O preço da mentira
Na
história da Humanidade, a mentira sempre tentou fazer sombra à verdade. Jesus
Cristo foi conciso e direto aos apóstolos que não entenderam plenamente quando
lhes disse que, em breve, ia “voltar à casa do Pai”, cujo caminho eles sabiam
perfeitamente, lembrando-lhes: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém
vem ao Pai, a não ser por mim”. Os chineses, que são uma civilização anterior à
vinda de Jesus Cristo à Terra, assim como os hindus, também eram diretos: Diz
um provérbio chinês que a “Meia verdade é sempre uma mentira inteira”. Para o
jornalismo, que lida com os fatos e a interpretação dos fatos, falsear com a
verdade é um pecado mortal.
No
século passado, a Humanidade pagou caro pela adesão da sociedade alemã ao
projeto nazista de Adolf Hitler, que se fundou sobre as mentiras propagandeadas
cinicamente por Joseph Goebbels, que veio a ser seu ministro da Informação e
Propaganda, depois que Hitler tomou o poder na Alemanha nazista. Goebbels dizia
que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Sua pregação contra os
judeus calou junto à pequena burguesia e os operários alemães e terminou por
ceifar nada menor de 70 milhões de vidas na 2ª Guerra Mundial, dos quais, pelo
menos 6 milhões de judeus foram exterminados no Holocausto.
O
Congresso está sendo agitado desde a última semana pela criação da Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), formada por representantes dos diversos
partidos no Senado e na Câmara dos Deputados, a CPI para investigar os Atos
Golpistas de 8 de janeiro, de tentativa do poder. Os atos já estão sob
inquéritos da Polícia Federal, da Procuradoria Geral da República e da
Advocacia Geral da União, sob a coordenação do ministro do Supremo Tribunal
Federal, Alexandre de Moraes, que conduz os inquéritos das “fake news” contra
as urnas eletrônicas, que têm ligação direta com o golpe frustrado.
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Inversão de papéis
Reza
a tradição do Congresso de que “as CPIs acabam em pizza”. Geralmente, meia
calabresa, meia muçarela. CPIs fazem muito barulho e costumam dar visibilidade
a seus integrantes. Razão pela qual trava-se disputa feroz pela escalação de
presidentes e relatores da CPMI, bem como dos próprios representantes da
oposição, que estão ávidos por tentar inverter a narrativa. Pegos em flagrante
na tentativa de um golpe de Estado (sobre todas as instituições basilares do
Estado Democrático de Direito, definido na Constituição de 1988 – O Executivo,
o Legislativo e o Judiciário), os radicais bolsonaristas estavam acuados pelas
acusações que já transformaram em réus três centenas dos mais de 1.500
destruidores do patrimônio nacional detidos na capital ou nos estados de
origem.
Os
bolsonaristas querem retomar a narrativa de que o governo Lula facilitou a
tentativa de golpe, quando se sabe que houve uma ampla conspiração. A
Secretaria de Segurança do Distrito Federal, cuja Polícia Militar é a
responsável maior pela segurança de Brasília. Mas o seu comando foi transferido
em 2 de janeiro para o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro,
Anderson Torres, que ocupava o posto quando foi chamado, em abril de 2020, para
substituir Sérgio Moro no ministério. Só que Torres escafedeu-se para Orlando
(EUA), onde Jair Bolsonaro estava desde 30 de dezembro, antecipando férias, na
véspera do golpe do dia 8, e deixou o esquema de segurança do DF desmobilizado.
Para
piorar, o governo Lula não chegou a fazer uma limpeza no Gabinete de Segurança
Institucional (GSI). O gabinete responde pela segurança do Palácio do Planalto,
através da Guarda Presidencial, e do presidente e sra. e do vice e sra, além
dos familiares. Conta, ainda, com a estrutura da Agência Brasileira de
Informações (Abin) para ter informações de inteligência para agir
preventivamente contra atos terroristas ou golpistas que ameacem a segurança institucional
e dos mandatários.
Até
uma semana antes, todos os membros do GSI, da Guarda Presidencial e da Abin
haviam sido recrutados e comandados pelo general Augusto Heleno, velho
conspirador contra a democracia e o mais fiel conselheiro de Jair Bolsonaro.
