Vitória de Trump acelera aperto de cintos
por aqui
O governo Lula torcia
pela vitória da vice-presidente democrata, Kamala Harris, pois desenharia um
quadro econômico mais favorável ao Brasil, com a continuidade da queda de juros
pelo Federal Reserve Bank. Com a vitória do ex-presidente Donald Trump, com
maioria republicana no Senado e na Câmara, é esperado um maior alinhamento
entre os poderes Executivo e Legislativo. O cenário favorece Trump a
implementar suas propostas de campanha, que passam por temas como barreiras e
tarifas comerciais – em particular contra a China –, imigração e medidas
fiscais. Na economia, novas medidas de cunho protecionista podem ter reflexos
inflacionários à frente, o que impactaria a trajetória futura de juros, que
fortalece o dólar globalmente.
O efeito de maior
pressão inflacionária e o cenário de juros mais altos nos Estados Unidos têm
forte impacto no Brasil e no mundo. Com pressão no câmbio e juros mais
elevados, que afeta o PIB, o Brasil vai enfrentar mais dificuldades para
ajustar as despesas às receitas. Antes de Trump, o Fed iria baixar os juros até
maio de 2025, quando o Banco Central baixaria os juros no Brasil, facilitando a
retomada do crescimento econômico que turbina a arrecadação e alivia os níveis
do endividamento público em relação ao PIB.
Por isso, o governo
Lula resolveu mergulhar, mais uma vez, no exame de medidas para ajustar o
orçamento em 2025 para não chegar em 2026 com a economia em crise. Como ficou
provado nos Estados Unidos, apesar de a inflação ter desacelerado, a sensação
de piora do cenário econômico (em boa parte pelos patamares altistas nos
preços, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia e a retaliação dos membros da
OTAN), alardeada por Trump, foi um dos grandes cabos eleitorais da vitória
republicana.
No Brasil, o Comitê de
Política Monetária do Banco Central (Copom) subiu os juros em 0,50% para 11,25%
ao ano e deixou clara a relevância de medidas fiscais estruturais, ainda a
serem apresentadas. Estas, segundo as autoridades monetárias, podem reduzir os
prêmios de risco, ajudando assim a conter a pressão cambial. Em análise do
Itaú, o maior banco privado do país assinala que “os desafios orçamentários
persistentes representam riscos ascendentes para a inflação e para a trajetória
futura das taxas de juros”.
Num país como o
Brasil, em que o Orçamento Geral da União já está fortemente comprometido por
gastos obrigatórios (salários do funcionalismo e benefícios sociais e
subsídios), sobrando pouco espaço para investimentos, o razoável seria usar as
projeções do Censo 2022 do IBGE, que apontam a redução do número de crianças e
o aumento da participação de idosos com mais de 65 anos na população, para
redimensionar os gastos de Saúde e Educação ao horizonte projetado. Mas a
Constituição determina a destinação mínima de 18% das receitas da União em
Educação e 12% em Saúde.
• Como negociar com o Congresso
Se não bastasse isso,
com o crescimento do Orçamento Secreto no governo Bolsonaro, que delegou mais
fatia do OGU às emendas dos senadores e deputados, fica mais difícil a
negociação de cortes que precisam envolver não apenas a concordância dos
ministros das áreas afetadas pelas indicações da equipe econômica – os
ministros da Fazenda, Fernando Haddad, do Planejamento, Simone Tebet, e de
Orçamento e Gestão, Ester Dweck – mas a colaboração e compreensão dos Poderes
Judiciário (haveria corte dos altos salários da magistratura) e do Legislativo,
com aprovação de Projetos de Leis Complementares, Propostas de Emenda
Complementar.
Para aprovação de um
Projeto de Lei é preciso maioria simples no Senado (41 votos) e na Câmara dos
Deputados (257 votos). Para emendas à Constituição o quórum mínimo é de 3/5 dos
votos em duas rodadas no Senado (49 votos) e na Câmara (308 votos). Em tempo de
formação de novos blocos no Congresso, já antecipando a composição das mesas
das duas casas e suas respectivas presidências em 1º de fevereiro de 2025, as
negociações ficam ainda mais escorregadias e difíceis.
• Qual será o pacote fiscal?
O governo vai propor
novas medidas de revisão de gastos com o objetivo de garantir o cumprimento do
arcabouço fiscal vigente ao menos até 2026, em complemento às medidas
administrativas de “pente-fino” de benefícios sociais já anunciadas. As
propostas cogitadas até o momento envolvem, entre outras, alterações do
Benefício de Prestação Continuada (BPC), Seguro-Desemprego, Fundeb, vinculações
ao mínimo, limitação do abono salarial (PIS-Pasep) a dois salários-mínimos,
pisos constitucionais de saúde e educação e da previdência dos militares. O
Itaú estima que o cumprimento do arcabouço em 2025 depende de ao menos R$ 25
bilhões de redução de despesas, podendo ser obtidos, por exemplo, com o sucesso
das medidas de “pente-fino”.
