segunda-feira, 1 de maio de 2023

'Não falava com meus amigos sobre astronomia porque me dava pena': o maior centro de superdotados da América Latina

Uma aula sobre o desenvolvimento da inteligência e as mudanças no cérebro que deram origem à linguagem verbal não parece ser o assunto mais comum para crianças de 7 anos.

Mas nesta escola são ensinados esse e muitos outros temas que mantêm as crianças estimuladas, que levantam a mão sem parar para fazer perguntas perspicazes e opinar sobre o que passa a professora, que pacientemente responde uma a uma.

No chamado Centro de Atenção ao Talento (Cedat), localizado na Cidade do México, todos os seus alunos têm um denominador comum: são superdotados. Ou dito de outra forma, de acordo com a explicação oficial, eles têm um QI de mais de 130 pontos.

Aqui, além de aulas mais avançadas de ciências, história ou línguas, os alunos recebem ensimanentos sobre robótica ou conhecimentos de medicina e primeiros socorros de professores ou especialistas talentosos.

É igualmente impressionante constatar que as crianças são reunidas em turmas não por sua idade (variando de 2,5 a 17 anos), mas por sua capacidade e desenvolvimento intelectual.

Isso ocorre porque todos progridem em seu próprio ritmo, mas esses alunos aprendem 30 a 50% mais rápido do que as crianças aprendem em média. Isso permite que eles passem duas séries em um único ano letivo... ou até mais.

·         Desmotivados em outras escolas

A chegada de alunos superdotados a esse centro, cujos gestores o definem como o maior do gênero na América Latina, nem sempre é fácil.

Primeiro, porque muitas vezes são difíceis de identificar esses estudantes.

Alguns comportamentos comuns nessas crianças — se distraem na escola tradicional porque estão entediados ou são hiperativos — às vezes têm como resposta diagnósticos errados, como déficit de atenção, ou a prescrição de medicamentos fortes como antipsicóticos ou antidepressivos.

Para se ter uma ideia, estima-se que cerca de 3% de uma população seja superdotada, o que entre os menores no México equivaleria a 1 milhão de crianças e adolescentes. No entanto, segundo o Cedat, mais de 11.500 não foram identificados no país.

Uma vez identificada a condição, a chegada do aluno a um centro de ensino especializado muda completamente sua vida, principalmente quando se cercam de pessoas com as mesmas habilidades com as quais convivem, sem medo de rejeição.

"Minha outra escola era fácil. Eu gostava de astronomia, mas não falava com meus amigos sobre isso porque me dava pena. Eu era tão jovem... era como ser um 'miniprofessor'", diz Alexis Martínez , aluno do Cedat de 7 anos .

“Por outro lado, aqui aprendo coisas que não são para crianças da minha idade, que outras crianças ficariam tipo… 'o que é isto?'. Mas fico feliz de aprender essas coisas."

Sua colega Mikella Gamborino concorda. "As outras escolas eram muito fáceis. Eu sento aqui, converso e digo 'ah, estou com os meus pares'. Sinto diferença sim, me sinto melhor e me comunico melhor."

Ouvir Alexis e Mikella é quase hipnotizante. Passada uma timidez inicial, eles se mostram articulados e afiados, falando quase sem parar. Interrompem-se, complementam-se e saltam de um tema para outro sem se dar conta, com enormes sorrisos contagiantes.

Alexis nos explica detalhadamente os meandros e curiosidades da tabela periódica dos elementos, e nos conta o que gostaria de estudar mais sobre a síndrome de Edwards ("uma trissomia do cromossomo 18", explica ele) para ajudar aqueles que causam atrasos graves no desenvolvimento.

Mikella nos surpreende ao se apresentar em mandarim, um dos vários idiomas que estuda.

·         Estereótipo de 'rato de biblioteca'

Mas entre tantos assuntos que revelam seu maior nível intelectual, eles também falam de outros que os lembram que ainda são crianças de 7 anos.

Eles falam sobre animes japoneses (que Alexis compara com Chaves) e piadas que leram em um livro. Ambos ficam entusiasmados quando são autorizados a entrar em um pequeno supermercado onde aprendem sobre economia e economia doméstica, e Mikella não consegue deixar de rir quando ele tenta operar um pequeno robô por controle remoto com sucesso limitado.

Quebrar estereótipos sobre os superdotados e enfatizar que eles continuam sendo crianças é justamente um dos objetivos do Cedat.

"Quando falamos de crianças geniais, ainda pensamos no nerd desajustado ou o típico rato de biblioteca. É um estereótipo que não costuma ser verdadeiro. E também não são crianças que tiram dez na escola, muitas vezes porque isso não interessa a eles", explica André Almazán, professor do Cedat e filho dos diretores do centro fundado em 2010.

