinar sua estranha anatomia com mais detalhes.
Eu nunca havia visto
um exemplar antes. Quando fiz uma curva, lá estava ela, na estufa seguinte: uma
longa espiga de tom amarelo-claro, que emerge do que parece ser uma enorme
pétala verde grossa e enrugada com borda lilás, até atingir vários metros de altura.
A visão fez com que eu
me protegesse contra o infame odor antes que ele me atingisse – a razão do seu
nome "flor-cadáver".
Estou no Jardim
Botânico Real de Edimburgo (RBGE, na sigla em inglês), a capital da Escócia. E,
pelo menos por alguns dias, a flor-cadáver é a grande atração do local.
A planta tem 22 anos
de idade e recebeu o apelido de "New Reekie" – uma referência ao
antigo nome da capital escocesa, Auld Reekie.
Ela floresceu dois
dias antes da minha visita, mas não dura muito tempo. Por isso, decidi fazer
parte do grupo de cerca de 2 mil pessoas que visitam o jardim para tentar
observar a imensa flor e sentir o cheiro proporcionado por este evento incomum.
New Reekie chegou a
Edimburgo quando era um cormo dormente – uma espécie de caule subterrâneo,
parecido com um tubérculo. Ela já tinha anos de idade e o tamanho de uma
laranja em 2003, quando veio do Horto Botânico de Leiden, na Holanda.
Quando a equipe pesou
o cormo pela última vez, em 2010, eles precisaram tomar emprestada uma balança
normalmente usada para pesar bebês elefantes no zoológico da cidade. Ele
atingiu 153,9 kg, o maior peso já registrado para uma flor-cadáver.
A horticultora do
RBGE, Paulina Maciejewska-Daruk, cuida de New Reekie há 13 anos. Ela conta que,
na verdade, seu cultivo é bastante fácil. "Tudo o que ela precisa é de
alta temperatura, muita água, muito fertilizante e é só deixá-la crescer."
Já a publicidade em
torno da planta é outra questão, segundo ela.
"Depois de tantos
anos, normalmente penso 'oh, ela vai florescer de novo, tenho muitas coisas
para preparar'", ela conta. "Por isso, em vez de ser uma mãe
orgulhosa, eu me sinto como se [perguntando] 'minha filha está pronta para este
mundo enorme?'"
No seu local de origem
(a ilha de Sumatra, na Indonésia), algumas pessoas observam a planta-cadáver
com interesse e fascinação, afirma a botânica Yuzammi, do Centro de Pesquisa de
Biossistemática e Evolução da Indonésia e especialista no gênero Amorphophallus,
ao qual pertence a flor-cadáver.
Mas outras pessoas
observam a flor com ansiedade, medo e preocupação, segundo a botânica. Elas
acreditam em uma velha lenda de que a planta pode fazer mal.
"[Existe uma]
crença errônea de que esta planta pode engolir seres humanos, devido ao padrão
dos pecíolos, que relembram uma cobra", explica Yuzammi.
Mas a flor-cadáver
também tem uma longa história de vida fora da sua ilha nativa.
O botânico italiano
Odoardo Beccari (1843-1920) apresentou a flor à ciência pela primeira vez em
1878. Ele visitou Sumatra e enviou relatórios e desenhos da planta para a
Europa, cuidadosamente ignorando todo o conhecimento local sobre a flor
existente na ilha. Beccari também enviaria tubérculos da flor posteriormente.
A flor-cadáver logo
seria adorada pelos vitorianos – especialmente depois de 1889, quando floresceu
pela primeira vez em cultivo no Kew Gardens, o Jardim Botânico de Londres.
Na sua segunda
floração, em 1926, ela atraiu multidões tão numerosas que foi preciso chamar a
polícia para manter a ordem. E, desde então, as flores-cadáver se espalharam
por jardins botânicos em todo o mundo.
A flor passou a chegar
às manchetes da imprensa periodicamente durante sua floração, que ocorreu
apenas 21 vezes em todo o mundo até 1989.
• Os muitos nomes da flor-cadáver
O nome científico da
flor-cadáver é Amorphophallus titanum. Ele é derivado do grego antigo e
significa "pênis deformado gigante".
