Pós-Bolsonaro, um
plano de combate ao desmatamento pode dar certo?
Em
1º de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu com a
promessa de “desmatamento zero na Amazônia” até 2030. Quase seis meses após
firmar o compromisso público, ele relançou o já conhecido Plano de Ação para
Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), responsável
por derrubar as taxas da destruição florestal entre os anos 2000 e 2010, mas
muito longe de interromper o ciclo destrutivo. Por que será diferente desta
vez?
A
Amazônia Real fez um estudo do documento e ouviu ambientalistas para darem seus
pareceres sobre o PPCDAm. Ele foi lançado em 5 de junho no que o governo chama
de “5ª fase” do combate ao desmatamento amazônico. Conforme o relatório
oficial, o plano chegará a esse objetivo fortalecendo a implementação de
legislação florestal, a recuperação e o aumento de vegetação nativa por meio de
incentivos econômicos para conservação e manejo sustentável.
“O
lançamento do PPCdam em sua nova fase é uma retomada necessária de políticas e ações
necessárias para frear o desmatamento e a degradação no Brasil e em especial na
Amazônia, e ainda dar suporte à construção de uma agenda positiva voltada ao
engajamento da sociedade nesta luta da humanidade contra a destruição da
natureza”, resume o ambientalista Carlos Durigan.
Em
2004, quando foi implementada a fase 1 do PPCDam, a taxa de desmatamento era de
27.772 quilômetros quadrados – é como se toda a mata do município de Presidente
Figueiredo (AM) viesse abaixo num único ano. Oito anos depois, já na 3ª fase do
plano, o desmatamento tinha despencado para 4.571 km² – três vezes o tamanho da
capital paulista, portanto ainda longe de zerar a taxa.
Uma
inovação importante do novo PPCDAm é a ênfase na integração das ações de
inteligência e responsabilização pelo desmatamento ilegal, sublinha o cientista
Paulo Artaxo. Geralmente os danos ambientais na Amazônia são acompanhados de
ilícitos de outras naturezas, que agora vão estar incluídos nas ações
integradoras como o garimpo ilegal e usurpação de terras públicas.
“Mesmo
que o Brasil pare e coloque o desmatamento a zero em 2030, a degradação
florestal é uma questão que nunca tinha sido efetivamente abordada em nenhuma
política pública e que esse novo PPCdam leva em conta, o que é muito bom”,
explica. Pelo novo plano, as atividades de fiscalização fiscal, financeira,
mineral, fundiária e de sanidade animal passam a ser integradas para ampliar as
sanções aos desmatadores ilegais.
Para
que os objetivos sejam cumpridos, Artaxo lembra que vai ser necessária a
participação não só do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério dos Povos
Indígenas, mas de outros como o da Justiça. “É uma questão muito mais complexa
e que requer um trabalho conjunto de vários ministérios, como que está sendo
proposto agora”, diz.
O
plano de combate ao desmatamento também é considerado o principal instrumento
para a implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC),
estabelecido no Acordo de Paris em 2015, que prevê o compromisso brasileiro em
reduzir em até 38% a emissão de gases efeito estufa até 2030.
“O
Brasil hoje é muito diferente do de sete, oito anos atrás. Agora a sociedade
tem que fazer pressão,o Judiciário tem que fazer pressão, o agronegócio tem que
implementar políticas públicas que façam o Brasil cumprir as suas metas do
Acordo de Paris”, ressalta o pesquisador Paulo Artaxo, professor da
Universidade de São Paulo e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
(ABC) e do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
“Se
vai ter resultados ou não isto vai depender do Congresso Nacional, que já deu
sinais muito claros de que vai continuar a destruição dos ecossistemas
brasileiros, inclusive da Amazônia. Vamos ver até que ponto a sociedade como um
todo reage a isto”, explica o cientista, exemplificando com algumas discussões
em curso em Brasília, como o Projeto de Lei (PL) 490, que estabelece o marco
temporal para demarcação de terras indígenas, cuja questão também está em
debate no Supremo Tribunal Federal. “Mais e mais o STF está tendo protagonismo
para coibir medidas ilegais como na questão do marco temporal.”
• Mais novidades do PPCDAm
Entre
as novidades do PPCDAm, estão o foco em inteligência para auxiliar no rastreio
e na repressão remota de crimes ambientais e suas cadeias produtivas, investimento
em bioeconomia e ordenamento territorial de florestas públicas não destinadas.