Para 2026, o Itaú
considera ser necessário ajuste adicional de ao menos R$ 35 bilhões, para o
pacote de revisão de gastos ter sucesso em obter alguma redução da percepção de
risco fiscal. O Itaú assinala que o pacote pode ser uma oportunidade para
reduzir os receios quanto às iniciativas onerosas do ponto de vista fiscal,
como a isenção do imposto de renda das famílias até R$ 5 mil, e ao aumento das
criatividades contábeis e retorno de estímulos parafiscais, podendo, por
exemplo, garantir que novas políticas públicas (como o programa Pé de Meia) e a
expansão de políticas existentes (como o “vale-gás”) sejam contabilizadas de
forma transparente e sujeita às regras fiscais vigentes.
Ao longo de novembro
serão divulgados dados que mostram a piora do quadro fiscal:
i) relatório bimestral de novembro com
novos bloqueios;
ii) avanço da regulamentação da reforma
tributária do IVA;
iii) divulgação do bônus de Itaipu para o país
inteiro (que pode baixar a conta de energia elétrica residencial);
iv) divulgação dos nomes dos três novos
diretores do Banco Central.
O Itaú calcula cortes
de R$ 105 bilhões, equivalentes a 0,9% do PIB, para alinhar os gastos públicos
nos limites do Arcabouço Fiscal, já apontados pela equipe econômica, mas que
seriam feitos por etapas, pois algumas medidas dependem de aprovação do Congresso.
Sendo realista, para garantir o cumprimento do limite de despesas do arcabouço
fiscal até 2026, o Itaú estima ser necessário ajuste mínimo de R$ 60 bilhões,
sendo R$ 25 bilhões em 2025.
• Medidas administrativas
As medidas mais
eficazes, de ordem administrativa, envolvem o BPC (que paga um salário-mínimo a
idosos com mais 65 anos e sem renda suficiente para seu sustento),
Seguro-Desemprego, Fundeb, vinculações ao mínimo, pisos constitucionais de
saúde e educação e a previdência dos militares:
O corte de R$ 25
bilhões para 2025, equivalente a 0,2% do PIB, seria feito com medidas
administrativas antifraude na Previdência e no programa de BPC (dos ministérios
da Previdência e Desenvolvimento Social) com incentivo aos servidores na ação
de recadastramento. A operação pente-fino em aposentadorias por invalidez,
auxílio-doença e BPC, há mais 6 meses sem revisão com perícias, poderia
economizar R$ 14 bilhões, ou 0,1% do PIB.
No Bolsa Família, com
medidas administrativas para normalizar a participação de famílias unipessoais,
pode-se economizar R$ 7 bilhões, o equivalente a 1% do PIB. O MDS deveria focar
na redução das participações dos unipessoais de 19% para 14% (uma volta ao
patamar de 2019, inchado na pandemia da Covid e na eleição de 2022), para
encolher os beneficiários em quase 1,1 milhão.
O terceiro programa
requer a revisão de gastos de Proagro e Seguro Defeso, no âmbito do Ministério
da Agricultura, e pode economizar R$ 4 bilhões.
• Medidas de R$ 42 bilhões passam pelo
Congresso e STF
Um pacote mais amplo
de seis medidas depende da aprovação, no Congresso, de Leis e Propostas de
Emendas Constitucionais (PECs) e entendimentos com o Supremo Tribunal Federal.
A redução de 50% dos gastos com o abono salarial (PIS-Pasep), que seria limitado
a quem ganha até dois salários-mínimos - R$ 2.824 - poderia economizar R$ 15
bilhões (o equivalente a 1% do PIB), mas depende de aprovação de PEC. Outra
providência mais simples, também ligada ao Ministério do Trabalho, que depende
de Lei, é a reforma do seguro-desemprego, ajustando o programa aos recursos do
FGTS como fonte de suporte (a multa dos 40% na demissão sem justa caixa), a
partir do 3º mês de desemprego. Prevê-se economia de R$ 10 bilhões ou 0,1% do
PIB.
Também dependente de
lei simples, no âmbito do Ministério de Gestão, é a regulamentação dos
supersalários do setor público (PL 6726/16 regulamenta que tipos de benefícios
podem ultrapassar teto salarial dos servidores federais, incluindo juízes e
militares). Estima-se uma economia de R$ 4 bilhões.