Mas as pessoas se
divertem criando todo tipo de apelido para a flor-cadáver. Muitas vezes, elas
fazem referência ao seu cheiro ou formato.
Na Indonésia, ela é
conhecida como bunga bangkai ("flor-cadáver"). Em inglês, além de
corpse plant ("planta-cadáver"), ela pode ser chamada de carrion
plant ("planta-carniça"), titan's penis ("pênis do
gigante") ou simplesmente giant penis plant ("planta do pênis
gigante"). Em português, ela também é conhecida como jarro-titã.
Os jardins botânicos
também gostam de dar seus próprios nomes aos seus espécimes. Além de New
Reekie, existe a Grimace (Careta), Spike (Espiga), Sprout (Broto), Velvet Queen
(Rainha de Veludo) e, ironicamente para seu tamanho, Baby (Bebê).
• Mas o que há nesta planta que nos causa
tanta fascinação?
Um dos motivos é que a
abertura da inflorescência – o conjunto de flores – da flor-cadáver em cultivo
ainda é um evento relativamente raro.
Ela costuma levar
cerca de 11 a 15 anos para produzir suas primeiras flores, segundo Yuzammi,
devido à enorme quantidade de energia necessária para produzir uma estrutura de
floração daquele tamanho.
O imenso tamanho da
flor-cadáver é uma relativa singularidade botânica.
Pesquisas descobriram
que o gigantismo floral é mais comum em espécies polinizadas por besouros ou
moscas necrófagas. Possivelmente, isso ocorre porque o gigantismo permite que
elas imitem melhor o calor e o tamanho das grandes carcaças de animais, além de
capturar temporariamente esses polinizadores.
O resultado é que a
flor-cadáver precisa passar por diversos estágios de vida, até ter a esperança
de reunir energia suficiente para florescer.
Nas plantas jovens,
seu primeiro ciclo de vida varia entre períodos dormentes e de formação de
folhas. Não há presença de flores em nenhum destes estágios.
A planta usa o estágio
de formação de folhas para reunir energia. O "caule" permanece
embaixo da terra, enquanto a estrutura acima do solo, às vezes confundida com
uma árvore, na verdade, é uma folha gigante, da qual brotam pequenos folíolos.
Já na fase dormente,
apenas o cormo permanece embaixo da terra e a planta vive das reservas de
energia acumuladas durante seu "estado de repouso", explica Yuzammi.
O processo se repete
até que a planta consiga reunir energia suficiente para florescer – e é aí que
as aparências enganam.
"A flor que
mereceu tanto reconhecimento público, na verdade, não é uma flor real",
conta Yuzammi. "O componente colorido não são... pétalas, mas sim um meio
de atrair insetos polinizadores e servir de estrutura protetora durante o
processo de fertilização."
A enorme estrutura em
forma de flor é chamada de espata. Já as flores reais são pequenas e numerosas.
Elas aparecem no fundo dos longos espádices amarelos – as flores fêmeas embaixo
e os machos, em cima.
Ou seja, a
flor-cadáver não é, nem de longe, a maior flor do mundo. Ela é a maior
estrutura de floração sem galhos do planeta.
Depois de alguns
alarmes falsos, New Reekie floresceu pela primeira vez em 2015, quando tinha 13
anos de idade. Desde então, ela floresce a cada dois ou três anos e minha
visita ocorreu na sua quinta floração.
Ao longo do tempo, os
horticultores que cuidam da planta também passaram a conhecê-la melhor.
"Desta vez, eu e
meu colega conseguimos prever especificamente o dia em que ela irá abrir",
conta Maciejewska-Daruk. "É claro que nunca temos 100% de certeza, mas,
desta vez, nossa previsão foi precisa."
E existe o famoso
cheiro. Durante a floração, o longo espádice amarelo da flor-cadáver emite um
odor forte e penetrante.
Infelizmente, fiz
minha visita a New Reekie muito tarde para sentir seu cheiro. Mas o que não
falta são descrições bastante detalhadas. Para Maciejewska-Daruk, por exemplo,
"é horrível".
"Diferentes
pessoas têm percepções diferentes do cheiro, como peixe podre ou meias com
cheiro muito forte. Para mim, o odor é de um cesto de lixo abarrotado de
comida."
