segunda-feira, 31 de julho de 2023

Lula prepara ‘afago’ para bancadas do Boi e da Bala

Enquanto o Palácio do Planalto negocia a entrada no governo de PP e Republicanos, dois partidos do Centrão, uma ala do Executivo também se movimenta para desengavetar projetos de interesse de outras forças políticas que caminham longe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No segundo semestre, a ideia é limpar parte da pauta que travou no Senado e contemplar até mesmo propostas criticadas pela esquerda. Alguma delas atendem às bancadas ruralista e da bala.

As iniciativas não são unânimes na Esplanada, mas já contam com o “ok” de parte dos auxiliares próximos a Lula. São propostas como a que facilita o registro de agrotóxicos no Brasil, bem como a lei orgânica da Polícia Militar. Os temas interessam a adversários do PT nas últimas eleições, como a bancada da bala e a ruralista, fortemente identificadas com o bolsonarismo. As duas frentes ainda mantêm grande influência sobre partidos do Centrão e, diante do novo equilíbrio de forças que se desenha no Congresso, são importantes para garantir a governabilidade.

A lei orgânica da PM, que pretende criar normas gerais para as corporações, é a iniciativa que hoje tem mais consenso dentro do governo. O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse a auxiliares que tem como meta fazer com que o texto seja sancionado por Lula ainda em 2023. Apesar disso, os ministérios das Mulheres e do Meio Ambiente veem com preocupação alguns trechos, como possíveis limitadores para o ingresso de mulheres nos quadros da corporação e retirada de competências do Ibama. O governo deseja aprovar a iniciativa no Senado e evitar mudanças.

— Precisa avançar, não queremos ficar responsáveis por esse projeto ter que voltar para a Câmara (onde começou a tramitar). O governo vai ter seu momento para se posicionar, que é através do veto — disse o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Elias Vaz, sobre a possibilidade de suprimir alguns trechos da lei.

A proposta começou a avançar no ano passado na Câmara e inicialmente retirava poder dos governadores sobre as corporações. Diante da resistência, o trecho foi suprimido pelo então relator Capitão Augusto (PL-SP). Dar apoio ao texto é uma maneira de o governo se aproximar das forças de segurança, uma das bases do bolsonarismo.

— A gente vem de um movimento de retomada do diálogo com as forças de segurança, que é bem fértil. Temos que dialogar com os comandantes-gerais, como fizemos segunda-feira, recebemos aqui (no Ministério da Justiça) — disse o secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar.

O texto da lei orgânica foi aprovado pela Comissão de Segurança Pública em julho, com o parecer favorável do líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), que fez carreira como delegado da polícia civil. A redação foi encaminhada então para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e a expectativa é que seja aprovada pelo plenário da Casa. Em seguida, o texto será levado à sanção.

Também está na mira do Palácio do Planalto fortalecer o programa Habite Seguro, linha de financiamento de imóveis voltada para agentes de segurança criada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O programa é viabilizado pelo Fundo Nacional de Segurança Pública, que é responsabilidade do Ministério da Justiça. Auxiliares de Dino confirmam a intenção de ampliar a iniciativa, mas não há data prevista para a ideia ser anunciada.

A aproximação acontece ao mesmo tempo em que Lula edita decretos para restringir o acesso às armas de fogo. O movimento provocou insatisfação na bancada da bala, que já se movimenta para derrubar a ordenação jurídica elaborada pelo governo federal.

Em relação ao projeto que facilita o registro de agrotóxicos há um ambiente mais dividido. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, já disse ser a favor. Ambientalistas chamam o texto de “PL do Veneno”. Os ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) resistem a flexibilizar o uso dos pesticidas.

Nas negociações, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem mantido conversas com Fávaro para levar o projeto ao plenário. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), também tem participado de algumas reuniões da bancada ruralista e não tem sido um obstáculo.

Aliados do senador petista avaliam que a tendência é não se posicionar contra a votação do texto. Para Paulo Teixeira, porém, é preciso “banir alguns agrotóxicos”. Ele reconhece que o assunto não foi pacificado.

Em maio, Carlos Fávaro tentou baixar a tensão e se equilibrar entre as visões do governo. Após uma reunião com Pacheco, afirmou que todos no Planalto estão “na mesma pauta”:

— Vamos olhar os pontos, o que não é convergente e o que é possível ajustar e fazer uma análise técnica muito rigorosa. Ninguém é a favor de produtos cancerígenos.

Em fevereiro do ano passado, antes do período eleitoral, Marina Silva já classificava a proposta como um “ataque à saúde pública, ao meio ambiente e ao funcionamento das instituições”.

O cenário é diferente do planejado para o projeto de lei da regularização fundiária, batizado pelos críticos como “PL da Grilagem”, que terá forte oposição do governo caso avance no Senado.