Ele sabe do que está falando porque foi identificado como superdotado aos 4 anos, quando já sabia ler e escrever. Ele lembra como ficava entediado nas aulas, que era hiperativo e que gostava muito de se movimentar, o que o levava a sofrer bullying e também enfrentava problemas por comportamento e com a autoridade dos professores.

"Às vezes eu encontrava um erro e questionava. Dizia a eles que isso não estava certo, que não era exato. E então tive que aprender que não se questiona quando se tem 5 anos, que professor não gosta que digam que está errado", lembra.

Acabou abandonando a escola tradicional aos 9 anos e ali iniciou uma carreira acadêmica impressionante.

Aos 12 anos começou a estudar Psicologia e Medicina na universidade. Suas duas faculdades foram seguidas por seis mestrados e dois doutorados em centros tão prestigiados como Harvard, nos Estados Unidos, ou Oxford, no Reino Unido.

Hoje, com apenas 28 anos e recém-casado, continua estudando e realizando pesquisas sobre superdotados no Cedat.

O centro não recebe qualquer apoio econômico do governo e é financiado de forma totalmente privada graças ao dinheiro de familiares dos alunos, que devem ter sempre um coeficiente mínimo de inteligência de 130 para serem admitidos.

No entanto, o centro diz que as mensalidades podem ser adaptadas a famílias sem tantos recursos.

·         Mais meninos que meninas

Nos estudos de Almazán, aparece um detalhe que também é visível nos corredores do Cedat: a existência de menos meninas superdotadas do que meninos.

Almazán afirma que existem fatores genéticos que explicam esse dado, pois para uma menina ser superdotada ela deve ter dois pais também superdotados. No caso do sexo masculino, por outro lado, basta que apenas um dos pais seja filho.

Além disso, aponta também que em muitos casos é mais difícil encontrar essas meninas porque “socialmente elas podem ser mais passivas, obedecem mais que o menino, que enfrenta mais e testa as pessoas para ver o que acontece com ele. Mas muitos deles se misturam mais com o ambiente para serem aceitos".

"Por tudo isso vemos que ainda existe uma discrepância considerável nas questões de gênero que estamos tentando entender. A diferença não deveria ser maior do que seis meninos para quatro meninas, mas é maior... oito em relação a duas", diz o especialista.

Quando não é oferecida a essas crianças uma educação adaptada à sua realidade, “há um processo de atrofia”, compara Almanza. As capacidades são perdidas por falta de uso e essas pessoas acabam frustradas ou até deprimidas.

O especialista reconhece que persistem grandes desafios, como a conscientização tanto na sociedade quanto nas autoridades de que essas crianças existem.

"Agora há mais consciência de que medicá-los não é a solução, mas às vezes a pressão também faz alguns pais pensarem que colocá-los em um tratamento é mais fácil... Os desafios são muitos, mas estamos motivados ", disse à BBC News Mundo.

Enquanto isso, Alexis e Mikella seguem com seus treinamentos no Cedat e sonham com o futuro.

Ele pensa ser um "químico, veterinário ou médico". Ela quer ser astronauta, mas almeja uma ambição ainda maior, se possível.

"Quero estudar células humanas para que elas sofram mutações e tenham características... sabe o Flash, que anda super-rápido? O corpo humano pode acabar tendo essas características que a gente vê na televisão. Muitos vão pensar que isso não é verdade e que sou louca, mas dá para conseguir", diz ela.

Antes de nos despedirmos, pedimos a eles uma frase que dão motivação aos alunos e Alexis recitou uma de Albert Einstein: "A imaginação é mais importante que o conhecimento".

"Isso me inspira porque é como se não importasse com o que você sabe agora. O que importa é que você vai descobrir outras coisas, e isso vai te tornar inteligente", diz ele, antes de voltar para sua sala de aula.

Qual é o perfil das crianças superdotadas?

  • Hiperatividade, que diminui quando uma tarefa com desafios ou interessante é dada
  • Rápida aprendizagem
  • Distraído (por hipersensibilidade dos sentidos), embora com capacidade de aprender sem prestar atenção
  • Participa de conversas de adultos, consegue entendê-las e gosta de conversar com pessoas mais velhas
  • Constrói continuamente objetos ou estruturas
  • Tende a querer impor suas regras
  • Sensível na área emocional
  • Possui baixa tolerância à frustração, o que gera uma busca incansável para sempre atingir seus objetivos

 

Fonte: BBC News Mundo 

 

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