Um ponto sensível no
relacionamento com o Congresso, o corte de emendas parlamentares vinculadas a
verbas do Orçamento para as pastas de Saúde e de Educação – com estimativa de
economia de R$ 6 bilhões – depende não apenas do OK da Câmara e do Senado, mas
de negociação do STF.
Medida simples, no
âmbito do Ministério da Fazenda, seria definir orçamento limitado a cada ano
para os subsídios e o seguro-defeso. Já a imposição de limites do total de
despesas obrigatórias (como a sua vinculação ao limite do Arcabouço Fiscal, de
2,5% linha a linha, que geraria economia de R$ 8 bilhões, ou 0,1% do PIB),
seria mais complexa, exigindo apresentação de PEC.
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Pacote de R$ 38 bilhões depende de PECs
Uma terceira etapa de
medidas de contenção de gastos exige negociações mais complexas de Propostas de
Emenda Complementar (PEC) e uma Lei Complementar, aprovada com maioria simples.
Uma PEC para redefinir os gastos para apuração do limite mínimo de Educação e
ampliar de 30% para 60% os recursos destinados ao Fundeb considerados para o
limite mínimo de Educação gerariam economia de R$ 17 bilhões, ou 0,1% do PIB.
Uma Lei Complementar
desobrigaria a execução dos recursos do FNDCT (Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico), com economia estimada de R$ 10
bilhões, ou de 0,1% do PIB. Uma PEC para rever os limites mínimos para Educação
e Saúde poderia igualar o crescimento dos seus limites mínimos aos parâmetros
do Arcabouço Fiscal, com economia de R$ 4 bilhões. Outra PEC ajustaria as
verbas do programa Pé de Meia no Orçamento ao vinculá-lo ao Fundeb. A economia
seria de R$ 7 bilhões.
<><> Falta
combinar com os russos
O problema dos pacotes
econômicos é que, na teoria, está tudo bem. Na prática, como dizia Garrincha
“falta combinar com os russos”. Ou seja, com o Congresso, que tem
representantes de todos os “lobbies”, para cortar subsídios, privilégios de
altos salários e ajustar os benefícios sociais às limitações orçamentárias que
explodem as contas públicas e mantêm os juros altos. Isso implica o Congresso
aceitar cortar na própria carne. E há uma ala que deseja que a economia fique
pior para surfar na onda, como Trump.
• Eleição de Trump tem efeito na balança
comercial
Sob a promessa de
aumentar as tarifas de importação para parceiros comerciais, a vitória de
Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos traz potenciais impactos para o
Brasil e para o cenário econômico global. Com uma política protecionista, uma
de suas propostas de campanha prevê a imposição de tarifas de 10% a 20% sobre
todas as importações, além de taxas de 60% ou mais sobre produtos vindos da
China.
Os Estados Unidos são
o segundo principal destino das exportações totais brasileiras, atrás apenas da
China. No ano passado, o Brasil exportou US$ 36,9 bilhões para os
norte-americanos, o que representa cerca de um terço do total exportado para os
chineses. Na avaliação de analistas, a nova rota da economia representa tanto
implicações como oportunidades.
Para Marcelo Vitali,
diretor da consultoria de internacionalização How2Go no Brasil, o comércio
internacional certamente é um dos principais perdedores com a eleição de Trump.
"México, China e Brasil serão os principais impactados, com efeito negativo
especialmente no setor de exportação. Em um de seus últimos discursos antes da
eleição, Trump já enfatizou sua preferência pela aplicação de novas tarifas,
ampliando a proteção para as empresas locais em detrimento das
internacionais", destacou.
O especialista lembrou
que em seu último governo, por exemplo, o americano adotou uma alta tarifa
contra o aço brasileiro, afetando diretamente as siderúrgicas. "Setores
como aço, etanol, suco de laranja e outras commodities estão na mira, já que o Brasil
é um grande exportador desses produtos", apontou.
Segundo ele, as
medidas protecionistas podem obrigar a indústria brasileira a ter que buscar
novos parceiros comerciais. "Diversificar mercados é uma estratégia
inteligente para exportadores que dependem fortemente dos Estados Unidos.
Grandes empresas podem até ser incentivadas a estabelecer unidades produtivas
nos EUA para mitigar o impacto das tarifas. Ainda assim, o problema sempre pode
ser visto como oportunidade, apesar das dificuldades, como a necessidade de
explorar novos mercados", ponderou.