A 5ª Fase do PPCDAm, desta vez também ganhará um ano a mais para ser executado
(2023 a 2027), totalizando cinco anos com o objetivo de sincronizar suas ações
com o Plano Plurianual (PPA).
Uma
das maiores expectativas é com relação ao cruzamento de informações que deve
acontecer nesta 5º fase. O Núcleo de Articulação Federativa servirá como um
banco de dados para compartilhamento de informações, identificação de dificuldades
e possíveis estratégias em parcerias entre a União e outras unidades
federativas (Estados e municípios).
“Um
diferencial importante das fases anteriores é a questão da transversalidade das
abordagens de cunho socioambiental que esperamos atinjam todos os setores da
gestão pública, assim como todos os setores da sociedade. Este caráter
articulado sendo exitoso, certamente levará à construção de um cenário mais
positivo no enfrentamento da crise ambiental e social em que vivemos e ainda
ajudará na construção de sustentabilidade real também no combate à crise
econômica nacional”, diz Carlos Durigan, diretor da WCS Brasil.
As
ações do PPCDAm vão girar em torno de quatro eixos com 12 objetivos
específicos, sendo eles: Atividades produtivas sustentáveis; Monitoramento e
controle ambiental; Ordenamento fundiário e territorial e Instrumentos
normativos e econômicos.
Dentre
os objetivos estabelecidos, o PPCdam prevê o estímulo de atividades
sustentáveis, a responsabilização por crimes ambientais, aprimoramento do
monitoramento, prevenção e combate a incêndios florestais, avanço na
regularização ambiental com melhoria do Sistema Nacional do Cadastro Ambiental
Rural (CAR), fortalecimento da articulação com estados da Amazônia legal,
integração de dados de autorizações autuações e embargos, garantia da
destinação e proteção de terras públicas não destinadas, melhoria da gestão de
áreas protegidas e alinhamento com o planejamento dos grandes empreendimentos e
projetos de infraestrutura com as metas nacionais de redução do desmatamento.
• Desmatamento zero?
O
PPCdam nasceu dentro do primeiro mandato do governo Lula para reduzir o
desmatamento. A volta efetiva do PPCdam é animadora, mas não convenceu os
especialistas de que vai ser como nos mandatos anteriores. Após a ascensão do
governo de Jair Bolsonaro (PL), que apoiou por quatro anos desmatamento,
garimpo, grilagem, o que na prática estimulou a ilegalidade pela Amazônia, os
indicativos apontam que vai ser mais difícil combater o crime organizado que se
incrustou na região. Mesmo que Bolsonaro tenha se tornado inelegível na
sexta-feira (30), afastando um retorno dele à Presidência nos próximos oito
anos, a lógica de explorar predatoriamente a floresta permanece, e a aprovação
de legislações ambientais em desacordo com o PPCDAm é um grande desafio.
“A
implementação plena das ações e políticas vislumbradas neste novo e revigorado
PPCDAM encontrará fortes desafios, afinal nos últimos anos vimos se instalar na
Amazônia um cenário onde floresce o crime por um lado e onde a agenda de
exploração de recursos naturais para o mercado de commodities global não sofreu
nenhum tipo de regulação, tampouco possibilitou maior controle social e
repartição de seus benefícios”, explica o ambientalista Durigan.
Atualmente
o Brasil é o 5º país que mais emite gases efeito estufa no planeta, mesmo com
uma das maiores biodiversidades do mundo. Além dos próprios crimes cometidos à
luz do dia na Amazônia, os políticos eleitos pelos Estados da região causam
grande preocupação, pois, no poder, eles mantêm ativa a lógica de destruição.
Em
2022, o desmatamento da Amazônia foi de 10.573 km², o equivalente a quase 3 mil
campos de futebol, apontou o Imazon, sendo a pior taxa em 15 anos. E se
espraiou, atingindo diferentes categorias fundiárias. Metade das áreas desmatadas registrada pelo
Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite
(Prodes) encontra-se em imóveis rurais inscritos no CAR, sobrepondo a áreas
privadas ou sem informação fundiária (18%), a terras públicas não destinadas
(15%), assentamentos (10%) e UCs (6%).
Fora
do CAR, o desmatamento está presente em assentamentos (22%), em terras públicas
não destinadas (14%), em áreas privadas ou sem informação fundiária (7%) e em
unidades de conservação (6%). Ao todo, 64% e 11% do desmatamento ocorreram em
áreas federais e estaduais, incluindo áreas destinadas como Terras Indígenas e
Unidades de Conservação e não destinadas.