Outros descrevem um
cheiro fétido, como urina, queijo azedo ou esterco.
A professora de
engenharia química e biológica Jane Hill, da Universidade da Colúmbia
Britânica, no Canadá, não acha que o odor seja muito parecido com a maioria dos
cadáveres de animais. "Para mim, é um cheiro pungente, mais parecido com
um rato morto e dissecado", ela conta.
Em um estudo de 2023,
Hill e seus colegas se puseram a analisar as moléculas voláteis por trás do
odor das flores, machos e fêmeas. Eles usaram equipamentos altamente sensíveis,
normalmente empregados para procurar biomarcadores de doenças no hálito humano.
Durante a amostragem,
Hill observou que a planta emitia as moléculas em pulsos que duravam apenas
alguns segundos.
"Nosso estudo
descobriu 32 novas moléculas e demonstrou que as flores, machos e fêmeas,
emitem tipos diferentes de compostos e, às vezes, os mesmos compostos",
explica Hill.
Diferentes odores
produzidos ao longo do tempo podem atrair insetos diferentes, segundo ela.
"Como uma planta descobriu que deveria cheirar como um animal morto e
nojento para se reproduzir?"
Aquele forte odor está
ali para fazer os polinizadores pousarem no que eles pensam que é carne
apodrecida, movimentando o pólen entre as flores machos e fêmeas de diferentes
plantas.
No caso da
flor-cadáver, todas elas têm flores dos dois sexos. Os machos ficam
posicionados acima das fêmeas sem pétalas, sobre o espádice amarelo.
O cheiro também é
muito mais forte à noite, segundo Yuzammi, quando as flores também amadurecem.
Afinal, é neste período que os polinizadores são mais ativos.
Existem relatos de que
o odor atrai outros insetos que se alimentam de carniça, como besouros, baratas
e moscas. E já foram observadas abelhas sem ferrão visitando a planta no seu
ambiente natural.
Também já foram
encontrados insetos que usam a planta como local de acasalamento. Mas ainda não
se sabe exatamente quais são as espécies responsáveis pela polinização da
flor-cadáver.
• A outra flor-cadáver
Uma forte concorrente
à fama da flor-cadáver é a Rafflesia arnoldii, outra planta de floração imensa.
Natural de Sumatra, ela também produz cheiro de carne apodrecida.
Em outros idiomas, ela
também costuma ser chamada de flor-cadáver ou de lírio-cadáver-malcheiroso.
Mas, em português, ela é simplesmente raflésia.
Embora ela costume ser
confundida com a flor-cadáver, não existe nenhuma relação entre as duas
plantas.
Ao contrário da
flor-cadáver, a raflésia é parasitária. Ela gera uma única flor de um metro de
diâmetro – esta, sim, a maior flor do mundo.
• Aquecedor
A flor-cadáver tem
ainda outro truque estranho na manga para ajudar a atrair os insetos: ela
irradia calor.
"Ele ajuda a
expelir o odor, o calor ajuda a atrair os polinizadores", segundo o
botânico e taxonomista do RBGE Peter Wilkie. Ele trabalhou em Sumatra por mais
de 30 anos e eu o visitei no seu escritório, atrás do enorme herbário no
jardim.
"E precisa também
ser muito quente, se você lembrar que ela fica nos trópicos [onde] a
temperatura ambiente é muito alta e é muito úmido", destaca Wilkie.
A flor-cadáver emite o
calor em pulsos sincronizados com a liberação do seu odor especial. Pesquisas
demonstraram que este calor pode atingir até 36 °C, o que é próximo da
temperatura do corpo humano.
E alguns cientistas
afirmam que a cor lilás da sua espata também ajuda a aumentar a semelhança com
carne apodrecida.
Mas é preciso observar
que a flor-cadáver não é uma planta carnívora. Ela atrai os insetos para
polinização, não para devorá-los.
"Sempre que ela
floresce, fico surpresa ao ver quantas pessoas têm certeza de que ela está
comendo, matando os insetos", conta Maciejewska-Daruk.