Na avaliação do
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Trump fez um discurso mais moderado após
a vitória do que o da campanha. "Foram ditas muitas coisas que causam
apreensão no mundo inteiro. Causam a apreensão nos mercados emergentes, nos
países endividados, na Europa, no mundo", destacou o chefe da equipe
econômica, que disse acreditar em um distanciamento dessa postura ao longo do
governo.
"Entre o que foi
dito e o que vai ser feito, nós sabemos que isso já aconteceu no passado, as
coisas às vezes não se traduzem da maneira como foram anunciadas",
avaliou. "Nós temos que aguardar um pouquinho e cuidar da nossa casa para
ser o menos afetado possível, qualquer que seja o cenário externo",
completou.
O primeiro governo de
Trump foi marcado pela política "America First" (América em
Primeiro), com forte protecionismo da indústria norte-americana e taxação de
produtos, sobretudo vindos da China, retomando a guerra comercial entre os dois
países. À época, o republicano implementou taxas de 7,5% a 25% para a segunda
maior economia mundial.
A tensão entre os
países é conhecida desde o século 20, no entanto, desde a década de 1990,
empresas norte-americanas decidiram centralizar produções na China, devido ao
baixo custo de produção, legislação flexível e leis trabalhistas mais brandas.
"Se tudo isso
ocorrer, possivelmente o consumo de produtos brasileiros pelos americanos vai
crescer, a exportação brasileira para os americanos deve crescer, e os produtos
brasileiros passarão a ter maior competitividade. Essa é a parte positiva",
afirmou Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike.
"É bom para a
indústria brasileira que exporta, mas em muitas situações é ruim para o Brasil
com o aumento do juros e aumento da inflação brasileira levando a uma
desvalorização do real", acrescentou o economista. Ele considera crucial
para o Brasil adotar uma postura "diplomática e pragmática" para
minimizar impactos negativos na relação bilateral e no mercado econômico
global.
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Oportunidade para o agro
O Brasil é um
importante fornecedor de alimentos para os EUA, liderando as exportações de
café para o país. Outros itens agrícolas também têm peso na corrente comercial
como suco de laranja, carne bovina, produtos da cana-de-açúcar, couro e soja.
Na avaliação dos analistas, é difícil que Trump taxe a importação de produtos
de primeira necessidade, sob o risco de provocar um aumento nos preços dos
alimentos.
"A ampliação do
setor privado deverá intensificar a atividade econômica nos Estados Unidos,
gerando uma demanda adicional por produtos agrícolas, o que beneficia a
produção nacional", avaliou Luiz Felipe Baggio, consultor jurídico da
Evoinc. O cenário, de acordo com ele, ainda pode abrir portas para que o Brasil
intensifique parcerias com países do Oriente Médio e diversifique sua pauta de
exportação.
No entanto, Baggio
alerta para possíveis barreiras alfandegárias impostas aos produtos
brasileiros, já que o Brasil se posiciona como um dos principais concorrentes
agrícolas dos EUA. "Nosso setor agro compete diretamente com o americano
em várias bolsas de commodities, o que pode levar a uma política protecionista
nos EUA", destaca.
Um dólar mais forte
pode impactar diretamente economias emergentes, mas também fortalecer as
exportações brasileiras, especialmente no agronegócio. "Com a postura de
Trump em adotar medidas protecionistas e restringir importações da China, o
Brasil poderia ganhar competitividade no mercado americano, aumentando suas
exportações de commodities e produtos agrícolas", aponta Juliana Tescaro,
sócia e diretora do hub de soluções financeiras Grupo Studio.
Uma eventual guerra
comercial com a China também pode aproximar ainda mais o agronegócio brasileiro
dos chineses como aconteceu no primeiro mandato de Trump, quando houve aumento
das vendas de soja, carne bovina e milho do Brasil para o país asiático.
"Além disso, a
firmeza nas relações com a China pode gerar oportunidades para o Brasil
substituir produtos chineses, embora a política econômica americana também
possa influenciar a inflação e os juros brasileiros, o que exigirá atenção na
condução da política econômica do país", completou Tescaro.
<><> Dólar
x inflação
A perspectiva de
políticas econômicas mais protecionistas e de estímulo fiscal nos EUA fortalece
o dólar, que atingiu patamares elevados em relação ao real na última semana.
Suas políticas protecionistas e de incentivo à indústria interna tendem a
valorizar a moeda norte-americana, o que pode pressionar ainda mais as
economias emergentes, incluindo o Brasil.