“O
uso destes territórios (as terras públicas não destinadas) deveria estar
fortemente controlado pelos interesses da sociedade e não serem destinados a
patrimônios privados. O ideal é que as tenhamos conservadas e/ou bem manejadas
no sentido de garantir que sigam seu papel de provedoras de serviços
ecossistêmicos essenciais”, ressalta Durigan.
• “Produto histórico”
Durante
a elaboração, o governo Lula contou com a participação de diferentes
organizações governamentais e não governamentais, consultando especialistas e
pesquisadores de diferentes áreas para contribuir nas estratégias e definição
dos objetivos. Uma das entidades foi o Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (Ipam).
A
geógrafa Jarlene Gomes trabalhou na elaboração das recomendações para o PPCdam
como coordenadora regional do Ipam no Acre. Ela destaca a importância das altas
ou baixas taxas de desmatamento desta vez estarem relacionadas com o governo
que presidia o Brasil e a política de Estado estabelecida em cada época.
“Considerando
que o desmatamento da Amazônia tem sido um produto histórico de decisões
políticas e forças de mercado que ajudaram a estabelecer uma paisagem florestal
fragmentada como a conhecemos hoje, entender o papel da política no controle
das taxas mais baixas e altas de desmatamento é avaliar as principais mudanças
na política relacionada ao desmatamento nos últimos anos”, explica a
pesquisadora Jarlene, que coordenou a elaboração do Plano Municipal de
Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima da capital Rio Branco (AC).
Para
Jarlene Gomes, outro ponto de atenção da 5ª fase do PPCDAm é entender que para
as políticas públicas relacionadas ao desmatamento terem eficácia será
necessário inovar. “Destaco as abordagens políticas integradas para
desmatamento, aplicação estratégica e melhoria no monitoramento, zoneamento do
uso da terra e regularização ambiental e restrições econômicas”, acrescenta.
• REDD+
e mercado de carbono
O
PPCDAm tem objetivos específicos para o mundo dos incentivos econômicos
(Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal, ou simplesmente
REDD+) e do mercado de carbono, um assunto que se tornou moeda corrente nos
debates entre países e grandes corporações. O processo de benefícios e como
deve ser feito não é especificado com clareza nesta 5ª fase do plano. Foram
incluídos apenas os instrumentos a serem utilizados para benefício dos
amazônidas como crédito rural e instituição da Política Nacional de Pagamento
por Serviços Ambientais (PNPSA).
Para
o professor e cientista Paulo Artaxo, esses incentivos econômicos ainda são uma
utopia, já que não possuem resultados reais. “Até o momento, apesar do mercado
de carbono ser um palavreado que está circulando há mais de 10 anos, ele não
teve absolutamente efeito em nenhum ponto de vista”, alerta o cientista.
“Se
ele pode ser reforçado e funcionar no futuro, é difícil, mas a realidade atual
mostra que o mercado de carbono é um instrumento que não atinge os seus
objetivos, nem de reduzir as emissões, nem de incentivar mecanismos para
restauração florestal seja na Amazônia, seja na mata Atlântica seja em qualquer
outro lugar”, acrescenta.
A
falta de esclarecimento sobre os incentivos deixa dúvidas quanto a execução do
plano nesse âmbito, pois muitos políticos como o governador do Amazonas Wilson
Lima (União Brasil), o governador do Pará Helder Barbalho (MDB) e o governador
de Roraima Antonio Denarium (PP) têm se apropriado desse discurso visando
lucro, ao mesmo passo que incentivam atividades econômicas destrutivas contra a
Amazônia.
O
relatório do PPCdam faz um comentário genérico a respeito dos incentivos: “O
avanço na regulamentação do mercado brasileiro de carbono poderá gerar
oportunidades para o País, estimulando setores econômicos e fortalecendo os
compromissos da sociedade em torno da proteção ambiental e da mitigação à
mudança do clima”.
“Os
mecanismos que a gente chama de REDD+, mecanismos de redução de degradação
florestal e desmatamento, poderiam ser efetivos, mas certamente um mecanismo
muito diferente do que temos hoje, que joga um papel absolutamente desprezível
na questão da precificação do carbono emitido, na estratégia de redução de
emissões”, diz Artaxo.
