“Sala ou sauna?”: alunos e professores
sofrem com calor extremo no Rio de Janeiro
São 12h30. O intervalo
do almoço se encerra. Em meio a um calor de 38 graus, em Guaratiba, bairro da
zona oeste do Rio de Janeiro, 35 crianças de 11 a 14 anos correm pela rampa de
acesso até chegar na sala de aula, sem ventilador e ar-condicionado.
“Professora, é sala ou
sauna?”, pergunta um dos alunos de Thamires*, que prefere não ser identificada.
Anos atrás, a dúvida do garoto era interpretada por ela apenas como uma
brincadeira.
Guaratiba tem
registrado recordes de temperaturas na cidade. Neste ano, em janeiro, segundo o
Sistema Alerta Rio, órgão meteorológico da prefeitura, a região atingiu
sensação térmica de 59,5 °C. Em março, chegou a 62,3 ºC.
Na segunda semana de
setembro, o problema se repetiu. Os termômetros na região chegaram a marcar 38
ºC, problema agravado pela baixa umidade e fumaça das queimadas que cobriam o
Brasil.
“Eu me sinto sufocada.
Seja literalmente pelo ar poluído que temos respirado nesses últimos dias, seja
por me sentir impotente durante as aulas. Eu ensino, faço atividades, mas os
alunos não compreendem a dimensão do que temos passado. Ouvem em casa que [o
calor] faz parte da natureza do Rio”, diz Thamires.
<><> Por
que isso importa?
• Regiões do Rio como Guaratiba têm
registrado recordes de calor com maior frequência, com sensação térmica
passando dos 60ºC.
• Levantamento do ano passado feito pelo
Sindicato de Professores da Rede Pública do Rio de Janeiro mostra que 168 escolas
e creches reclamaram da falta de ventiladores e ar-condicionado.
<><>
Problema histórico
Há 11 anos, antes de
ser professora de história no ensino fundamental da escola municipal localizada
em Guaratiba, Thamires* foi diretora da mesma escola. Mesmo assumindo um cargo
de gestão, ela conta que a climatização das salas de aula, na época, já não era
vista como uma necessidade fundamental pela Secretaria Municipal de Educação.
“Inúmeras foram as vezes que solicitei para a instalação dos ar-condicionados.
Informavam que eu precisava ter paciência, que deveria agradecer pela entrega
dos dez aparelhos. Como ter paciência sabendo que crianças da educação infantil
choravam com o excesso de calor na hora do soninho?”, diz.
Saindo da direção e
assumindo a sala de aula, ela conta que os mesmos ares-condicionados ainda
permanecem sem instalação. Segundo ela, estão hoje num depósito da escola à
espera de serem instalados após a reforma no quadro geral da rede elétrica da
unidade, que segue com atrasos. “Mais que desperdício público, é uma atitude
desumana. Tão importante quanto um piloto e um quadro, hoje em dia é uma sala
de aula climatizada.”
Para além do suor
escorrendo pelo corpo, ela percebe que as crianças tendem a ficar mais
desatentas e violentas. “Tem aluno que me diz: ‘Tia, é melhor faltar aula e
ficar em casa, que lá pelo menos tem ventilador’. Isso afeta minha relação com
a sala de aula, altera o meu humor, transpiro muito, tenho vergonha tanto disso
quanto de ver aluno meu faltando pelo mínimo que uma escola deveria ter.”
A quantidade de
escolas sem ar-condicionado no Rio é motivo de disputa. A reportagem questionou
a prefeitura sobre quantas são, que não respondeu até a publicação. A
Secretaria Municipal de Educação informou que “nesta gestão do prefeito Eduardo
Paes foram investidos R$ 179,6 milhões em climatização.” Também disse que
“97,2% das unidades estão climatizadas” e que “já foram adquiridos mais de 6000
aparelhos de ar-condicionado”. Segundo os dados do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2023, 12,4% das
escolas do município não possuíam climatização.
Em um levantamento de
novembro de 2023 realizado pelo Sindicato de Professores da Rede Pública do Rio
de Janeiro (Sepe), 168 escolas e creches questionam a falta de ventiladores,
ar-condicionado e manutenção dos bebedouros nas escolas municipais e estaduais
do município.
Em algumas unidades, a
climatização também foi reivindicada nas cozinhas, sob a justificativa de que
as merendeiras estavam passando mal por conta do calor. “A cozinha da escola,
no verão, atinge mais de 50 ⁰C na hora que estamos preparando a merenda. Isso é
insustentável! Uma escola não se resume apenas a sala de aula”, explica uma
merendeira que atua numa escola municipal em Bangu.
Hoje, após um ano, a
categoria não enxerga nenhum avanço. Na segunda semana de setembro, uma
assembleia foi realizada na sede do sindicato, com a presença de 50
professores, a fim de discutir a climatização das escolas, após novas
reclamações. Os nove candidatos à prefeitura foram convidados para participar
da reunião. Apenas três compareceram: Tarcísio Motta (PSOL), Juliete Pantoja
(UP) e Paula Falcão, candidata à vice na chapa do Cyro Garcia (PSTU). Ao final
da assembleia, uma carta foi encaminhada para todas as candidaturas, exigindo
melhorias na educação, entre elas a climatização das escolas.