De acordo com Felipe
Vasconcellos, sócio da Equss Capital, esse movimento pressiona moedas de
mercados emergentes e tende a adicionar uma nova fonte de pressão à inflação
brasileira devido ao aumento dos custos de importação. Segundo ele, o fenômeno
conhecido como "Trump Trade" impulsiona ações, criptomoedas e o
dólar, refletindo expectativas de políticas que favoreçam o crescimento
econômico nos EUA. "Para o Brasil, a valorização do dólar pode agravar o
deficit em transações correntes e dificultar o controle da inflação",
alerta.
Se a tendência de alta
continuar, o analista afirma que há possibilidade de o dólar se estabilizar na
casa dos R$ 6, o que exigiria medidas adicionais de política monetária para
mitigar os impactos na economia brasileira. "No entanto, é importante lembrar
que sempre há uma diferença entre o discurso e a prática, de modo que
precisaremos acompanhar quais pautas da campanha de Trump irão de fato se
tornar realidade. Os próximos meses serão interessantes", completou
Vasconcellos.
Com o dólar mais
forte, os custos de importação aumentam e a inflação tende a subir, o que
poderia levar o Banco Central a ajustar suas taxas de juros, avalia João
Kepler, CEO da Equity Fund Group. "Para o Brasil, isso representa tanto
oportunidades no aumento das exportações, especialmente de commodities, como
desafios, com um possível enfraquecimento do real e uma maior pressão sobre a
política monetária interna", diz.
• Brasil deve manter relação pragmática
com Trump e aproveitar brecha para reindustrialização
Vencedor no voto
popular e no Colégio Eleitoral, Donald Trump deve obter para os republicanos
também o controle da Câmara e do Senado. Essa conjunção de vitórias marca uma
importante ascensão do populismo conservador, que de diversas maneiras parece
ter capturado a rejeição ao governo de Joe Biden. Trump optou pela defesa,
ainda que xenófoba, de postos de trabalho, de melhores empregos e da
reindustrialização do país.
Os democratas saíram
derrotados em razão de suas próprias contradições. Deixaram-se ser associados a
um liberalismo prejudicial ao eleitor e afastaram-se de largas parcelas do
eleitorado.
Esses setores acabaram
migrando para a mistificação trumpista, na esperança do ressurgimento de bons
empregos e salários. Trump navegou novamente nas promessas de construção da
"América Grande de Novo", um slogan emblemático da situação atual de
decadência do país.
Os EUA de Trump
embarcam em uma empreitada de recriar um país que já foram.
O objetivo é trazer de
volta a liderança industrial perdida para a China. Trump promete criar taxas e
tarifas contra produtos industriais de outros países, em especial a China, num
típico programa de substituição de importações.
A ideia replica
aqueles planos de desenvolvimento, inclusive o brasileiro, que foram tão
combatidos como geradores de protecionismo ineficiente. Os próprios
estadunidenses propagaram esse conceito ao longo da segunda metade do século
passado como forma de bloquear o florescimento de projetos nacionais de
industrialização, especialmente o brasileiro. Não deixa, portanto, de ser
irônica essa migração da posição estadunidense, que sempre encontrou defensores
entreguistas locais.
O Brasil exporta
produtos manufaturados para os Estados Unidos e pode ser afetado pelas medidas
protecionistas.
Além disso, o
presidente Lula declarou apoio a Kamala Harris nas eleições recentes, além de
qualificar Trump como desumano e compará-lo ao nazismo.
Embora a apuração, a
rigor, ainda não tenha terminado, Lula já parabenizou Trump pela vitória. Pela
relevância dos EUA, o Brasil de Lula, a despeito das evidentes diferenças com
Trump, deve manter uma atitude pragmática com o novo governante, mantendo o foco,
claro, na defesa dos interesses nacionais. Esse posicionamento institucional
deve governar as relações não apenas com os EUA, mas com todos os países.
Além disso, cabe ao
Brasil perceber que se abrem espaços geopolíticos de disputa em torno do tema
da reindustrialização.
O país deve definir
metas ambiciosas nessa reorganização da divisão internacional do trabalho, que
se dará, com certeza, num período de transição e reorganização das cadeias
produtivas globais a partir de demandas de sustentabilidade e de transformações
tecnológicas cada vez mais disruptivas.
Uma questão
inquietante, por exemplo, está na ameaça de que os EUA de Trump busquem se
reindustrializar à revelia de qualquer consideração pelo meio ambiente, o que
pode ser desastroso para todo o planeta.
Neste jogo, o Brasil
deve aproveitar, com responsabilidade, todas as oportunidades para sair dessa
transição em condições de competir em igualdade com outras nações de dimensões
continentais e grande mercado.
Fonte: Por Gilberto
Menezes Côrtes, no JB/Correio Braziliense/Brasil 247
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