• Risco de extinção
A biologia única e o
tamanho gigantesco da flor-cadáver deram a ela uma reputação que poucas outras
plantas possuem. Mas, apesar de todo o alvoroço em torno da inflorescência em
dezenas de jardins botânicos de todo o mundo, nem tudo vai bem para a flor-cadáver
no seu ambiente nativo.
Em 2015, depois que
cerca de 20 mil escoceses formaram fila no lado de fora das estufas apenas para
observar a flor-cadáver, Wilkie ficou surpreso ao perceber que a planta nunca
foi avaliada para inclusão na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação
da Natureza (UICN).
"A lista vermelha
da UICN é uma espécie de padrão-ouro da determinação de ameaças às
espécies", explica ele. "E esta espécie emblemática nunca havia sido
avaliada."
Ele trabalhou com
Yuzammi e com a horticultora do RBGE Sadie Barber para realizar a avaliação.
Seu estudo foi publicado em 2018 e define a planta como ameaçada.
Descobriu-se que, em
Sumatra, a população da espécie sofreu redução estimada de 50% nos últimos 90 a
150 anos. Agora, existem menos de 1 mil plantas maduras em ambiente natural.
O declínio se deve ao
desmatamento ilegal, à transformação de florestas em terras agrícolas e aos
desastres naturais, segundo Yuzammi. Ela acrescenta que outra ameaça é o mito
local de que ela engole seres humanos, além da coleta ilegal para medicina alternativa.
A tábua de salvação da
planta, segundo Wilkie, é que ela ainda é relativamente comum em Sumatra. E ela
gosta de crescer em áreas abertas, como faixas de desmatamento, não em
florestas primárias intocadas.
Yuzammi destaca que a
planta agora é protegida pela legislação da Indonésia.
Atualmente,
pesquisadores indonésios estudam a diversidade genética na natureza, segundo
Wilkie. Mas a determinação também aumentou a pressão sobre as plantas
cultivadas nos jardins botânicos, que formam uma importante reserva genética.
Os cientistas
publicaram pela primeira vez a sequência genética completa da flor-cadáver em
2022. Mas existe a preocupação de que muitas ou, talvez, todas as plantas
mantidas em jardins botânicos possam ser parentes entre si.
"Existe grande
possibilidade de que todas elas sejam descendentes da mesma planta",
afirma Maciejewska-Daruk.
Os cientistas agora
usam métodos de criação de animais para conservar a planta-cadáver. Eles
empregam um sistema similar aos "livros genealógicos" dos animais.
A planta de Edimburgo
foi fertilizada durante sua floração de 2019 utilizando pólen fresco,
rapidamente transportado de uma planta da mesma espécie que estava florescendo
na região inglesa da Cornualha.
Os frutos ovais
vermelhos da flor-cadáver, do tamanho de seixos, surgem nove meses depois da
fertilização. Cada um deles contém duas sementes.
Na natureza, pássaros
como o calau-rinoceronte comem os frutos e espalham as sementes. Mas a produção
de frutos é muito cansativa para o cormo, segundo Maciejewska-Daruk.
"Por isso, sempre
existe o risco de morte do cormo depois de produzir frutos", ressalta ela.
A estufa do RBGE
mantém descendentes de New Reekie com diferentes tamanhos. Eles foram
produzidos sexualmente após a fertilização e também de forma assexuada, por
meio da produção de clones.
Mas, desta vez, ela
não foi fertilizada e, quando a visitei de novo, a aparência da planta era
muito menos imponente do que antes.
Ela havia pendido para
um lado alguns dias depois da minha primeira visita. Tudo o que resta, três
semanas depois, é um amarrotado conjunto de material vegetal marrom-amarelado
em decomposição.
Maciejewska-Daruk cava
a terra do vaso e ela sai totalmente do cormo. A planta está entrando mais uma
vez no seu estágio dormente. A próxima oportunidade de ver o espetáculo pode
surgir apenas daqui a vários anos.
"A cada vez que
assistimos e a observamos, fazemos coletas e aprendemos um pouco mais sobre
como ela funciona", afirma Wilkie. "E tudo isso nos faz entender como
podemos ajudá-la a florescer na natureza."
Fonte: BBC Future
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