Contornos de uma nova parceria: a cooperação Rússia-África na
consolidação do mundo multipolar
Nos últimos tempos, a Rússia aumentou significativamente
seus contatos diplomáticos e comerciais com a África. Tais laços com o
continente africano provaram que o isolamento da Rússia é tão somente uma
propaganda do Ocidente.
Diante desse contexto, a Segunda Cúpula
Rússia-África, que teve lugar entre os dias 27 e 28 de julho, presenciou
diversas reuniões de negócios, assim como novos contornos nas relações
políticas entre as duas partes.
Não por acaso, num artigo recente escrito por
Vladimir Putin na véspera do evento, o presidente russo menciona que "a
Rússia saúda a crescente autoridade internacional [...] da África", assim
como "seu desejo de fazer suas vozes serem ouvidas e de tomar os problemas
do continente em suas próprias mãos".
Moscou tem continuamente apoiado os países
africanos em sua busca por um lugar de destaque nas estruturas de governança
global, incluindo no Conselho de Segurança da ONU, e também na reforma de
instituições financeiras como o Banco Mundial e o FMI.
Ainda no mesmo artigo, Putin destaca que "a
África sente o fardo dos desafios globais como nenhuma outra parte do
mundo", o que ajuda a explicar o desejo africano de assegurar a
continuidade do acordo de grãos e sua preocupação com a segurança alimentícia
no continente.
Ora, ainda que o acordo de grãos não tenha sido
renovado no último dia 18 de julho, a Rússia (que detém sozinha 20% do mercado
global de trigo) prometeu fornecer a quantidade de grãos necessários à África
por sua própria conta.
Nos primeiros seis meses de 2023, por exemplo, a
Rússia já exportou dez milhões de toneladas de grãos para a África. Não
obstante, ainda em 2023 o comércio de produtos agrícolas entre a Rússia e o
continente africano cresceu cerca de 60%.
Como asseverou mais uma vez Putin em seu artigo, a
Rússia compreende "a importância do abastecimento ininterrupto de
alimentos para o desenvolvimento socioeconômico e a estabilidade política dos
Estados africanos".
Assim sendo, "apesar das sanções, a Rússia
continuará seus esforços enérgicos para fornecer grãos, produtos alimentícios,
fertilizantes e outros bens para a África". Já no plano político, ainda no
mês de junho Putin mostrou a líderes africanos os termos da negociação entre
Moscou e Kiev que serviriam de base para o encerramento do conflito na Ucrânia.
Conforme demonstrou o presidente russo, Kiev já
havia praticamente concordado com as condições gerais do documento, que
envolviam sobretudo a fixação de neutralidade permanente da Ucrânia em relação
à OTAN.
O fim do conflito, no entanto, tão ansiado pelo Sul
Global, acabou tendo sua resolução sabotada pelo Ocidente, que viu no
fornecimento de armas e ajuda financeira a Kiev uma oportunidade de guerrear
indiretamente contra a Rússia.
Diante desse quadro, continentes e regiões tidos
como relativamente periféricos (e/ou semiperiféricos) dentro da economia
mundial, como é o caso de América Latina e África, são os que mais sofrem pelo
prolongamento do conflito e os que têm justamente se mostrado neutros diante da
crise no Leste Europeu.
Com o tempo, a África, assim como o Sul Global,
passou a estar comprometida com a criação de condições para um acerto de paz
entre Rússia e Ucrânia, abordagem essa muito bem-vinda em vista do cenário
atual. A Europa e os Estados Unidos, por sua vez, esperavam uma condenação em
uníssono da Rússia por parte dos países africanos.
Contudo, a África ainda mantém viva na memória a
ajuda oferecida por Moscou durante a Guerra Fria a seus processos de
descolonização e de independência frente às antigas metrópoles europeias. Tal
auxílio fez com que a Rússia adquirisse um grande capital político perante as
lideranças africanas.
Até os dias atuais, como escreveu Putin, os russos
continuam "comprometidos em auxiliar seus parceiros africanos de todas as
maneiras possíveis para fortalecer sua soberania nacional e cultural, assim
como para desempenhar um papel mais ativo na resolução de desafios regionais e
globais".
A Rússia, por certo, entende a importância de
fornecer assistência na formação e fortalecimento dos Estados africanos,
ampliando assim sua soberania e capacidades de defesa. Logo, essa
(re)aproximação de Moscou com a África (sugerida justamente em seu mais recente
Conceito de Política Externa) visa expandir a política externa russa para o
continente.
Para este fim, Vladimir Putin anunciou durante a
abertura da Cúpula a preparação de cerca de 30 projetos de energia na África,
com uma capacidade total de geração de cerca de 3,7 gigawatts em 16 países
diferentes.
Além do mais, dado que vários países africanos
estão se preparando para ingressar na indústria de energia nuclear, Moscou já disponibilizou
sua expertise para auxiliar o continente em mais esta empreitada. No momento,
existe apenas uma usina nuclear em operação na África, a da África do Sul.
