Inteligência artificial tem relação com a bioética?
A inteligência artificial, as IAs, tem relação com
a bioética? Entendo que sim. O tão comentado comercial
da Volkswagen com Maria Rita e Elis Regina me
fez pensar sobre o tempo em que vivemos.
Parece que vivemos em tempos estranhos. Tempos em
que é preciso questionar os limites da vida e da morte. Isso porque a IA
basicamente lança um dilema ético para nós: a morte poderá deixar de existir,
já que é possível reviver vozes e imagens das pessoas que se foram.
As pessoas notáveis que se tornaram imortais por
sua biografia antes da IA agora podem ser tornadas imortais em razão de poderem
ser revividas indiscriminadamente para realizar, inclusive, tarefas que jamais
aceitariam se estivessem vivas (de corpo presente).
É possível que a partir de agora será preciso
regulamentar ainda mais os processos de morte. Os processos de vida e morte já
são regularizados há tempos. Desde que vivemos, como diz Foucault (filósofo francês), em um contexto social no qual é preciso
manter as pessoas saudáveis para mantê-las produtivas. Nesse sentido, explica
Foucault, sobretudo partir de fins do século XVIII, vida e morte são
regulamentadas especialmente por normas médicas. É ao saber médico que nossos processos
de viver e morrer prestam contas. É, aliás, o saber médico que define o momento
da morte: quando o cérebro deixa de funcionar, entende-se que a morte dos
demais órgãos é iminente.
Todo esse entendimento, que aqui estamos resumindo
consideravelmente, é também colocado em questão por outro filósofo
contemporâneo: Giorgio Agamben. Ele questiona se, quando for possível
realizarmos algo como um transplante de cérebros, a morte deixaria de existir,
ou ao menos, tornaria-se menos frequente. Com esse questionamento, Agamben nos
coloca diante de uma constatação que, em geral, causa perplexidade: não sabemos
ainda precisar, efetivamente, o que é a morte. Conseguimos precisar o momento
em que ocorre e isto é, por meio da medicina, definido pelo critério de morte
cerebral, um fato que é, por ora, irreversível. Mas, de todo modo, esse é um
critério que nós, em nossa limitada capacidade, definimos artificialmente. Não
sabemos dizer o que é a morte. É também por isso que no campo subjetivo, é tão
difícil e, por vezes, doloroso, pensar sobre morte e morrer.
Um pensador como Heidegger nos faz pensar na morte
como aquilo que dá sentido à vida: o ser humano é um ser para a morte, já que é
o fato de sermos mortais que nos coloca diante da possibilidade de dar sentido singular
à existência. Porém, por outro lado, Hannah
Arendt, discípula de Heidegger, modifica esse
entendimento. Arendt nos propõe que não é a morte que dá sentido à vida, são,
pelo contrário, os nascimentos que trazem novas possibilidades ao mundo. São os
nascimentos que trazem a possibilidade de mudanças e transformações, que serão
verificadas sobretudo pelo legado que podemos deixar. São, para Arendt, os
novos nascimentos que trazem a potencialidade de biografias que poderão ser
notáveis, que cumprirão seu papel singular, transformador e nos deixarão um
legado imortal, para a posteridade, para a História.
Se considerarmos este breve panorama histórico-filosófico,
vemos com clareza que a IA nos traz muitos dilemas éticos, e, sobretudo,
dilemas bioéticos.
É possível afirmar, e faço isso em meu livro Suicídio e medicalização da vida:
reflexões a partir de Foucault, que os temas
de bioética (morte, suicídio assistido, aborto, etc) nos colocam diante de uma
pergunta fundamental: “a quem pertence a vida?”. E, nesse sentido, como
dissemos no início, se a IA tem a capacidade de trazer de volta imagem e voz de
pessoas que já partiram, cabe questionar: “a quem pertence a vida e a biografia
dessas pessoas? Qual seria o impacto ético de fazê-las retornar para satisfazer
aqueles que estão vivos, independentemente do quanto isso possa ser
desrespeitoso com suas trajetórias?”
Talvez estejamos no tempo no qual será preciso
deixar por escrito: “não autorizo usar minha imagem, me reviver para nenhum
fim, em nenhuma hipótese ou situação”.
Além disso, precisamos pensar, desde já, na aguda
questão dos limites da tecnologia e talvez precisemos pensar sobre incluir, nas
diretivas antecipadas da vontade (o documento que expressa a vontade de forma
antecipada, em relação aos cuidados e tratamentos para momentos em que a pessoa
está incapacitada de se manifestar), a questão do que fazer e do que não fazer
em caso de doença grave ou morte.
Questões bioéticas nunca são simples ou
simplificáveis. Trata-se sempre de buscar as perguntas certas e não meramente
encerrar quaisquer discussões com convicções absolutas, certezas que encerram
reflexões e discussões.
A vida humana é complexa e o momento da morte, o
pós-morte, a biografia, também são e precisam ser pensados para que possamos
garantir o respeito e a dignidade. Para que possamos garantir, portanto, que as
vidas e mortes humanas serão tratadas de forma ética, sem violação de
biografias; essas que aqueles que se foram não podem mais defender.
Ø 'Material biológico não
humano' em óvni: o que disse militar nos EUA em depoimento no Congresso
O Congresso dos EUA realizou uma audiência pública
sobre as alegações de que o governo está encobrindo seu conhecimento sobre
óvnis (objetos voadores não identificados) — UFOs, na sigla em inglês.
