Crise climática: correntes do Atlântico podem colapsar em dois anos
Vital para o clima da Terra, um sistema de
correntes oceânicas pode entrar em colapso em meados do século, com implicações
catastróficas, alerta um estudo publicado, nesta terça-feira (25/07), na
revista Nature Communications. A chamada Circulação Meridional de Capotamento
do Atlântico (Amoc) é responsável pela redistribuição de calor dos trópicos
para as regiões setentrionais do Oceano Atlântico, e uma eventual falência
desse esquema poderia levar a alterações de até 15ºC em poucos anos. Para o
Brasil e outros países do Hemisfério Sul, as alterações previstas reduziriam
drasticamente as chuvas. No Norte, o cenário é de tempestades, baixíssimas
temperaturas e aumento do nível do mar.
Os pesquisadores, da Universidade da Dinamarca,
usaram registros da temperatura da superfície marinha na região do Atlântico
Norte Subpolar, medida desde 1870, para calcular a estabilidade da Amoc. Embora
o estudo não aponte a causa do enfraquecimento do sistema, os autores admitem
que o aquecimento global puxado pela emissão de gases de efeito estufa esteja
por trás da perturbação.
Em 2021, outro estudo publicado na revista Nature
apontou que, com o oceano cada vez mais quente e um aumento médio de 1,1ºC na
temperatura atmosférica desde o início do século 20, a Amoc já se encontra no
ponto crítico, quando não há mais o que fazer para evitar um colapso. Nos
últimos 1,6 mil anos, o sistema vem enfraquecendo, alertaram os cientistas.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
das Nações Unidas (IPCC) apontou, em seu relatório mais recente, que é
improvável que isso ocorra até o fim do século. Mas, para a equipe
dinamarquesa, pode-se esperar o colapso entre 2025 e 2095, com um intervalo de
confiança de 95%. "É provável que aconteça em 34 anos, em 2057",
adverte o artigo, destacando que a Floresta Amazônica e as geleiras polares
ficariam seriamente comprometidas.
• Mensuração
complexa
A última vez que a Amoc colapsou e se restaurou foi
no período glacial mais recente, encerrado há cerca de 12 mil anos. Registros
paleoclimáticos indicam que a falência no sistema de correntes levou a
flutuações médias de temperatura no Hemisfério Norte entre 10ºC e 15ºC em uma
década. Porém, a força dessa troca de águas no oceano só começou a ser
monitorada em 2004. Por isso, os pesquisadores dinamarqueses usaram um método
estatístico avançado que calculou a estabilidade do sistema com base nas
temperaturas da superfície do mar nos últimos 150 anos.
Segundo Susanne Ditlevsen, pesquisadora da
Universidade de Copenhague e um dos autores do estudo, a temperatura da
superfície é como uma "impressão digital" da força da Amoc. "Com
ferramentas estatísticas novas e aprimoradas, fizemos cálculos que fornecem uma
estimativa mais robusta de quando é mais provável que ocorra um colapso da
Circulação Termoalina (a troca das massas oceânicas), algo que não podíamos
fazer antes", explica a professora do Departamento de Matemática, em nota.
A falta de mensuração direta da força da Amoc
levantou críticas sobre a metodologia do estudo. "A dificuldade está na
escolha dos dados observacionais usados para alimentar o modelo
matemático", observa Levke Caesar, pesquisador do Instituto de Física
Ambiental da Universidade de Bremen, na Alemanha. "A Amoc é um sistema
complexo de correntes oceânicas superficiais e profundas (cerca de dois a três
quilômetros de profundidade) que simplesmente não podem ser medidas
diretamente", diz.
Caesar destaca que instrumentos de medição foram
instalados em vários locais do Atlântico desde o início dos anos 2000, medindo
a força do fluxo do sistema em diferentes latitudes. "Mas as séries
temporais resultantes são muito curtas para fazer afirmações sobre a
estabilidade da Amoc. Portanto, os autores do estudo usam outros dados
observacionais dos quais o estado do sistema pode ser derivado indireta ou
aproximadamente. Embora esses dados sugiram que a Amoc tenha enfraquecido nos
últimos 70 anos, eles ainda não foram suficientemente aperfeiçoados e testados
para fazer declarações confiáveis sobre o futuro do sistema", alerta.
• Efeito
disseminado
Contudo, o pesquisador do Departamento de
Oceanografia lembra que outros estudos também chegaram à conclusão de que a
Amoc está enfraquecendo. "Devemos levar essa mensagem a sério para estudar
mais profundamente o sistema e reduzir nossas emissões de gases de efeito
estufa, que são a principal causa da mudança climática antropogênica."
Caesar destaca que o colapso do sistema afetaria
todo o planeta. "A Amoc não afeta somente a Europa e os Estados Unidos,
mas também a região equatorial, e parece ter uma influência particular na
probabilidade e na quantidade de precipitação em partes da Ásia e da África.
Inúmeras pessoas seriam afetadas por uma Amoc mais fraca. No geral, porém,
ainda há necessidade de pesquisas adicionais para melhor quantificar os
impactos."
O principal autor do estudo, Peter Ditlevsen,
reconhece que os cálculos não se referem diretamente à força do sistema de
correntes, mas garante que a temperatura da superfície do mar representa com
fidelidade a robustez da Amoc. "Estamos confiantes em nossos cálculos e,
se estivermos certos, temos de nos preocupar agora."
Fonte: Correio Braziliense
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