A segunda ainda está sendo construída no Egito pela
estatal russa Rosatom. Em meio às divisões atuais que perpassam o mundo, como
entre o Norte e o Sul, entre o eixo euro-atlântico e o eurasiático, entre a
unipolaridade e a multipolaridade, a cooperação Rússia-África vai se
fortalecendo e ampliando.
Ao mesmo tempo, atendendo a seus interesses
nacionais, consubstanciados no desenvolvimento econômico e social de suas
populações, assim como na defesa da pluralidade civilizacional do planeta,
russos e africanos têm cada vez mais se aproximado mesmo diante de mudanças
drásticas na conjuntura internacional.
Estados Unidos e Europa pretendiam romper essas
relações, mas fracassaram de forma flagrante. Novos polos de poder surgiram no
sistema – deslocando a preeminência até então circunscrita aos países
ocidentais.
Tudo isso se deve a uma tomada de consciência por
parte de países da América Latina, África e Ásia que compartilham o desejo
comum de participarem de forma ativa da condução dos negócios globais.
O momento não poderia ser mais propício para que os
novos contornos dessa parceria entre Rússia e África pela consolidação de um
mundo verdadeiramente multipolar desse os seus frutos.
Ø Putin: Rússia e África concordam em aumentar comércio bilateral em
moedas nacionais
O líder russo Vladimir Putin afirmou durante a
Cúpula Rússia-África que entre as principais deliberações do encontro estão
mudanças significativas no fluxo de comércio entre os Estados africanos e a
Rússia.
Em sessão plenária da Cúpula Rússia-África nesta
sexta-feira (28), o presidente da Rússia, Vladimir Putin, declarou que as
lideranças concordaram com Moscou em aumentar qualitativa e quantitativamente o
comércio bilateral em moedas nacionais.
"Foi estabelecida uma meta para aumentar
qualitativa e quantitativamente nosso comércio mútuo e melhorar os padrões de
comércio. Trata-se também de uma mudança gradual para moedas nacionais,
incluindo o rublo, em negócios e transações financeiras", disse Putin na
Cúpula Rússia-África.
Ainda de acordo com Putin, o Plano de Ação Conjunto
Rússia-África para 2023-2026 está pronto para ser adotado, o que significa que
o diálogo entre os ministérios de Defesa da Rússia e da África sobre questões
práticas de cooperação de interesse mútuo, inclusive por meio de eventos
conjuntos, exercícios e treinamentos, discussões científicas e interação entre
centros de pesquisa, será posto em prática.
Dentre os principais pontos abordados e discutidos
durante a cúpula estavam as várias manifestações do colonialismo que ainda
persistem e continuam sendo praticadas pelas antigas metrópoles quando se
relacionam com o continente, um comportamento que não é reproduzido pela
Rússia.
"[A Rússia e os países africanos pretendem]
coordenar abordagens no Conselho de Segurança da ONU no campo da política de
sanções contra os Estados africanos, inclusive com vistas a facilitar ainda mais
e abolir completamente as medidas restritivas que perderam sua
relevância", segundo declaração publicada no site do Kremlin.
As partes também concordaram em se opor às sanções
unilaterais ilegítimas e ao congelamento das reservas soberanas de ouro e divisas,
bem como reafirmaram a inaceitabilidade de chantagem política contra terceiros
países, segundo o documento.
O presidente da Rússia observou que a era da
hegemonia de um ou alguns Estados está desvanecendo, mas não sem resistência
daqueles que estão habituados ao seu monopólio nos assuntos mundiais e que,
para isso, a soberania estatal deve ser defendida, estando a Rússia e os países
africanos unidos em um esforço para serem independentes e formar um sistema
multipolar no mundo.
"Enfatizo isso mais uma vez: a Rússia está se
esforçando sinceramente para construir relações multifacetadas verdadeiramente
estratégicas e uma parceria multifacetada com a África. E vemos a mesma atitude
— agir juntos, de mãos dadas — de nossos amigos africanos", disse Putin.
Ainda sobre segurança, dentre os diversos temas
abordados como a busca por uma solução pacífica para o conflito ucraniano, uma
das diretrizes da cúpula é a criação de centros de gestão de crises na África
buscando através da cooperação na defesa civil uma melhor resposta conjunta a
emergências e desastres, inclusive por meio de troca de experiência e
treinamento. Para além disso, as lideranças também manifestaram a disposição de
combater a corrida armamentista no espaço e garantir seu uso pacífico.
A Segunda Cúpula Rússia-África e o Fórum Econômico
e Humanitário ocorreram na cidade russa de São Petersburgo, de 27 a 28 de
julho. A Cúpula Rússia-África busca ser uma continuação da reunião similar de
2019, que contou com a presença de 43 líderes africanos, para manter o diálogo
global entre os países do continente e Moscou.
<><> Rússia criará frota de energia
nuclear para a África, anuncia chefe da Rosatom
Proposta é gerar frota de energia que faça com que
países africanos recebam eletricidade em seu cotidiano diretamente de uma usina
nuclear.