Quando coronel, Augusto Heleno, era ajudante de ordens do então ministro do
Exército Silvio Frota, e atuou intensamente na tentativa frustrada de Frota
para tentar unir o alto comando do Exército para dar um golpe no presidente
Geisel em outubro de 1977.
O
general Geisel e seu chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva,
que foi o criador do Serviço Nacional de Informações (SNI), em 1964, sabiam
trabalhar com informações confidenciais. E se anteciparam a Frota. Convocaram
os generais de quatro estrelas para reunião no Palácio do Planalto. Enquanto
Frota, com Augusto Heleno à frente, tentava receber os generais no aeroporto de
Brasília para uma reunião no “Forte Apache”, o QG do Exército onde acamparam os
bolsonaristas golpistas desde 30 de outubro, quando as urnas apontaram a
vitória de Lula não reconhecida por Bolsonaro. A Abin, versão moderna do SNI,
foi criada por Fernando Henrique Cardoso, em dezembro de 1999, depois de criar,
em junho, o Ministério da Defesa, sob comando civil, tirando o “status” de
ministério do comando das três forças: Exército, Marinha e Aeronáutica. Era o
avanço da democratização.
Mas,
no dia em que o novo depoimento de Jair Bolsonaro na Polícia Federal sobre a
mensagem publicada em sua rede social dia 11 de janeiro, três dias depois de
quase todas as forças democráticas do país repudiarem o golpe, tomaria conta do
noticiário, vaza o estranho vídeo captado pelas câmeras de segurança do Palácio
do Planalto na tarde do dia 8. Nele aparece o ministro-chefe do Gabinete
Segurança Institucional, general Gonçalves Dias, orientando os invasores do 3º
andar do Palácio do Planalto a descerem as escadas, junto com outras imagens de
oficiais remanescentes da composição do GSI, até o 2º andar, onde seriam
presos.
Entretanto,
como o GSI não tinha sido “desbolsonarizado” por G. Dias, na 1ª semana do
governo Lula, a sequência do vídeo apontou vários oficiais nomeados pelo
general Heleno, e que seguiram atuando, sendo cordiais com os invasores e
depredadores, aos quais cumprimentam como velhos conhecidos e servem água. No
caso destes, os rostos estavam apagados, num indício claro de que os antigos
pupilos de Augusto Heleno estavam no cerne da filmagem ignorada por G. Dias e
na desmobilização interna das forças de segurança do governo federal no dia 8,
formando um conluio com a omissão dos órgãos de segurança do governo de
Brasília. Por isso, Moraes exigiu a identificação de quem teve os rostos
apagados no vídeo.
O
fato é que o vazamento deu ânimo aos aliados de Bolsonaro e Augusto Heleno de
tentar criar confusão na CPMI, atenuando a culpa dos invasores e, por tabela,
gerando obstáculos à tramitação de medidas importantes do governo Lula, como as
medidas provisórias, o arcabouço fiscal e a futura reforma tributária. De
quebra, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um fiel aliado de
Bolsonaro, que usou e abusou da distribuição do Orçamento no governo passado,
está tentando manter o seu poder quase absoluto na Câmara com a criação
paralela de três outras CPIs: a sobre a atuação do MST na invasão de terras no
governo Lula, a das Americanas e a da Manipulação de Jogos de Futebol,
vinculada à jogatina dos sites de apostas.
CPMIs
costumam terminar em pizza (muito barulho e quase nenhuma condenação). Nesta
CPMI mista, os bolsonaristas, pegos com a boca na botija, querem inverter a
narrativa. Querem fazer como o bando de ladrões que arrombaram o banco com
alarde e chamaram a atenção da polícia, que encontrou na revista ao banco,
amordaçado, o guarda de segurança que dormia quando os assaltantes entraram e o
renderam. Na hora de depor ao delegado, disseram que o guarda facilitou o
assalto...Se for assim, será pizza de meia verdade e meia mentira. O que
subverte os fatos. Lembro uma famosa CPMI no governo Dilma. Em meados de 2014,
o então diretor de Refino e Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa,
indicado à estatal pelo PP de Lira, proclamou solene: “Senhores, a Petrobras é
uma empresa séria”. A CPMI seria arquivada sem condenações. Mas a operação
Lava-Jato descobriu contas na Suíça da filha e do genro de Costa, que foram
detidos. A partir daí, Costa abriu o bico. Foi condenado e cumpre pena
domiciliar, com tornozeleira eletrônica. A CPMI da Covid e das vacinas não
chegou ainda a muitas condenações, diante da lerdeza da PGR de Augusto Aras.