Para o jornal "The Guardian", a audiência
lembrou "cenas de um filme de ficção científica". Das três
testemunhas presentes, as declarações de uma delas chamaram mais atenção: as de
David Grusch, um ex-funcionário de inteligência dos EUA. Também segundo o
Guardian, a audiência deixou "uma sensação geral de que existe um
acobertamento em algum lugar do governo dos EUA".
Apesar da repercussão, o encontro acabou com mais
dúvidas do que respostas e sem uma conclusão formada. Abaixo, entenda a
audiência:
>>>> Onde e quando a audiência
aconteceu?
No Capitólio, o centro legislativo dos Estados Unidos, que fica em Washington. A audiência aconteceu nesta quarta-feira
(26).
>>>> O que foi discutido?
Três veteranos militares aposentados testemunharam
alertando que avistamentos são um problema de segurança nacional e que o
governo tem mantido segredo sobre eles.
>>>> Quem era as testemunhas que
participaram?
Participaram três ex-oficiais militares. São eles:
- David Grusch: ex-oficial de
inteligência que, em junho, alegou que os EUA possuem veículos alienígenas
"intactos e parcialmente intactos".
- Ryan Graves: um piloto aposentado
da Marinha que desde então fundou a Americans for Safe Aerospace (que em
seu site diz ser uma organização de defesa de problemas para segurança
aeroespacial e segurança nacional com foco em fenômenos anômalos não
identificados).
- David Fravor: um ex-comandante da
Marinha que se lembra de ter visto um objeto estranho no céu durante uma
missão de treinamento em 2004.
>>>> O que David Grusch disse?
Foi o depoimento de Grusch o que mais repercutiu.
Segundo ele, o governo dos EUA conduziu um programa de "várias
décadas" que coletou e tentou fazer uma espécie de engenharia reversa de
"restos de acidentes envolvendo objetos não identificados".
Grusch, que falou sob juramento, também disse que
enfrentou retaliação "muito brutal" como resultado de suas alegações
sobre OVNIs — em junho deste ano, ele deu uma polêmica entrevista ao NewsNation
intitulada "Não estamos sozinhos".
Na época, Grusch afirmou que uma força-tarefa de
fenômenos aéreos não identificados que ele fazia parte teve acesso negado a um
amplo programa de recuperação de falhas. "Estão recuperando veículos
técnicos de origem não humana. Chame-os de espaçonaves, se quiser. Veículos de
origem exótica não humana que pousaram ou caíram", disse ele na
entrevista. Grusch também disse ao NewsNation que os EUA possuem "um bom
número" desses veículos "não humanos".
David Grusch em audiência sobre OVNIs nos EUA em 23
de julho de 2023 — Foto: Elizabeth Frantz/Reuters
Já na audiência, Grusch se esquivou de responder a
algumas perguntas alegando temer por sua segurança e também provocou risos dos
presentes, como quando se desculpou por "desapontar metade de vocês"
por não trazer "homenzinhos verdes ou discos voadores".
Grusch também disse ter conhecimento de
"pessoas que foram prejudicadas ou feridas" durante os esforços do
governo para ocultar informações sobre OVNIs.
Na audiência, ao ser perguntado pela deputada Nancy
Mace se acreditava que o governo fez contato com "extraterrestres
inteligentes", Grusch afirmou que não poderia discutir isso em público.
Na sequência, Mace perguntou, então, se o governo
teria os corpos dos pilotos que pilotaram as naves não humanas identificadas
pelo governo, lembrando declarações anteriores de Grusch. Ao que Grusch
respondeu: "Como já afirmei publicamente em minha entrevista à NewsNation,
materiais biológicos vieram com alguns destes restos".
Ao ser questionado se esses restos eram humanos ou
não humanos, Grusch respondeu "não humanos". Ele alegou, entretanto,
que esta foi a avaliação de pessoas com quem conversou. Depois, ao ser
perguntado se isso foi documentado, respondeu que teria que falar sobre isso
"em uma sala segura".
·
Quem é David Grusch?
David Grusch é ex-oficial de inteligência que, em
junho, alegou que os EUA possuem veículos alienígenas "intactos e
parcialmente intactos". Grusch liderou a análise de fenômenos anômalos
inexplicados (UAP, na sigla em inglês) dentro de uma agência do Departamento de
Defesa dos EUA até 2023.
"Eu vim de uma família operária em Pittsburgh
e tinha dinheiro para a faculdade", disse Grusch ao NewsNation em junho.
"Sempre admirei as pessoas de uniforme e sempre quis fazer parte de algo
maior do que eu."
Grusch serviu 14 anos na Força Aérea, tendo
passagens pelo Afeganistão e em outros lugares que não pode mencionar antes de
voltar para Washington.
"E meu último cargo, que deixei em abril de
2023, coliderei o portfólio UAP da Agência Nacional de Inteligência
Geoespacial. Alguns dos mais altos funcionários do Departamento de Defesa e da
comunidade de inteligência costumavam me chamar para aconselhá-los sobre
algumas das metas mais difíceis que o país tinha", disse Grusch ao
NewsNation.
Fonte: Por Flávia Andrade Almeida, para o Le Monde/g1
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