“Diversas reuniões
foram solicitadas com o secretário municipal de Educação, Renan Ferreira.
Nenhuma das vezes ele compareceu, apenas seus assessores. Se não tem
responsabilidade com suas atribuições, com os alunos, educadores e
funcionários, por que aceita a função?”, questiona Helenita Bezerra, uma das
coordenadoras do Sepe. A reportagem questionou a prefeitura sobre a
participação do secretário, que não respondeu até a publicação.
Bezerra explica que a
última reunião realizada neste ano foi solicitada em caráter emergencial para
discutir a violência nas escolas do Complexo da Maré. Ferreirinha, como é
conhecido o secretário de Educação, não compareceu.
• Com calor e sem água
As dificuldades
provocadas pelo calor não se restringem apenas às salas de aula. Joniel* é
professor de educação física de uma escola municipal localizada na Vila
Kennedy, bairro vizinho a Bangu, que atende crianças de 1 a 13 anos, da
educação infantil até o ensino fundamental. A região de Bangu é historicamente
uma das com as maiores temperaturas no município do Rio de Janeiro. Inclusive,
desde 2004, o bairro não possui uma base meteorológica própria, o que leva a
região de Guaratiba a liderar com as maiores temperaturas.
Apesar de dar 13 aulas
semanais pela manhã e à tarde na quadra poliesportiva, o professor critica a
falta de água na escola, que não dispõe de nenhum banheiro com chuveiros. “Há
20 anos, quando entrei na escola, o vestiário funcionava normalmente, as crianças
tomavam um banho após a aula. Hoje, o vestiário virou um depósito. Por conta do
calor em excesso e da falta de água, passei a ter menos alunos interessados nas
aulas.”
Segundo ele, a falta
de água tem levado à suspensão das aulas pela direção da escola. Além disso, a
situação estaria gerando até mesmo bullying contra as crianças que transpiram
mais.
“Quando é o dia da
aula de educação física, é praticamente impossível dar prosseguimento dentro da
sala regular. Eles retornam muito agitados, suando, gritando uns com os
outros”, conta uma outra professora, que atua numa escola próxima ao Complexo
Penitenciário de Gericinó, antigo Complexo Penitenciário de Bangu. “Pela falta
de água na escola, na semana passada, perdemos três dias de aula. Somente dois
dias tivemos aulas regulares”, acrescenta.
Por conta da
proximidade com o presídio, ela explica que é comum que os alunos filhos de
detentos se refiram ao calor com mais ódio. Isso porque trazem para a sala de
aula reclamações trazidas por seus pais, por vezes, amigos de detentos que
acabaram morrendo por complicações provocadas pelo calor. Em 2018, três
detentas morreram por questões relacionadas, além da falta de água nas celas.
Apesar do material
didático da prefeitura ter uma seção específica sobre as mudanças climáticas, a
professora comenta que “é ainda muito novo”. “Eles [os alunos] não conseguem
ter dimensão desses efeitos. Agora que pararam para perceber que as estações do
ano não são tão bem definidas como trazem os livros, por exemplo”, diz.
• “Tenho perdido a vontade de vir assistir
aula”
Não é apenas nos
bairros mais afastados do centro que registram as maiores temperaturas, que o
calor toma conta das salas de aula. No Ciep Tancredo Neves, escola municipal
localizada no Catete, na zona sul, o problema é o mesmo.
Mesmo estando numa
área considerada de elite, inclusive, a 500 metros da praia do Flamengo, alunos
reclamam diariamente das altas temperaturas. “Com o calor que escorre pelo
corpo tenho perdido a vontade de vir assistir aula”, comenta um aluno de 10
anos de idade. “Fica difícil aprender depois do recreio porque a sala está
muito quente”, diz um outro, de 11 anos. “Adoro ficar na sala do colaboratório
porque lá é geladinho”, conta uma outra aluna, de 7 anos.
A sala a que ela se
refere é a sala de informática, entregue em março de 2023, após a escola se
tornar um Ginásio Educacional Tecnológico (GET). Segundo a professora, o espaço
é o único que possui ar-condicionado em meio a outras 20 salas regulares.
“Eu enxergo [o ginásio
tecnológico] como uma máquina de propaganda eleitoral do prefeito Eduardo Paes.
Basicamente, as escolas que se tornaram GET receberam uma sala com impressora e
computadores, além de um ar-condicionado. Não é nada além disso”, critica um
dos professores do Ciep Tancredo Neves, que prefere não ser identificado.
Atualmente há mais de 200 GETs na cidade do Rio, o primeiro foi inaugurado em
março de 2022. O prefeito Eduardo Paes (PSD) prometeu aumentar para 500, caso
seja reeleito.