Mas os fatos revelados desgastaram e levaram Bolsonaro à derrota, cuja imagem
aliados e filhos tentam salvar.
·
FoxNews pega na mentira
Diz
um velho ditado que a “mentira tem perda curta”. O dito popular virou mote para
uma música da dupla sertaneja Tião Carreiro e Pardinho: “Mentira tem perna
curta; Pra longe ela não vai; A verdade quando chega; Mentira voando sai; Vai
voando igual o vento; Mesmo assim um dia cai”. Tião Carreiro, que era mineiro,
lá pelas tantas, enaltece Tiradentes, como fez Chico Buarque em “Exaltação a
Tiradentes”, cantada por Elis Regina: “Joaquim José, da Silva Xavier, morreu a
21 de abril, pela Independência do Brasil; Foi traído e não traiu jamais, a
Inconfidência de Minas Gerais”, e termina a música “Mentira tem perna
curta" com os seguintes versos: “A mentira está na guerra; A verdade está
na paz; Lá na frente do juiz; A mentira se desfaz; A mentira é uma serpente; Só
morre nos tribunais; A espada da justiça; E a verdade e nada mais”. Os tribunais
quase sempre desnudam mentira.
Vejam
o caso exemplar da FoxNews americana, do bilionário empresário australiano
Robert Murdoch. Trata-se de um dono de jornais e revistas de escândalos que fez
fortuna com a meia mentira. No Reino Unido, o foco principal dos seus tabloides
eram fotos comprometedoras de membros da família Real. A princesa Diana foi
alvo constante. Nos Estados Unidos, virou um dos mais poderosos formadores de
opinião e influenciador na indústria de entretenimento. Murdoch controla,
através da News Corp, o estúdio 20th Century Fox, a TV Fox, o canal National
Geographic, uma fatia da empresa de TV por assinatura Sky, o “The Wall Street
Journal”, jornal de maior circulação no país e com grande influência no mundo
dos negócios e na classe conservadora, e o "New York Post", além dos
jornais britânicos "The Sun" e "The Times".
A
TV Fox passou a se alinhar com Donald Trump e virou a “emissora oficial vista
por seus adeptos”. Sua pregação contra o isolamento na Covid e a resistência
inicial às vacinas teve apoio da Fox. Porém, pressionado pelo Congresso e a
mídia em geral, o governo Trump mudou de opinião e destinou bilhões às
pesquisas de vacinas para a Pfizer e a Moderna, entre outros laboratórios. Mas
Trump percebeu que perderia a eleição quando o Partido Democrata convocou todos
a votarem pelo correio, para evitar os riscos de contágios nas filas de votação
(a resistência às vacinas predominava entre os republicanos), e começou a
pregar que, se não fosse eleito, seria fraude, e pôs em dúvida a eficácia das urnas
da Dominion Voting Systems. Quando os resultados apontaram a derrota de Trump,
a audiência da Fox despencou.
Foi
aí que o apresentador Tucker Carlson, âncora do programa de maior audiência da
FoxNews, em reunião com Murdoch e outros diretores, bolou um meio de
reaglutinar a audiência dos eleitores republicanos. Foram requentar uma velha
denúncia (deixada de lado por falta de credibilidade pelo próprio Carlson) de
fraude nos sistemas da Dominion. Isso atraiu novamente a audiência dos
eleitores de Trump, que acabou gerando a infâmia da invasão do Capitólio em 6
de janeiro.
Afetada
em sua credibilidade nos seus negócios, a empresa acionou a Fox na Justiça e
ganhou uma ação de US$ 787 milhões de indenização por difamação, perdas e
danos. Não durou uma semana para a Fox demitir quem antes era sua estrela. Caro
leitor, o que aconteceu com a Jovem Pan TV foi algo semelhante. Ao longo de
2022, a emissora aliada de Bolsonaro apresentava comentaristas e apresentadores
dispostos a distorcer os fatos. Quando a derrota se consumou e os anunciantes
fizeram uma debandada, os donos da emissora iniciaram demissão em massa para
tentar mudar a imagem.