Para
o pesquisador da USP, o mercado de carbono precisaria ser totalmente
reformulado, primeiro com um aumento significativo do preço da tonelada de
carbono para fazer valer a pena os investimentos e também com um envolvimento
de ministérios, como os da Fazenda e da Agricultura.
Durigan,
que acompanha há anos os debates sobre mercado de carbono, afirma que os
incentivos (REDD+) deveriam ser de grande relevância para apoiar a mudança do
cenário destrutivo, mas que não se vislumbra isso. “Ainda faltam processos que
aterrizem na realidade da vida comunitária, da vida no campo, nos rincões da
Amazônia e permitam mecanismos que tragam benefícios diretos aos povos
amazônidas e possibilitem a valorização da floresta em pé, a sua conservação de
fato”, diz.
• Histórico destrutivo
O
que o presidente Lula promete junto aos Ministérios é retomar uma realidade que
pode não ser mais vista tão cedo na Amazônia. O PPCdam teve sua fase de
eficácia em especial no governo de Dilma Rousseff (PT), chegando a uma redução
do desmatamento de até 83%.
Depois
do impeachment, quando Michel Temer (MDB) assume a Presidência, inicia-se o
desmonte do combate aos crimes ambientais. Na 4ª fase do plano, entre 2016 e
2020, já sob Temer, mas especialmente no governo Bolsonaro, o desmatamento
voltou a patamares pré-PPCDAm, crescendo em 73%. Ao contrário das primeiras
fases que focou na criação de áreas de conservação e preservação, a 4ª fase
reduziu essas áreas e muitas tiveram o nível de proteção rebaixado.
E
os desmontes ambientais durante o período foram orquestrados, chegando a haver
mudanças de legislações. Entre essas guinadas estão a Lei 13.465, de 11 de
julho de 2017, onde todas as invasões de terras públicas que ocorreram
ilegalmente entre 2004 e 2011 passaram a ter direito à titulação – beneficiando
o invasor. Depois, com a Medida Provisória 910, de 10 de dezembro de 2019, já
no governo Bolsonaro, foi feita uma tentativa de fornecer uma nova anistia para
as invasões até 2018.
Já
o Decreto 10.142, de 28 de novembro de 2019 descontinuou o PPCDAm e criou como
substituto do Plano a Comissão Executiva para Controle do Desmatamento Ilegal e
Recuperação da Vegetação Nativa. Em 2020, o Decreto 10.239, de 11 de fevereiro
de 2020, também transferiu o papel articulador interministerial da política de
controle do desmatamento para o Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido
pela Vice-Presidência da República, sob o general Hamilton Mourão.
“Com
essas mudanças frequentes na legislação, criou-se a expectativa de que investimentos
na usurpação e no desmatamento de terras públicas terão retorno futuro com a
legalização da posse por meio de um título”, diz o próprio documento da 5º fase
do PPCdam.
Na
fase de ouro do Plano, em 2010, o Ibama e o ICMBio contavam com 4.420 e 2.832
servidores efetivos. Só de fiscais, o Ibama somava 1.311. Com o passar dos
anos, o número foi reduzindo até chegar a uma redução de 25% em 2016. Nos anos
seguintes, o número piorou e o Ibama chegou a ter apenas 2.675 servidores
efetivos em 2020 e 621 fiscais.
O
atual PPCdam garante que uma das suas ações mais importantes vai ser a
realização de concursos públicos, fornecimento de cursos e eventos para
capacitação dos servidores e estruturação de bases físicas estratégicas
interagências (participação conjunta de órgãos).
• Política de Estado
“O PPCdam não está sendo desenhado para ser um
plano deste governo, é um programa de Estado, o que quer dizer que o Estado
brasileiro tem a obrigação de zerar o desmatamento da Amazônia até 2030”,
arremata Paulo Artaxo.
O
pesquisador questiona como, de fato, os representantes da população amazônica
enxergam e como desejam o desenvolvimento sustentável a ser implementado. Para
ele, essa é uma das grandes perguntas para chegar até o ponto-chave de promover
políticas públicas eficazes aos amazônidas.
“É
fundamental também encontrar um modelo de desenvolvimento para a região
amazônica que seja minimamente sustentável, isso é outro grande desafio:
reduzir o desmatamento a zero pode nem ser tão difícil, mas substituir o atual
modelo predatório de exploração dos recursos naturais da Amazônia por um que
seja sustentável e traga benefícios claros à população, esta é uma das grandes
questões e isso tem que partir da região Amazônica”, acrescenta.
Fonte:
Amazônia Real
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