O professor descreve
que as salas de aula não foram projetadas para receber ventilação natural,
agravando assim o superaquecimento dos espaços. Além disso, explica que nem
todas as salas possuem ventiladores. O problema também se acentua quando há
falta na manutenção dos bebedouros. Tanto alunos quanto professores e
funcionários acabam precisando trazer água de casa. Segundo ele, a situação
demora alguns dias para que se possa resolver.
“Por isso, muitos
professores desistem. No concurso que entrei, cinco colegas pediram para serem
exonerados. Gostariam de estar aqui, mas não aguentaram trabalhar pingando de
suor, sem água para beber. Eu mesmo me pego pensando se vale a pena”, conta.
• Candidatos a prefeito têm propostas
abstratas para lidar com problema
Entre os planos de
governo dos candidatos à prefeitura do Rio, cinco entre nove citam diretamente
a climatização das escolas. Quatro planos não fazem menção alguma.
Para além de aumentar
os ginásios tecnológicos, Eduardo Paes promete “recuperar a infraestrutura das
escolas, sobretudo no que diz respeito a garantir a climatização de todas as
salas de aula”. Tornar o Rio de Janeiro a primeira capital do país resiliente
às mudanças climáticas e em matrículas com ensino em tempo integral está também
em suas prioridades. Apesar de não haver menção direta ao calor, nem mesmo em
outras regiões da cidade, Paes pretende “criar o projeto ZN Verde, que visa
produzir mudas em larga escala para arborizar e reduzir as ilhas de calor na
zona norte da cidade”.
Alexandre Ramagem
(PL), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) do governo de
Jair Bolsonaro, promete aumentar a caga horária das escolas públicas para 7
horas e “turno integral, de 10 horas, nas comunidades mais vulneráveis”. O
candidato também promete “instalar ar-condicionado em todas as unidades,
modernizando metodologias educacionais”.
No ensino fundamental,
Tarcísio Motta promete “redução progressiva do número de alunos por sala de
aula”, “climatização e adequação acústica das salas de aula” e “estabelecimento
de metas para que 75% da comida servida nas unidades da rede municipal de ensino
seja produzida a partir dos princípios da agroecologia”. Além disso, por meio
do programa Escola de Portas Abertas pretende transformar as escolas em pontos
de cultura e acesso ao lazer.
As creches municipais
estão também incluídas no processo de climatização do candidato à prefeitura
Marcelo Queiroz (PP). Por meio de um programa amplo de reformas nas escolas,
ele promete “realizar diagnósticos estruturais em todas as unidades escolares para
identificar as necessidades prioritárias de reforma”, somado à “implementação
de medidas sustentáveis, como captação de água da chuva, energia solar e gestão
de resíduos, nas escolas reformadas para promover práticas ambientais
responsáveis”. No seu plano de governo, ele cita também o uso de biometria dos
estudantes para entrada nas escolas, detectores de metais em áreas vulneráveis
para prevenir atos de violência, além de psicólogos em todas as unidades.
É por meio de
parcerias público-privadas que a candidata Carol Sponza (Novo) prevê combater a
falta de ares-condicionados, ventiladores e sobrecarga da rede elétrica nas
escolas. No seu plano, apesar de haver menções à educação e ao meio ambiente,
não há propostas claras de como os cidadãos vão lidar com isso, como o
“desconto no IPTU para residências e estabelecimentos que promovam medidas
socioambientais em seus imóveis”.
Apesar de fazer
menções à educação pública e às mudanças climáticas, o candidato Cyro Garcia
não apresenta nenhuma proposta específica a respeito. O programa menciona
apenas “inclusão da educação ambiental no currículo do ensino municipal” e
“ampliação dos serviços públicos de preservação ambiental, para controle e
fiscalização de emissão de poluentes”.
Não há propostas
específicas também no plano do candidato Rodrigo Amorim (União). Ele, que
atualmente é deputado estadual, promete militarizar o ensino em caráter de
urgência, caso seja eleito. Apesar de possuir um tópico específico sobre
infraestrutura educacional, não há menção alguma a melhorias de infraestrutura
das escolas, apenas dados referentes aos gastos em educação pública.
Quem também não cita
climatização e outras melhorias infraestruturais nas escolas é o candidato
Henrique Simonard (PCO). Em seu plano, apesar de mencionar que “a educação está
cada vez mais infiltrada pelo setor privado e com um orçamento cada vez menor”,
não há propostas específicas. O mesmo ocorre com questões ligadas ao meio
ambiente, que não chega nem a ser citado.
A candidata Juliete
Pantoja cita “o avanço da crise climática”, referenciando os desastres
ocorridos no Rio Grande do Sul, mas não apresenta propostas concretas a
respeito. Em seu plano, ela propõe uma política de replantio de árvores por
toda a cidade, universalizar o saneamento básico e iniciar um processo de
veículos elétricos e híbridos na frota de ônibus e vans. Ela também promete
“climatizar 100% de todas as escolas no primeiro ano de governo” está em suas
prioridades de governo.
Fonte: Por Danilo
Queiroz, da Agencia Pública
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