Nesta sexta-feira (28), o chefe da corporação
nuclear estatal russa Rosatom, Aleksei Likhachyov, disse que a empresa russa
propôs criar uma frota de energia nuclear para a África com objetivo de
fornecer eletricidade ao continente africano.
"Além do abastecimento direto, a criação de
uma usina nuclear flutuante é do interesse de qualquer um dos governos
africanos, e nós propusemos mais uma modificação deste projeto: a criação de
uma frota de energia nuclear para que a eletricidade seja vendida aos
consumidores diretamente de uma usina nuclear", explicou Likhachyov.
Ao mesmo tempo, o diretor sublinhou que a Rosatom
vai começar a implementação prática de projetos nucleares na Etiópia nos
próximos dois anos.
Ainda na coletiva hoje (28), o diretor acrescentou
que também existe um acordo sobre a participação do Novo Banco de
Desenvolvimento do BRICS para apoiar financeiramente os projetos da Rosatom na
África, incluindo os de construção de usinas nucleares.
Ontem (27), Likhachyov já havia sinalizado que
"o continente africano tem um grande potencial de crescimento na esfera
das tecnologias de energia nuclear e, portanto, de melhoria do padrão de
vida", conforme noticiado.
As declarações de Likhachyov foram dadas na Segunda
Cúpula Rússia-África e no Fórum Econômico e Humanitário realizados na cidade
russa de São Petersburgo de 27 a 28 de julho. A Sputnik é parceira de mídia
oficial do fórum.
Ø Putin: soberania deve ser defendida e protegida, Rússia e países
africanos são solidários a isso
Várias manifestações do colonialismo ainda
persistem e continuam sendo praticadas pelas antigas metrópoles, disse o líder
russo Vladimir Putin na sessão plenária da Cúpula Rússia-África.
"Infelizmente, algumas manifestações do
colonialismo persistem e continuam sendo praticadas pelas antigas metrópoles,
particularmente nas esferas econômica, de informação e humanitária",
afirmou Putin.
Ele acrescentou que a soberania estatal deve ser
defendida, estando a Rússia e os países africanos unidos em um esforço para ser
independentes e formar um sistema multipolar no mundo.
O presidente da Rússia observou que a era da
hegemonia de um ou alguns Estados está desvanecendo, mas não sem resistência
daqueles que estão habituados ao seu monopólio dos assuntos mundiais.
Vários países embaralham as regras internacionais,
alteram-nas e usam-nas para benefício próprio, observou Putin no seu discurso.
"Não podemos aceitar a substituição do direito
internacional pela chamada ordem baseada em regras, que alguns países declararam
eles mesmos e que [as] distorcem, mudam, embaralham", disse o presidente
russo.
A Rússia respeita os planos da África para resolver
o conflito na Ucrânia, por ser um problema agudo e Moscou não se esquiva de
discutir essa questão, disse Putin.
O papel da Rússia na luta contra o nazismo está
sendo obscurecido e esquecido, mesmo tendo sido desempenhado em prol de todo o
mundo, tal como a luta da África contra o Apartheid e pela independência, notou
o presidente russo.
Por fim, ele ressaltou que o continente africano
está se tornando um novo centro de poder, e todos terão que contar com essa
realidade objetiva.
A Segunda Cúpula Rússia-África e o Fórum Econômico
e Humanitário ocorrerão na cidade russa de São Petersburgo, de 27 a 28 de
julho. A Cúpula Rússia-África busca ser uma continuação da reunião similar de
2019, que contou com a presença de 43 líderes africanos, para manter o diálogo
global entre os países do continente e Moscou.
Ø Angola está interessada em trabalhar com Rússia no setor petrolífero,
diz embaixador
A delegação de Angola na cúpula Rússia-África, que
está decorrendo em São Petersburgo, manifestou interesse em trabalhar com a
Rússia nos setores de petróleo e agricultura, declarou à Sputnik o embaixador
da Rússia em Luanda, Vladimir Tararov.
"Manifestou-se [interesse] do lado angolano no
trabalho em diferentes setores, especialmente de petróleo, produção agrícola e
no desenvolvimento do potencial industrial e de exportação", disse o
diplomata russo.
"E esse interesse tem que ser realizado na prática,
por isso agora vamos começar a elaborar o conceito de cooperação, havendo uma
troca de delegações bastante densa, depois começaremos a implementação prática
do planejado", revelou Tararov.
O embaixador acrescentou que no segundo semestre de
2023 se realizará em Angola uma conferência internacional, onde entre outras
coisas serão abordados os temas declarados – indústria petrolífera e
agricultura.
"Anunciamos um convite ao lado russo para
participar e ver o que vai beneficiá-los", disse o embaixador.
Na quinta-feira (27), o presidente russo Vladimir
Putin disse na sessão plenária da Segunda Cúpula e do Fórum Econômico e
Humanitário Rússia-África que em 2022 a Rússia forneceu 11,5 milhões de
toneladas de grãos à África, e nos primeiros seis meses deste ano já entregou
quase dez milhões de toneladas, apesar das sanções impostas às exportações
russas.
Fonte: Sputnik Brasil
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