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O desaforo a Fávaro
O
agronegócio brasileiro tem dois grandes financiadores de suas atividades: a
carteira de crédito agrícola do Banco do Brasil e o BNDES, cujas linhas de
crédito do Modernfrota são franqueadas aos bancos privados, emprestadores
finais. BB e BNDES destinam mais de R$ 450 bilhões ao agronegócio. A
modernização da grande lavoura e da pecuária moderna, ambas movidas a crédito,
deve-se muito à Embrapa, a empresa de pesquisa agrícola do governo federal que
desenvolveu sementes para o clima e o solo do cerrado brasileiro. As sementes
de soja, milho, algodão, girassol, sorgo, arroz e feijão desenvolvidos pela
Embrapa mudaram a agricultura e até o mapa político do país, concentrando a
produção agrícola no Centro-Oeste. As modernas máquinas agrícolas, que custam
quase R$ 1 milhão, operam até sem mão de obra e são financiadas pelos fundos
dos bancos oficiais. Que assim como a Embrapa e o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA) estão desde 1º de janeiro de 2023, sob o
comando do governo Lula, eleito democraticamente nas urnas em 30 de novembro de
2022.
Mesmo
com as toneiras do BB e BNDES fechando no ano passado na largada da safra, os
produtores rurais e criadores de gado tiveram preferência por Jair Bolsonaro
nas urnas em 2022. Entre outras coisas, porque o MAPA deixou o abastecimento de
lado e liberou agrotóxicos aos montes, em dobradinha com a vista grossa do
Ministério do Meio Ambiente às infrações ecológicas dos fazendeiros. Mas nos
próximos quatro anos, seus negócios terão de ser tratados nos guichês do
governo Lula. Chega, por isso, ser uma rematada tolice o coice político dos
organizadores da 28ª Agrishow, a maior feira de máquinas agrícolas, realizada
anualmente em Ribeirão Preto (SP), de fazer a opção preferencial de prestigiar
o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O
ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, senador do PSD-MT, e político ligado ao
agronegócio, foi solenemente escanteado do evento de abertura (agora cancelado)
para uma mesa-redonda sobre “Mercado de Capitais e o Agronegócio”, na 3ª feira.
Elegante, Fávaro declinou do desfavor. Domingo, em Uberaba, outra feira que
reúne segmento conservador da agricultura brasileira, a ExpoZebu, abriu as
portas fechando as porteiras ao governo Lula. Vale lembrar que o ex-presidente
Getúlio Vargas era presença assídua em Uberaba. O oriundo da Índia, o gado
zebu, com predomínio da raça Nelore e ainda das raças Gir e Guzerá, é o mais
numeroso entre as mais de 225 milhões de cabeças bovinas do país, responsáveis
pelo abastecimento do mercado interno e a exportação. A carne de zebu e a
agricultura do cerrado puseram o Brasil como maior exportador de carne bovina e
de frango do mundo. Tudo deriva da produção agrícola ter-se deslocado dos
estados do Sul para o Centro-Oeste, quando antigos donos de 50 hectares
venderam as terras a parentes ou vizinhos e foram desbravar (e desmatar) 1.000
hectares no cerrado e no bioma da Amazônia ao norte de Mato Grosso (zona de
transição onde é obrigatório, pela lei ambiental, preservar 35% da natureza).
A
modernização da agricultura empresarial precisa ser estendida à agricultura
familiar, com educação e assistência técnica. Mas isso precisa também ter
revolução da produção nacional de máquinas agrícolas voltadas ao pequeno
produtor (a China tem uma produção gigantesca de máquinas que custam menos de
US$ 5 mil para atender suas milhares de cooperativas). Quando isso acontecer,
haverá aumento na produção (e redução de preços, pela maior oferta) de
hortaliças, frutas e legumes. E o sentimento de bem-estar irá aumentar na
sociedade.
Fonte:
Por Gilberto Menezes Côrtes, para o Jornal do Brasil
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