 

       Lula precisará de cargos para acomodar PP e Republicanos

 

O presidente Lula (PT) vai ter de escolher entre diminuir o número de aliados ou de mulheres na Esplanada dos Ministérios em meio às negociações com o centrão em busca de apoio no Congresso.

Desde que fechou a entrada de PP e Republicanos no corpo ministerial, o governo tem tentado resolver um xadrez para não criar problemas com aliados nem quebrar promessas de campanha, mas Lula já aceita que alguma das pontas terá de ficar descoberta.

O presidente tem repetido que não quer diminuir o número de mulheres no alto escalão. A articulação do governo repassou isso para o centrão e busca saídas para que cargos visados, como Esporte, Ciência e Tecnologia e a presidência da Caixa Econômica, se mantenham com comando feminino.

Por outro lado, os governistas tentam evitar que, para agradar o centrão, acabem desagradando aliados. O PSB, do vice-presidente Geraldo Alckmin, tem pastas em xeque, assim como membros do próprio PT de Lula e apoiadores antigos.

Lula já entendeu que a conta não fecha e tem ouvido aliados que defendem posições distintas. A decisão deverá ser tomada nas próximas semanas, com a retomada das sessões no Congresso e após reuniões com lideranças do centrão.

Depois de trocar Daniela Carneiro por Celso Sabino no Ministério do Turismo, Lula quer seguir com uma alta participação feminina no alto escalão como política de governo. Segundo interlocutores, isso tem sido dito tanto a aliados e ao centrão —o ponto, tenta argumentar ele, é buscar deixar seu terceiro mandato com uma marca mais igualitária.

O problema é que os indicados pelos dois partidos para integrar a Esplanada são homens: os deputados André Fufuca (PP-MA), líder do partido na Câmara, e Sílvio Costa Filho, o Silvinho (Republicanos-PE). Alguns dos cargos cobiçados são femininos. O principal deles foi a chefia da Saúde, da ministra Nísia Trindade, mas Lula já negou essa pasta ao PP.

Além de um ministério, o partido articula a indicação da presidência da Caixa Econômica, comandada por Rita Serrano. O primeiro nome a ser ventilado foi o do ex-ministro Gilberto Occhi, mas Lula intercedeu para ter um nome feminino. Aparentemente foi atendido: a ex-deputada Margarete Coelho (PP-PI) tornou-se o nome mais cotado.

O Republicanos também mira uma pasta de comando feminino: Esporte, de Ana Moser. Responsável pela regulamentação das apostas esportivas, o comando desse ministério também já foi descartado para entrar nas negociações, mas, segundo aliados, a pressão continua e não está de todo descartado haver a troca.

Se quer segurar mulheres, terá de cortar “na própria carne”, ouviu do centrão. Para isso, restam pastas do PSB ou de petistas históricos —o que não tem agradado aliados.

Do PSB, são sondados os Ministérios de Portos e Aeroportos, de Márcio França, e Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, de Alckmin. No primeiro caso, Lula resiste por França não ter mandato e ser influente na bancada. Já no segundo, a questão é a ligação do vice junto ao empresariado.

A possibilidade de troca gerou reação do presidente da sigla, Carlos Siqueira (PSB), que apoia a candidatura de Lula desde que o presidente saiu da prisão, em 2019. Em entrevista ao UOL, ele disse que qualquer saída de seu partido seria “uma sinalização ruim”.

Vamos apoiar o governo com três, com dois, com um, sem nenhum cargo, por razões maiores. Se o presidente achar que deve mudar A, B ou C, ele muda, é um direito dele. […] É uma sinalização ruim se algum deles sair, porque os três estão dando certo nos ministérios que estão ocupando. Se o presidente quiser tirar, é outra coisa. -  Carlos Siqueira, presidente do PSB

Outra saída seria cortar ministros da chamada “cota pessoal”, de grande maioria petista. Em conversa com Lula, Alexandre Padilha (Relações Institucionais) chegou a oferecer o cargo, mas foi descartado. O presidente também afastou mudança entre os palacianos Rui Costa (Casa Civil) e Paulo Pimenta (Secom).

O mesmo não se diz sobre Wellington Dias, no Desenvolvimento Social. O senador eleito sempre teve o carinho de Lula, mas a atitude discreta tem incomodado e o cargo é alvo da cobiça do PP. Por ora, a resistência de Lula se dá pela pasta ser responsável pelo Bolsa Família.

Lula vai se reunir com lideranças dos partidos do centrão e do Congresso na próxima semana para bater o martelo. Na última quarta (26), ele conversou com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para acertar detalhes.

Ficou combinado que eles se encontrarão pessoalmente, com a presença de Fufuca. Padilha também conversou com Hugo Motta (Republicanos-PB), líder do partido na Câmara, para alinhar as negociações.

 

Fonte: O Globo/UOL

 

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